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Eeefm Doutor Francisco De Albuquerque Montenegro
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<p>© 2022 - Carlos Monforte</p><p>Direitos em língua portuguesa para o Brasil:</p><p>Matrix Editora</p><p>www.matrixeditora.com.br</p><p>/MatrixEditora | @matrixeditora | /matrixeditora</p><p>Diretor editorial</p><p>Paulo Tadeu</p><p>Capa, projeto grá�co e diagramação</p><p>Edson Fogaça e Patricia Delgado da Costa</p><p>Revisão</p><p>Ivan Sousa Rocha</p><p>Maria Luiza Monteiro Bueno e Silva</p><p>Silvia Parollo</p><p>CIP-BRASIL - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO</p><p>SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ</p><p>Monforte, Carlos</p><p>O papel do jornalismo sem papel / Carlos Monforte. - 1. ed. - São Paulo: Matrix, 2022.</p><p>208 p.; 23 cm.</p><p>ISBN 978-65-5616-197-6</p><p>1. Jornalismo - História. 2. Jornalismo - Inovações tecnológicas.</p><p>3. Jornalistas - Efeito das inovações tecnológicas. I. Título.</p><p>22-75582</p><p>CDD: 070.4</p><p>CDU: 070.11</p><p>Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439</p><p>https://www.matrixeditora.com.br/</p><p>https://www.facebook.com/MatrixEditora/</p><p>https://mobile.twitter.com/matrixeditora</p><p>https://www.instagram.com/matrixeditora/</p><p>Sumário</p><p>. . .</p><p>1. Preliminares</p><p>2. O parque dos dinossauros</p><p>3. Do bloquinho à touchscreen</p><p>4. O futuro é o passado</p><p>5. A nova maneira de contar</p><p>6. O Bom Dia Brasil</p><p>7. Os perigos da TV</p><p>8. O outro lado do charme</p><p>9. O glamour se desmancha no ar</p><p>10. O bicho-papão</p><p>11. Então, faça você a sua revista</p><p>12. Ladeira abaixo</p><p>13. Fim ou começo de papo</p><p>14. Bibliogra�a e sugestões bibliográ�cas</p><p>Para Maria Ignez</p><p>O</p><p>1</p><p>Preliminares</p><p>. . .</p><p>jornal acabou, não existe mais jornalista, a notícia não tem dono, é de</p><p>todos. Conceitos que, vira e mexe, se espalham no ar e nas conversas,</p><p>consequência do avanço da tecnologia e das parafernálias que estão à</p><p>disposição de todos, neste mundo cada vez mais conectado. O jornalista</p><p>que, no meio dessa barafunda, perdeu seu papel – vive agora com tablets e</p><p>smartphones –, perdeu suas fontes. O mundo está no Google, perdeu seu</p><p>crédito – as redes sociais falam mais alto, dão a palavra a todos e são mais</p><p>rápidas. A pro�ssão de jornalista apresenta uma disrupção completa. A</p><p>adaptação é urgente.</p><p>Este livro procura mostrar como as novas tecnologias vêm impactando a</p><p>vida dos jornalistas, algumas vezes ajudando – e muito! –, outras,</p><p>atazanando seu trabalho. Mas também vai mostrar os perigos que envolvem</p><p>sua pro�ssão: a pressão do tempo, dos patrões, dos governos, da Justiça, dos</p><p>coleguinhas, das redes sociais e dos seus próprios sonhos – que,</p><p>invariavelmente, não são realizados pela cruel presença da realidade.</p><p>Um dia desses, fuçando a internet, me deparei com o site de esquerda</p><p>Brasil 247, amado por uns, odiado por muitos. Dissertava sobre a Campus</p><p>Party Brasil 2012 – era o quinto ano no Brasil do maior acontecimento de</p><p>tecnologia e internet do mundo – e as transformações do Jornalismo. Lá</p><p>encontrei ponderações até interessantes do que pode ser o Jornalismo daqui</p><p>para a frente, na era digital. Questões que discuto comigo mesmo e que me</p><p>deixam muitas vezes confuso e inseguro diante do nosso futuro, o futuro dos</p><p>chamados pro�ssionais da imprensa. Duas questões me tocaram mais forte.</p><p>A pergunta: “Existe Jornalismo fora da redação?”, tomando como base aí as</p><p>redações formais dos meios de comunicação como conhecemos; e a</p><p>a�rmação taxativa, opinião do próprio site: “Todos são produtores de</p><p>informação e podem atuar como jornalistas”.</p><p>O conceito não é grande novidade. Em 2008, Clay Shirky, professor de</p><p>Telecomunicações Interativas da Universidade de Nova York, já trazia à tona</p><p>essa questão em sua obra Lá vem todo mundo: o poder de organizar sem</p><p>organizações. No livro, Shirky mostra como essas novas tecnologias estão</p><p>indo além da liberdade de expressão, na medida em que incentivam a</p><p>liberdade de cada indivíduo. Explica bem a situação no capítulo “Todo</p><p>mundo é um veículo de comunicação” e no subtítulo interno “Blog e</p><p>amadorização em massa”.</p><p>E o autor é taxativo:</p><p>Até recentemente, ‘notícia’ signi�cava duas coisas diferentes: acontecimentos</p><p>dignos de nota e acontecimentos cobertos pela imprensa. [...] Doravante, uma</p><p>notícia pode penetrar na consciência pública sem a ação da imprensa tradicional.</p><p>Na verdade, a mídia jornalística pode acabar cobrindo a história porque ela</p><p>penetrou na consciência pública por outros meios1.</p><p>A primeira constatação é a seguinte: a informação, a notícia, não é de</p><p>ninguém. Ela está por aí, solta, em busca de quem a capte e a divulgue. Resta</p><p>saber quem tem autoridade, credibilidade, para fazer isso. Não adianta um</p><p>cidadão pegar essa informação e torná-la pública se ninguém der crédito.</p><p>Vira fofoca irresponsável. (E assistimos a isso hoje, diariamente, com</p><p>abundância, quando observamos mais de perto as redes sociais.) E esse</p><p>também foi um dos questionamentos do debate daquela Campus Party: a</p><p>verdade estaria apenas na veiculação da notícia feita pelas grandes</p><p>corporações. Mas até que ponto?</p><p>O futuro do Jornalismo pode estar na resposta a essas questões. São</p><p>questões nascidas da evolução dos próprios instrumentos que agitam os</p><p>meios de comunicação tradicionais, além do surgimento de novidades, de</p><p>novas plataformas que ajudam na condução das notícias, de sua criação até</p><p>chegar aos consumidores. Tudo acontece cada vez mais rápido e por mãos as</p><p>mais diversas. Hoje, o jornalista não necessita mais de diploma para exercer</p><p>a pro�ssão, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Seria o</p><p>começo do enfraquecimento da pro�ssão?</p><p>As dúvidas são grandes. Mais premente ainda é saber qual o papel deste</p><p>“novo” Jornalismo. Onde ele vai parar? Em primeiro lugar, é preciso fazer</p><p>uma óbvia constatação: primeiro, o blog; depois, o Twitter, o Facebook, os</p><p>aplicativos, a internet: o paraíso e o inferno do Jornalismo. São instrumentos</p><p>para ir além da difusão de notícias. O papel desses instrumentos é o de</p><p>aproximar as pessoas, espalhar informações, por mais banais que sejam,</p><p>juntar as solidões. O Jornalismo se vale disso. E, por isso, está mudando –</p><p>não a sua essência, mas a forma de cumprir suas obrigações.</p><p>O papel dessas pequenas – mas poderosas – e signi�cativas armas da</p><p>internet facilita a interação. Mais do que isso, tem provocado mudanças</p><p>políticas pelo mundo. Por si só, essas armas não são nada. Elas uni�cam,</p><p>centralizam e catalisam as insatisfações de quem não tem voz – e esse é o</p><p>papel de uma substância na catálise: aumentar a velocidade de uma reação</p><p>química, a química dos descontentes.</p><p>O Jornalismo de hoje usa e abusa desses instrumentos. Por meio deles,</p><p>investiga, constata, apura, divulga e analisa seus efeitos. Torna a informação</p><p>mais rápida e facilita sua propagação. O jornalista pega o fato no meio do</p><p>caminho, faz suas análises e põe a notícia para circular. Mas não é a origem</p><p>do acontecimento, e sim o seu meio de transmissão, auxiliado cada vez mais</p><p>por todos esses aparatos à sua volta. E pelos jornalistas involuntários, em</p><p>que se transformaram todos aqueles que navegam pela rede – com alegria,</p><p>amor e ódio à �or da pele.</p><p>O uso extensivo e excessivo da internet e seus derivados tem posto, isso</p><p>sim, o Jornalismo em perigo. Basta ler o que diz Ryan Holiday em seu livro</p><p>Acredite, estou mentindo, que alerta para a leitura de blogs os mais variados,</p><p>que nem sempre trazem os fatos como eles são – mal checados, apenas</p><p>interpretados e que trazem à luz apenas meias verdades, ou nenhuma. E por</p><p>que ir aos blogs? Pela necessidade de rapidez na informação, sem checagem,</p><p>sem um cuidado maior. Um perigo.</p><p>Não tem para onde fugir: o jornalista tem de estar atrelado, conectado às</p><p>chamadas redes sociais para se colocar no meio das tempestades. É por aí</p><p>que descobre fatos, que faz contatos, que se integra ao mundo das notícias. E</p><p>é exatamente por meio desse seu novo instrumento de trabalho que ele vive</p><p>suas alegrias e seus infernos.</p><p>Quem assistiu ao documentário norte-americano O dilema das redes sabe</p><p>do que estou falando. O �lme, lançado em 2020, analisa o papel das redes</p><p>sociais e seus efeitos colaterais na sociedade. As redes sociais ajudam? Claro</p><p>que ajudam, pois integram, fazem o conhecimento circular mais rápido. Mas</p><p>também</p><p>o carro não é o mesmo, nem a geladeira</p><p>ou o fogão – temos a internet das coisas –, com tudo sendo controlado e</p><p>guiado por satélite.</p><p>O ser humano é outro. Quanto a isso, não há novidade. Mas como a nossa</p><p>área especí�ca é o Jornalismo, cabem aqui algumas ponderações. O mundo</p><p>geracional é hoje dividido em X, Y, Z, ou nos baby boomers, aqueles</p><p>cidadãos nascidos pouco depois da Segunda Guerra Mundial – seres</p><p>analógicos.</p><p>Eu, por exemplo, sou um baby boomer clássico, adulto antes dos anos 1990</p><p>e de formação absolutamente à base de livros. Sou do tempo do</p><p>mimeógrafo, do papel carbono, da máquina de escrever, da �ta cassete.</p><p>Nós, dos anos 50 do século passado, conhecemos os computadores</p><p>tardiamente: não os conhecemos antes porque eles não existiam. Fomos</p><p>atropelados pelas invenções, quando nossas preocupações eram outras,</p><p>como, por exemplo, a busca pela liberdade de expressão aqui no Brasil. E</p><p>continuamos atrelados aos nossos velhos costumes, aqueles que nos</p><p>acompanharam durante toda a vida.</p><p>O conhecimento que chega aos nativos digitais – os que nasceram já neste</p><p>século ou nos últimos anos do século XX – vem de outra forma e com outra</p><p>velocidade. O vocabulário deles é diferente: aprendem línguas com as</p><p>músicas, geogra�a com os videogames, e história com os documentários das</p><p>operadoras a cabo ou via satélite.</p><p>Um estudo da União Internacional de Telecomunicações (UIT), citado</p><p>pelo jornalista Caio Túlio Costa, em seu estudo sobre o novo modelo de</p><p>negócio para o Jornalismo digital, a�rma que, em 2012, “30% da população</p><p>mundial (entre 15 e 24 anos) era formada de nativos digitais”10.</p><p>Busco emparelhar o jogo. Porque existe outra categoria, batizada pelo</p><p>cientista pernambucano Silvio Meira: os analógicos digitais. Eu me</p><p>enquadro aí. São os que �zeram e fazem um esforço descomunal para</p><p>acompanhar os avanços tecnológicos e para aprender como viver dentro</p><p>deles. Estão nessa categoria todos os gênios da tecnologia mundial, que não</p><p>“nasceram digitais”, mas que estão ajudando a inventar esse novo mundo –</p><p>como Bill Gates e Steve Jobs.</p><p>Acredito que, nessa primeira etapa, há a necessidade de que as três</p><p>espécies convivam em paz. Uma ajuda a outra, já que os analógicos podem</p><p>ser um pouco lentos nos novos processos, mas carregam em si uma</p><p>educação mais consistente e conceitos mais sólidos – e, claro, mais</p><p>experiência. Hoje, os digitais ainda são dirigidos, orientados, na maioria das</p><p>vezes, pelos seres analógicos.</p><p>Somos líquidos</p><p>E por que digo tudo isso? Porque a transição é necessária, embora ela</p><p>esteja ocorrendo muito mais rápido do que o esperado. O mundo digital é</p><p>mais �uido, líquido, como classi�ca – e não canso de citá-lo – o professor</p><p>Zygmunt Bauman em seu livro Modernidade líquida.</p><p>Diz ele que atualmente os conceitos, de certa forma, se ajustam às</p><p>situações que se apresentam, como os líquidos se amoldam aos recipientes.</p><p>Tudo é muito leve e rápido. Como o mundo do Snapchat, uma rede social de</p><p>mensagens instantâneas, basicamente composta de imagens, que só pode ser</p><p>usada uma vez. “A modernidade pesada foi a era da conquista territorial”, diz</p><p>Bauman. “Na modernidade líquida, mandam os mais escapadiços, os que</p><p>são livres para se mover de modo imperceptível”11.</p><p>Podemos citar aí os “millennials”, aquela geração imediatista, que não liga</p><p>para o que vai acontecer no futuro, nem para a aposentadoria. São os jovens</p><p>nascidos depois de 1981, que se preocupam com suas realizações pessoais –</p><p>e com seus contatos nas redes – e dão pouca ou nenhuma importância às</p><p>coisas que envolvem dinheiro. São esses os pro�ssionais que mais atraem o</p><p>mercado, mas que, ao mesmo tempo, preocupam as instituições �nanceiras,</p><p>já que não têm o mínimo interesse em poupar. E são esses mesmos que estão</p><p>chegando ao poder e começam a incomodar as antigas che�as, expondo suas</p><p>insatisfações e novas ideias para gerenciar as empresas.</p><p>Os “millennials”, porém, já estão sentindo o peso de uma nova</p><p>concorrência: a geração Z, nascida no começo deste século. É uma geração</p><p>que vem expondo, a quem quiser ver, seus desejos e ambições – a convicção</p><p>de que nada é perfeito (ou seja, não busca a perfeição) – e evita os rótulos</p><p>tradicionais. É um novo público que chega, amparado por uma nova visão</p><p>de mundo. Onde �cam nisso as velhas fórmulas, os ultrapassados meios de</p><p>comunicação?</p><p>Ao mesmo tempo, aparece Bauman – ele não é tão novo assim, pois</p><p>nasceu em 1925 e morreu em 2017 –, que levanta suas teses e seus</p><p>pensamentos, mas não sugere nenhuma fórmula a seguir. Na verdade, o</p><p>campo de invenções hoje está aberto. É onde entra o seu conceito de vácuo.</p><p>É o momento típico para adaptações e criações.</p><p>E na TV, essa nova forma de fazer, de executar o trabalho, inclui a</p><p>velocidade em que tudo é feito, em que tudo é levado ao ar. As notícias</p><p>chegam mais rápido e aos borbotões, e tudo é colocado no ar, em geral e de</p><p>preferência, ao vivo – “a quente”, digamos, no calor do fato. E tudo é</p><p>consumido rapidamente, de imediato, o que requer o uso de novas</p><p>tecnologias, como também de uma nova linguagem por quem utiliza esses</p><p>meios, seja o repórter, seja o apresentador de telejornal.</p><p>O jornalista é sempre o atrasado nessa história de inovação. Enquanto as</p><p>grandes conquistas vêm e se vão, o jornalista �ca apegado às suas tradições,</p><p>ao bloquinho de mão, com saudade das velhas máquinas de escrever. É claro</p><p>que falo dos velhos jornalistas, dos que nasceram logo depois da Segunda</p><p>Guerra Mundial, como eu, que vêm lutando desesperadamente por uma</p><p>atualização rápida. E esse jornalista sofre a concorrência brutal de quem</p><p>parece ter nascido com as novas tecnologias implantadas no cérebro.</p><p>Talvez uma das maneiras, um dos caminhos para se buscar novas</p><p>fórmulas de apresentar a notícia na TV, seja descobrir o que é notícia hoje e</p><p>qual é o público para essa notícia. Mas a resposta para essa questão</p><p>também é líquida, como um rio que passa à nossa frente: ela se renova a</p><p>cada década, a cada dia, a cada instante.</p><p>5 Harari, 2017, p. 32.</p><p>6 Godoy, 2010.</p><p>7 Gilder, 1996, p. 18.</p><p>8 Rodrigues, 2016.</p><p>9 Frase célebre de Antonio Gramsci, encontrada em várias referências. Entre elas, Gramsci, 2021.</p><p>10 Costa, 2014.</p><p>11 Bauman, 2001, p. 153.</p><p>K</p><p>5</p><p>A nova maneira de contar</p><p>. . .</p><p>ira Goldenberg, antiga editora-associada da Columbia Journalism</p><p>Review, começa um artigo que publicou em 2013, no número 4 da</p><p>Revista de Jornalismo ESPM, da seguinte forma: “O texto</p><p>jornalístico vive uma crise de identidade”12. Ela disserta sobre os caminhos</p><p>que o texto de jornal deve tomar para se tornar mais compatível com os</p><p>novos tempos. Conta ela que recebeu via e-mail do editor de mídias sociais</p><p>da Reuters, Anthony De Rosa, a seguinte consideração:</p><p>Precisamos repensar o formato do texto jornalístico e substituí-lo por algo que se</p><p>assemelhe mais à internet e tire maior proveito da rede, em vez de simplesmente</p><p>pegar o formato impresso e jogá-lo no espaço digital. Por que seguimos [com esse</p><p>formato] depois de mais de uma década é, para mim, um mistério13.</p><p>E os dois – Kira e Anthony – tratavam do texto impresso, de jornal, que,</p><p>como todos sabem, é a mídia que mais resiste às inovações, que mais</p><p>di�culdade tem de se adaptar a qualquer tipo de novidade.</p><p>Quanto mais tradicional é o órgão de imprensa, mais lenta é a sua</p><p>adaptação. E isso não é crítica – é pura constatação.</p><p>Em um mundo cada vez mais veloz e cheio de maneiras diferenciadas de</p><p>comunicação, com plataformas as mais diversas, o texto e o contexto dos</p><p>jornais ainda tardam por aplicar novas narrativas ao seu modelo – que, por</p><p>isso, vive uma crise há muitos anos, pressionado pela velocidade da internet</p><p>e de todas as mídias sociais, que tomaram conta dos contatos sociais, dos</p><p>diálogos entre as pessoas.</p><p>Não é à toa que tantos jornais – mesmo os tradicionais, centenários –</p><p>estão morrendo. Muitos deles buscam uma transformação radical, passando</p><p>apenas a manter edições digitais. Outros nem isso suportam. A</p><p>comunicação via internet é mais fácil, rápida, direta e divertida.</p><p>Mas é claro que, apesar de resistentes, revistas e jornais impressos, quando</p><p>comandados por visionários, por talentos inatos da comunicação, sempre</p><p>foram atrás da modernidade, mesmo antes do fenômeno da internet e da</p><p>invasão das novas mídias. Exemplos não faltam, e aqui me re�ro apenas ao</p><p>que acontece – ou aconteceu – no Brasil.</p><p>A fauna jornalística brasileira criou joias extraordinárias que</p><p>revolucionaram o panorama do Jornalismo no país – e que continuam vivas</p><p>até hoje, pelo menos na história e nos exemplos a dar. Colocamos aí o Diário</p><p>Carioca, que introduziu o lead – um invento da metade do século XVII,</p><p>como veremos a seguir, que procura responder às seis perguntas básicas no</p><p>começo da notícia – na imprensa brasileira; a Última Hora, de Samuel</p><p>Wainer; o Jornal do Brasil, O Cruzeiro, o Jornal da Tarde, a revista Realidade</p><p>e tantos outros.</p><p>A bem da verdade, o responsável pela introdução do lead na imprensa</p><p>brasileira tem nome e sobrenome: Pompeu de Souza, do Diário Carioca –</p><p>jornal no qual ajudou a introduzir a chamada “pirâmide invertida” (técnica</p><p>jornalística em que o conteúdo principal da informação é apresentado nos</p><p>dois primeiros parágrafos) e a bolar um manual de redação –, jornalista que</p><p>depois enveredou pela política e chegou ao Senado. Eu o conheci em</p><p>Brasília, já senador e com bastante idade, mas com o mesmo entusiasmo de</p><p>juventude. Um ser humano admirável.</p><p>Pompeu se compadecia seriamente da introdução dessa novidade, já</p><p>conhecida dos norte-americanos. Na realidade, o lead ajudava o leitor, na</p><p>medida em que sintetizava a reportagem, mas tolhia a criatividade do</p><p>jornalista. Em um artigo de 1986, se penalizou por ter adaptado para o</p><p>Brasil os handbooks americanos e introduzido um manual de redação com o</p><p>conceito. Reconheceu sua “culpa” e negou que tenha sido sua intenção.</p><p>Mas a inovação do lead, como disse, é coisa bem mais antiga, nova apenas</p><p>para o Jornalismo de meados do século XX, que ainda engatinhava.</p><p>Vejam como o nosso mundo jornalístico é primário: o lead, que é uma</p><p>descoberta importante para os estudantes de Jornalismo, tem estudo pouco</p><p>aprofundado nas faculdades. Tive contato com suas raízes não faz muito</p><p>tempo, por indicação de Caio Túlio Costa, no livro Ética, jornalismo e nova</p><p>mídia, no qual cita Tobias Peucer, o progenitor da teoria do Jornalismo. Foi</p><p>Peucer o criador do tal lead, talvez casualmente, mais pela necessidade de</p><p>sistematizar sua teoria no texto “Os relatos jornalísticos (De relationibus</p><p>novellis)”, que só fui encontrar integralmente na revista Comunicação &</p><p>Sociedade, da Universidade Metodista de São Paulo.</p><p>No texto, Peucer, doutor em “periodística”, desenvolve sua tese e, para</p><p>organizar seu pensamento, ensina que,</p><p>para ordenar relato [...] caberá ater-se àquelas circunstâncias já conhecidas que se</p><p>costuma ter sempre em conta em uma ação, tais como a pessoa, o objeto, a causa,</p><p>o modo, o local e o tempo14.</p><p>Ou seja, quem, quê, porque, como, onde e quando. Estava criado o</p><p>famoso lead.</p><p>Convenhamos, mudaram muito pouco os critérios para desenvolver os</p><p>relatos de uma notícia em jornal e mesmo na TV. Claro, há tentativas</p><p>heroicas, mas não passam de tentativas, muitas delas vitoriosas, mas que</p><p>servem apenas de referências e bons exemplos.</p><p>Vamos aqui pôr uma pitada de história pessoal no molho.</p><p>Pessoalmente, eu participei de uma tímida tentativa de modernizar o</p><p>centenário O Estado de S. Paulo, na década de 1970, quando se procurava</p><p>dar um caráter mais moderno ao velho jornalão, vizinho de corredor do leve</p><p>– e este, sim, inovador – Jornal da Tarde que, infelizmente, por todas as</p><p>crises que vivemos, acabou morrendo. A “modernização”</p><p>do Estadão também foi branda demais, e ele demorou a se tornar um</p><p>jornal mais fácil de ser lido. Foram necessárias outras décadas e da chegada</p><p>avassaladora das novas mídias. Hoje, o jornal se jogou de vez na internet e lá</p><p>consegue acompanhar os fatos com maior agilidade, usando vídeos e uma</p><p>linguagem mais enxuta, como pede a plataforma.</p><p>É que no Estadão dos anos 1970 estavam Clóvis Rossi, Ludenbergue Góes,</p><p>Ethevaldo Siqueira, Oswaldinho Martins, Sérgio Motta Mello, Carlos</p><p>Alberto Sardenberg, Gilnei Rampazzo, Antônio Tadeu Afonso, Carlos</p><p>Conde, Sérgio Buarque de Gusmão, Marcos Fonseca – vindo de uma família</p><p>de jornalistas, irmão de Ouhydes Fonseca, que ganhou comigo e com Carlos</p><p>Manente um Prêmio Esso Regional sobre a expansão do município de</p><p>Santos –, Carlos Manente, Fran Augusti, Ricardinho Kotscho, Raul Bastos e</p><p>outros tantos excelentes jornalistas que brigavam intensamente para mudar</p><p>a linguagem do jornal, para torná-lo mais aberto e livre, sem perder o foco</p><p>no conteúdo, que, este sim, deveria continuar profundo e cada vez mais</p><p>ácido e verdadeiro (vivíamos em uma ditadura militar).</p><p>Rossi, Raul e Góes inventaram um sistema para melhorar a interação das</p><p>editorias e apelidaram o invento de “mesão”, onde os editores se colocavam</p><p>frente a frente e todos �cavam sabendo como seria o jornal do dia seguinte.</p><p>Pude participar da execução do plano. Era uma maneira nova de se fazer</p><p>jornal, com uma troca intensa de ideias sobre a edição e sobre os assuntos</p><p>do dia. E isso era re�etido na própria concepção das matérias.</p><p>Além disso, havia outra invenção: o super-copy. Eram os redatores que</p><p>colocavam as matérias no tamanho correto, dentro da diagramação, mas que</p><p>também podiam sair às ruas para fazer reportagens de acordo com os temas</p><p>ligados à sua editoria. Por exemplo, quem era redator de “Política” poderia</p><p>sair à rua (não necessariamente) e fazer matéria sobre a editoria. Apenas</p><p>“Esporte”, “Internacional” e “Economia” estavam fora do mesão.</p><p>A Folha de S. Paulo saiu na frente quanto à forma e mudou inclusive seu</p><p>sistema de impressão antes do Estadão, o que causou um frenesi nos donos –</p><p>e nos jornalistas – do velho diário. Morríamos de inveja e torcíamos pela</p><p>impressão a frio (ou off-set) chegar rápido à Major Quedinho. (Pensávamos</p><p>que isso iria facilitar o fechamento, mas o deadline, o prazo que se tem para</p><p>concluir – ou fechar – o jornal do dia, �cou ainda mais apertado; quando ela</p><p>chegou, foi uma frustração. Ninguém entendia por que uma forma mais</p><p>moderna de imprimir pressionava ainda mais os jornalistas para o</p><p>fechamento. Mas esse era o fato.)</p><p>Os revolucionários</p><p>Revolução mesmo tinha acontecido anos antes, mas não foi uma coisa</p><p>repentina, foi um processo. Era o chamado New Journalism, que aqui �cou</p><p>mais conhecido como Jornalismo literário e que revelou inúmeros talentos</p><p>– jornalistas que conseguiram unir com sucesso o poder da notícia com um</p><p>texto primoroso e inteligente, digno dos melhores escritores.</p><p>Nos Estados Unidos, a história começou com Lillian Ross (falecida em</p><p>2017), que passou décadas na revista e New Yorker e lá desenvolveu um</p><p>estilo pessoal, que desencadeou a nova forma de escrever um relato</p><p>jornalístico. E se ela deu o pontapé inicial, seus contemporâneos, tão</p><p>talentosos quanto, foram às últimas consequências. São eles: Gay Talese,</p><p>Truman Capote, Norman Mailer, Tom Wolfe, entre outros.</p><p>Gay Talese tentou explicar esse novo Jornalismo, no seu ponto de vista, no</p><p>qual a imaginação permite intromissão na narrativa, se o jornalista quiser,</p><p>que pode ainda assumir o papel de observador imparcial. E esclarece que,</p><p>embora o texto não seja �cção, pode ser lido como tal. Mas que isso não</p><p>pode distorcer a verdade dos fatos. É pura questão de estilo.</p><p>Como já citei páginas atrás, Talese é autor de uma antológica reportagem</p><p>com Frank Sinatra (“Frank Sinatra está resfriado”), sem ao menos conversar</p><p>com ele. Tratou da in�uência que o cantor tinha sobre várias pessoas e o que</p><p>o resfriado que ele contraíra poderia causar a todas elas e à própria música,</p><p>na medida em que Sinatra não podia cantar, gravar discos ou se apresentar</p><p>em shows.</p><p>A reportagem foi publicada em 1965 na revista Esquire, e para sua</p><p>elaboração Talese dedicou dois meses de trabalho, com méritos inegáveis. E</p><p>esse é apenas um exemplo do talento de Gay Talese, especialista</p><p>em buscar</p><p>anônimos e fatos corriqueiros para compor seus textos.</p><p>Mas nem isso o livrou de várias críticas, tanto de jornalistas brasileiros</p><p>como da própria Lillian Ross. Lillian costurava seus textos tomando como</p><p>base somente os fatos, sem fugir deles. Para ela, os jornalistas que optaram</p><p>pelo “novo Jornalismo” foram longe demais com a liberdade de escrever e,</p><p>até mesmo, chegaram a descrever o que as pessoas pensavam.</p><p>O que Lillian queria dizer, traduzindo de maneira banal, é que fazer</p><p>Jornalismo não é fazer �cção, mas que é preciso embalar bem o produto e</p><p>não o separar da realidade dos fatos. Não inventar, mas tornar as novidades</p><p>atraentes, para que o leitor tenha prazer em conhecer as informações</p><p>corretas de maneira agradável.</p><p>Outro exemplo são os textos de Truman Capote, que tomou esse estilo de</p><p>Lillian como seu, e produziu obras magní�cas, como a famosa entrevista que</p><p>fez com Marlon Brando – “O duque em seu domínio”, publicada em</p><p>novembro de 1957, pela New Yorker e que, passados tantos anos, ainda</p><p>continua servindo de parâmetro para a elaboração de per�s de celebridades</p><p>–, quando se embebedou durante horas, em um quarto de hotel, com o</p><p>arredio Brando e de lá tirou uma reportagem brilhante. Também foi a partir</p><p>dos ensinamentos de Lillian que Capote compôs seu romance A sangue frio,</p><p>baseado em fatos reais e que se tornou um best seller.</p><p>Os exemplos brasileiros também são inúmeros e signi�cativos, mas por</p><p>aqui o sucesso geralmente �ca circunscrito aos que exercem a mesma</p><p>pro�ssão. Quer dizer, o sucesso tem limites e eles são bem demarcados. Isso</p><p>não impede de reconhecer que tivemos talentos geniais entre nossos</p><p>pro�ssionais. Basta mencionar novamente publicações como o Jornal da</p><p>Tarde, o Jornal do Brasil, a revista Realidade, sem esquecer os velhos jornais,</p><p>como o Diário Carioca e a revista O Cruzeiro, que foi editada de 1943 a</p><p>1975, chegou a tirar 750 mil exemplares e acolheu talentos, como Millôr</p><p>Fernandes.</p><p>Antes de o JT e a Realidade causarem, o representante do New Journalism</p><p>tupiniquim foi, sem dúvida, Joel Silveira, sergipano de Lagarto, que brilhou</p><p>nos anos 40 do século passado na revista Diretrizes, de Samuel Wainer, e no</p><p>Diário da Noite, de Assis Chateaubriand. Foi nesses veículos que ele expôs</p><p>uma nova maneira de contar histórias no Jornalismo, em matérias como</p><p>“Eram assim os grã-�nos em São Paulo” e “A milésima segunda noite da</p><p>Avenida Paulista”.</p><p>Mais perto de nossos dias, tive o prazer e a honra de conviver na</p><p>carrancuda redação do Estadão com um dos jornalistas mais especiais que a</p><p>pro�ssão já formou: Ricardinho Kotscho. Ele sempre foi a joia daquela</p><p>geração, por seu texto limpo e fácil de ser lido e, principalmente, pelas</p><p>informações que ia buscar – como todo bom jornalista (e temos vários), ele</p><p>estava sempre no lugar certo e na hora certa.</p><p>Ricardinho ganhou três Prêmios Esso, mas não foi isso que o fez grande.</p><p>Foram reportagens como a série “Mordomias”, de 1977, que, além de colocar</p><p>em circulação um termo pouco usual naquele tempo, desnudou os hábitos e</p><p>os gastos de políticos e funcionários públicos, o que desagradou bastante os</p><p>donos do poder na época. Foi brilhante.</p><p>Algum tempo antes, foi a vez do Jornal da Tarde e da Realidade. As duas</p><p>publicações marcaram época e mudaram a cara do Jornalismo no Brasil. E</p><p>por quê? Porque inovaram, trouxeram luz nova ao que se fazia no dia a dia,</p><p>buscaram o popular com so�sticação, com bom gosto. Mais do que isso,</p><p>com talento e inteligência. Mas não conseguiram manter a revolução de pé.</p><p>Realidade durou dez anos (de 1966 a 1976); o Jornal da Tarde �cou vivo por</p><p>mais tempo: 46 anos, até 2012.</p><p>Os esforços na TV</p><p>A televisão – que surgiu para o mundo em meados do século XX – é um</p><p>ser mutante e precisa dessa mutação para atrair seu público. A tecnologia</p><p>vem ajudando muito, melhorando a qualidade da imagem e criando efeitos</p><p>especiais espetaculares. O conteúdo, durante todo o tempo de maturação da</p><p>TV, é claro, sofreu desgastes com censuras e autocensuras. Mas pode-se</p><p>perguntar: e a criatividade das reportagens?</p><p>O professor David Klatell, responsável pela área de estudos internacionais</p><p>da Columbia Journalism School, relatou o seguinte em um artigo para a</p><p>Revista de Jornalismo da ESPM, em 2014:</p><p>É impressionante que na TV – onde, a�nal, se trabalha há décadas com a</p><p>‘tradicional’ narrativa em vídeo, e onde existe a vantagem de contar com grandes</p><p>equipes de cinegra�stas, produtores, editores e jornalistas pro�ssionais – haja tão</p><p>pouca mudança. Nela, o processo de gravação, edição, narração e curadoria de</p><p>vídeo há décadas segue praticamente inalterado15.</p><p>No entanto, no tempo em que passei na TV Globo – e foram quase 40</p><p>anos –, houve tentativas. Ainda me lembro de Woile Guimarães (ex-</p><p>Realidade, ex-JT), que era diretor-executivo da TV Globo de São Paulo, por</p><p>volta de 1979, tentando convencer de que era preciso colocar uma trilha</p><p>sonora nos VTs de reportagem – era preciso mudar alguma coisa, dar mais</p><p>emoção à notícia. Woile tinha noção de quais eram os novos caminhos para</p><p>tornar as reportagens mais atraentes, tanto que deixou o Jornalismo de lado</p><p>e se jogou no trabalho de uma produtora de sucesso, a GW, onde pôde</p><p>exercer toda a sua criatividade. E ganhar dinheiro.</p><p>Armando Nogueira, mais modestamente, também tentava adicionar</p><p>algumas mudanças nas matérias. Certa vez, também lá pelo �nal dos anos</p><p>1970, ele propôs uma maior participação dos repórteres nas reportagens, na</p><p>falta de uma tecnologia mais apropriada – talvez inspirado no exemplo dos</p><p>norte-americanos do New Journalism e nas novidades que sempre chegam</p><p>do exterior. E quando, em um relato no meio de uma reportagem, eu �z um</p><p>gesto incomum para a época – dei um passo e pus a mão direita na porteira</p><p>de uma fazenda que escondia trabalho escravo, na expectativa de realizar</p><p>uma condução diferente da matéria –, o diretor vibrou. Que barbaridade,</p><p>quando se vê o que se faz hoje! A interação é bem maior. Embora exagerada,</p><p>em alguns casos.</p><p>Mas a tendência, e o que precisa ser feito, é estimular o exagero, o</p><p>inusitado, para que se chegue a um denominador comum. E só se</p><p>conseguirá isso se forem utilizados todos os recursos que a tecnologia tem</p><p>colocado nas mãos dos jornalistas, conhecidos por serem refratários a</p><p>grandes “modernidades” – e esse talvez seja o ganho maior das novas</p><p>gerações, que trazem um sabor novo, um ambiente novo ao Jornalismo, mas</p><p>que sempre precisam ter a anuência dos mais antigos, que ainda comandam</p><p>as redações.</p><p>Os maiores avanços que temos visto têm chegado via editoria de</p><p>“Esportes”. Talvez pelo modo peculiar, mais despojado e informal das</p><p>reportagens, é por aí que acontecem os maiores avanços e experiências. Na</p><p>Olimpíada de 2016, pudemos assistir a reportagens bem ousadas e</p><p>interessantes nesse sentido.</p><p>O Jornal Nacional da Rede Globo que, apesar de todas as di�culdades</p><p>provocadas pela incessante busca de audiência – e, portanto, com temores</p><p>extremos para ousar –, também tem apresentado grandes exemplos. Mas a</p><p>cada dia que passa – e aqui vai um parêntese –, jornais, como o JN e tantos</p><p>outros espalhados pelas diversas emissoras, já parecem velhos na hora em</p><p>que vão ao ar, da mesma forma que os jornais impressos já estão velhos ao</p><p>saírem das rotativas.</p><p>Na verdade, pela lógica, a ousadia deveria �car por conta de telejornais</p><p>menores, de emissoras menos comprometidas com ganhos de audiência, ou</p><p>mesmo nos canais por assinatura. Mas é mesmo o JN que está saindo em</p><p>busca das tecnologias, aprimorando o Departamento de Arte, a produção de</p><p>matérias, um texto mais moderno e descontraído, assim como o uso intenso</p><p>de novas ferramentas.</p><p>Mas é bem claro que nem o JN vai ao fundo da questão. Cria um cenário</p><p>moderno e atrativo, gasta milhões de reais em uma câmera robótica – que a</p><p>BBC já usava no começo dos anos 1980, embora com outra tecnologia –, usa</p><p>e abusa de cenários virtuais, mas quando o apresentador chama a</p><p>reportagem, ela vem na velha forma que lembra Tobias Peucer, de 1690 – ou</p><p>seja, não se ousa, não se usa, ou se usa pouco, a linguagem que as novas</p><p>tecnologias nos oferecem.</p><p>O Jornalismo brasileiro</p><p>O próprio Boni esclarece – em O Livro do Boni, na parte que trata de</p><p>Armando Nogueira e da criação do Jornal Nacional – que a televisão</p><p>brasileira não é cópia da televisão norte-americana. “[...] Só que eles</p><p>equacionaram muitos problemas antes de nós e superaram vários desa�os</p><p>que só enfrentamos muito mais tarde, como, por exemplo, a implantação de</p><p>um telejornal de rede”16.</p><p>Isso não quer dizer que devemos �car sempre atrelados, na cola do que</p><p>eles fazem por lá. É verdade que, no começo, as matérias dos telejornais</p><p>brasileiros seguiram à risca o formato das norte-americanas: abertura (o</p><p>jornalista aparece, digamos, para apresentar a matéria</p><p>– o que praticamente foi banido, mas não há regra sobre isso), off (a</p><p>narração em si, com imagens do fato), sonora (pequena entrevista),</p><p>passagem (quando o jornalista aparece na tela, assina a matéria e amarra a</p><p>reportagem), off e encerramento (um vocabulário que aos poucos foi</p><p>assimilado pelos jornalistas de televisão, e depois modi�cado, pela própria</p><p>evolução da comunicação).</p><p>O repórter abria e fechava o VT, fazia uma passagem e gravava a narração</p><p>(o off) na cabine da emissora. Esse era o padrão. Depois, veio a grande</p><p>mudança: as matérias tinham sempre de começar em off, com imagens, e o</p><p>repórter aparecia apenas uma vez na matéria – em tese. Esse pro�ssional, se</p><p>homem, deveria estar, em geral, de terno e gravata. Hoje, gravata só nos</p><p>salões da Esplanada – e, às vezes, nem isso. Um avanço.</p><p>Esse padrão é seguido até os dias atuais. Ocorreram poucas mudanças,</p><p>inclusive no tom das reportagens. As matérias de hoje pecam pela</p><p>monotonia, como se fossem uma música única, em que apenas a letra</p><p>muda. É uma toada monofônica, “sincopada”, de dar a notícia, onde tudo</p><p>parece muito igual, até mesmo os pontos de respiração, os parágrafos, as</p><p>pausas para se completar a frase. E como a TV Globo é ainda a emissora que</p><p>serve de modelo às demais – até porque boa parte dos pro�ssionais que</p><p>trabalham nas demais emissoras já passou por lá –, o tom é idêntico.</p><p>O uso de tudo o que as tecnologias nos dão hoje e que vai ao ar ainda é</p><p>material frio, em grandes (ou pequenas) reportagens que exigem tempo e</p><p>produção delicada. No dia a dia, nas entradas ao vivo, essas novas técnicas</p><p>ainda são bastante raras. Para ser mais claro: enquanto as empresas que</p><p>investem em tecnologia não cansam de pensar em avanços, o texto que</p><p>acompanha as reportagens de televisão segue sempre os mesmos padrões. E</p><p>esses avanços vão além da televisão, a ponto de Tom Rogers, diretor-</p><p>presidente da TiVo, pioneira dos DVRs (gravadores digitais de vídeo), dizer</p><p>que “a televisão �cou para trás”, se levarmos em conta os avanços de tablets e</p><p>smartphones.</p><p>O Digital News Report 2017, estudo realizado pelo Reuters Institute, em</p><p>parceria com a Universidade de Oxford, mostra que 70% dos brasileiros</p><p>usam dispositivos móveis para acompanhar notícias, sendo que 23% usam o</p><p>telefone celular para se manterem bem informados.</p><p>Assim, é preciso encontrar um caminho para juntar os avanços da</p><p>tecnologia com um texto compatível com essas inovações, com essa nova</p><p>postura dos consumidores. Um exemplo disso – que é apenas uma pequena</p><p>parte da questão – foi levantado pelo diretor da S2 Publicom, Rubens Meyer,</p><p>durante um workshop em São Paulo. Disse ele:</p><p>O Jornalismo on-line ainda não aprendeu uma coisa básica do vídeo, que é o</p><p>ritmo. Muita gente fala da duração, mas esquece que um vídeo tem que ter</p><p>emoção, ritmo e vários ingredientes que tornam esse produto um sucesso17.</p><p>Certamente essa observação pode ser estendida com tranquilidade às</p><p>matérias apresentadas pelos telejornais.</p><p>De qualquer forma, atualmente se exige mais do repórter, que ele tenha</p><p>mais interação com o fato, o que já foi tentado várias vezes ao longo do</p><p>tempo. Como disse anteriormente, Armando Nogueira tentou até a</p><p>reportagem participativa, quando o repórter realmente se integrava ao clima</p><p>da matéria. Mas é preciso se libertar das amarras do conservadorismo e</p><p>partir para a ousadia da reportagem. No estúdio, �cariam os traquejados, os</p><p>pro�ssionais de maior credibilidade; na rua, o atrevimento da juventude; e</p><p>nas grandes reportagens, os experientes jornalistas.</p><p>Quando Boni diz que não imitamos os telejornais norte-americanos,</p><p>explica também que estes deram o primeiro desenho e nós evoluímos,</p><p>abrasileiramos. É o mesmo pensamento do jornalista Carlos Eduardo Lins</p><p>da Silva, que passou anos nos Estados Unidos, como estudante e</p><p>pro�ssional, que escreveu o livro O adiantado da hora, em que retrata a</p><p>in�uência dos norte-americanos sobre o Jornalismo brasileiro.</p><p>Diz ele:</p><p>O Jornalismo brasileiro é brasileiro, não no sentido xenófobo que os nacionalistas</p><p>pretendem, mas porque em nenhum outro lugar a síntese dos muitos fatores que</p><p>o compuseram se daria da maneira como se dá ali. O Jornalismo brasileiro não é</p><p>o americano no Brasil. É o brasileiro18.</p><p>O mesmo se pode dizer do Jornalismo praticado na televisão, que segue o</p><p>pensamento de Boni. É claro que, hoje, há gente que busca dar um novo ar,</p><p>uma nova graça, à fórmula das reportagens. E hoje, mais do que nunca, fazer</p><p>uma matéria signi�ca não estar sozinho, isolado: é um produto coletivo, no</p><p>qual entram – ou deveriam entrar – a pauta (que é quem produz), a direção</p><p>de arte, o chefe de reportagem, o repórter, o cinegra�sta, o editor de</p><p>imagem. Isso para as reportagens “frias”, não ao vivo, mais produzidas. O</p><p>ideal é que o processo se estenda para o “ao vivo”, mas o caminho ainda é</p><p>longo.</p><p>Na realidade, os repórteres mais elaborados, que conseguem desenvolver</p><p>uma linguagem diferente na produção gravada, viram repórteres comuns,</p><p>até mesmo banais, quando estão ao vivo. Aliás, quem faz ao vivo com</p><p>frequência, exatamente pela constância, pelo treinamento, é muito melhor</p><p>nas investidas. Este é quase um livre atirador – e só não é totalmente porque,</p><p>atrás dele, há uma in�ndável cadeia de pro�ssionais que comandam o</p><p>processo do switcher (a mesa operadora que coloca a imagem no ar): mas a</p><p>cara que está ali é a dele.</p><p>Esse “no ar”, ao vivo, é, ao �m e ao cabo, a forma mais clara da morte</p><p>do papel na informação. O repórter capta a informação apenas pelo ouvido,</p><p>ou grava, ou lança no tablet, e daí passa ao telespectador o que conseguiu</p><p>apurar ao vivo, pela TV, sem intermediação da caneta ou do bloco de notas.</p><p>Mas percebam aí que há um tempo entre receber e passar a informação: o</p><p>processo pela internet, pelas redes sociais, ainda é mais rápido, mas a</p><p>tendência é que esse tempo se reduza.</p><p>A timidez tem sido a marca dessas mudanças. Na maior empresa de</p><p>telecomunicações do país – bem como nas demais empresas – sempre houve</p><p>o cuidado de não chocar demais o telespectador com mudanças bruscas, que</p><p>impactassem. Quando isso foi praticado, a emissora se deu mal. Há alguns</p><p>anos, a Globo afastou seus repórteres mais experientes para dar lugar apenas</p><p>a novatos, a caras novas: a audiência do Jornal Nacional, por exemplo,</p><p>despencou, e os experientes voltaram. Quando se substitui um titular, o</p><p>cuidado deve ser grande.</p><p>A�nal, o que mudar?</p><p>Com tantas inovações tecnológicas, cabe a pergunta: o que deve mudar na</p><p>forma de se dar a notícia? As câmeras são mais modernas, digitais, os</p><p>equipamentos de edição são mais so�sticados, as possibilidades são in�nitas,</p><p>mas o tom do repórter é sempre o mesmo – e isso com respeito à forma. O</p><p>conteúdo – e os tempos pedem isso – deve ser mais profundo, mais</p><p>veri�cado. Assim, o que deve mudar é a maneira de apresentar as ideias,</p><p>mais de acordo com o que as tecnologias apresentam de mais novo.</p><p>Depois que saiu da Globo, em 1998, Boni passou a dar entrevistas com</p><p>mais frequência e, nelas, expôs tudo o que acredita ser a melhor cara da</p><p>televisão. Critica tudo, das novelas ao Jornalismo. Boni é o pai da forma, do</p><p>padrão da televisão brasileira. Por isso, ele vai mais longe quando se trata do</p><p>que acontece</p><p>na seara que foi sua durante décadas. Em entrevista a certa</p><p>revista de entretenimento e fofocas, Boni fez uma crítica ácida aos novos</p><p>modos de apresentação de telejornais – principalmente à nova postura do</p><p>Jornal Nacional, sua maior criação – sempre lembrando que a chamada das</p><p>reportagens é a introdução ao que se vai apresentar. Ele não gosta, por</p><p>exemplo, da informalidade que hoje toma conta da maior parte dos</p><p>telejornais, como o apresentador caminhar no cenário e conversar com o</p><p>repórter do outro lado da tela. Para ele, a credibilidade �ca comprometida –</p><p>os telejornais, principalmente o JN, são instituições.</p><p>Do mesmo modo funciona o diálogo pretensamente informal entre os</p><p>apresentadores, que �ngem conversar um com o outro, quando todos sabem</p><p>que eles estão presos ao teleprompter e a um texto que em geral não é deles e</p><p>que é posto ali para controlar o tempo do jornal e dar ritmo à apresentação.</p><p>Na verdade, isso é somente um detalhe, mas um detalhe que apenas</p><p>embasa a tese do arti�cialismo, ao usar a tecnologia para se produzir uma</p><p>perfumaria. A linguagem continua a ser a mesma. É o mesmo pecado das</p><p>novelas: falta um bom roteiro, já que, com relação ao conteúdo, estamos</p><p>conseguindo expor nossa crua realidade, nossos usos e costumes, com mais</p><p>profundidade, graças à democracia, à liberdade de expressão.</p><p>Algum idiota da objetividade vai se levantar e falar: o que vale é o que</p><p>podemos dizer, não a forma do material. Justo. Esse “o que podemos dizer”</p><p>vamos conseguindo aos poucos – e já andamos muito nessa estrada –,</p><p>depois de amplas batalhas contra a ditadura, contra a censura, contra as</p><p>decisões autoritárias. Somos mais livres e – ainda bem – também podemos</p><p>pensar na forma. E a maneira de transmitir a notícia faz parte dela, como</p><p>sintetizou McLuhan.</p><p>É preciso que a cara das matérias seja mais atual, mais de acordo com o</p><p>terceiro milênio, e não com textos que lembram o início do século XX. Ou</p><p>seja, é preciso editar melhor as matérias e as ideias, comprimir o espaço, dar</p><p>mais velocidade à notícia e selecionar aquilo que realmente interessa. Dar</p><p>cores diferentes ao material, sem deixar de transmitir o essencial, com uma</p><p>pitada de interpretação e de imaginação. O papel do produtor e do editor é,</p><p>assim, cada vez mais relevante.</p><p>Isso vale tanto para o Jornalismo impresso como para o que se desenvolve</p><p>na internet e na TV – aberta ou fechada. As grandes transformações, sem</p><p>dúvida, deveriam �car por conta dos jornais impressos, das revistas. São</p><p>mídias mais antigas e, por isso, a reciclagem é fundamental e necessária. Se</p><p>não, acontece o que vem acontecendo: a morte de grandes jornais e revistas</p><p>de lendas do nosso tempo. Ou você acompanha os tempos modernos ou</p><p>morre.</p><p>Quantos jornais e quantas revistas não �caram pelo caminho? Nos</p><p>Estados Unidos, de onde a imprensa brasileira tirou a base de sua inspiração,</p><p>eles vêm morrendo aos montes, em proporções amazônicas. E não são</p><p>jornais pequenos, de pouco fôlego. São grandes jornais, históricos,</p><p>tradicionais. É uma migração sufocante do escrito para o virtual e para a</p><p>televisão. Uma falta completa de renovação e, de certa forma, uma</p><p>arrogância de quem sempre se achou a “rainha das mídias”.</p><p>O curioso é que essa crise se instalou em países em que o sistema de</p><p>comunicação impressa é desenvolvido, moderno. Mas o fenômeno acontece</p><p>de maneira diferente, dependendo muito das culturas e das tradições. Nos</p><p>Estados Unidos, a crise é mais aguda. Mas na Europa ela também é grave. E,</p><p>tomadas as proporções, aqui na América Latina ela vem igualmente forte,</p><p>com nuances e características próprias.</p><p>Há uma corrida talvez até um pouco sem direção por parte dos</p><p>responsáveis pela administração dos principais jornais, que procuram um</p><p>público que não sabem bem onde está. Jornais como O Globo, Folha e Valor</p><p>Econômico apostam em versões digitais de seus impressos no afã de manter</p><p>seus assinantes. A Folha usa até mesmo o portal de internet UOL, do qual</p><p>participa, para facilitar suas adesões. O Estado de S. Paulo oferece</p><p>gratuitamente a seus assinantes a versão digital do impresso. Já se fala que a</p><p>revista Veja poderá ter o mesmo �m da Newsweek norte-americana, que</p><p>acabou se tornando apenas digital – e de lá para a morte. Mas a direção da</p><p>revista está atenta e já disponibiliza três modelos de assinatura: impressa,</p><p>digital ou as duas juntas. Faz tempo que o Jornal do Brasil é apenas digital,</p><p>mas já não é nem sombra do que foi – sem público, sem prestígio.</p><p>A vida em papel</p><p>Nos anos 1970, quando comecei a trabalhar na pro�ssão, o jornalista</p><p>ainda era um ser marginalizado, e suas armas de ataque – ou melhor, de</p><p>defesa – eram um bloco de papel (muitas vezes, folhas soltas ou laudas do</p><p>próprio jornal) e uma caneta esferográ�ca. Alguns, mais ousados, não</p><p>tinham nada: funcionavam apenas com a própria memória, nada anotavam</p><p>e fotografavam com seus cérebros privilegiados os fatos que mais tarde iriam</p><p>narrar.</p><p>Nas redações, as notícias chegavam por vários caminhos: telefone, telex,</p><p>pelas agências noticiosas internacionais, por press releases e, claro, pela</p><p>informação dos repórteres, espalhados pelas cidades, pelos estados, pelo</p><p>mundo, quando eram funcionários de jornais mais abastados. Eram rios de</p><p>informações, e todas eram lidas, avaliadas, separadas, e depois editadas e</p><p>publicadas. Mas tudo isso era muito pouco, se compararmos com o volume</p><p>espetacular e a velocidade alucinante com a qual a informação invade</p><p>atualmente as redações, por vários caminhos, mas basicamente pelos</p><p>computadores.</p><p>Hoje, confesso, não sei como conseguíamos fazer um jornal diário com</p><p>tanta falta de estrutura – se formos comparar com a enxurrada de</p><p>informação que temos nos dias atuais. Não tínhamos a concorrência feroz</p><p>da televisão, e muito menos a da internet. A velocidade da vida era outra,</p><p>embora o trabalho fosse tão intenso, ou mais, do que os dias de hoje. Do</p><p>conhecimento da pauta ia-se à luta, à cata de informações, que depois se</p><p>transformavam em laudas – ou �tas ou �lmes –, eram lidas e ditadas,</p><p>passavam por redatores, editores, iam para a o�cina (a quente, com as</p><p>linotipos pegando fogo) e, por �m, para as máquinas de impressão.</p><p>O processo atual é pouca coisa diferente, a não ser pelas novas</p><p>ferramentas e pelas informações já organizadas pelo repórter antes de sair</p><p>da redação. O volume de informação que se tem antes de fazer uma matéria</p><p>é muito maior, graças ao dilúvio que a internet proporciona e a uma rede</p><p>e�caz de comunicação que os jornais possuem. Existe o telefone celular,</p><p>cada vez mais so�sticado, e um aparelho chamado Nextel, em desuso. O</p><p>máximo de comunicação, quando saía com a pauta nas mãos, era um rádio</p><p>barulhento no carro de reportagem, pelo qual o chefe rastreava o repórter e</p><p>passava alguma instrução.</p><p>Hoje, o repórter só �ca desatualizado em seu trabalho se quiser. E o que se</p><p>tem? Fora o iPad (com touchscreen), que destronou o bloquinho e agora</p><p>manda notícias quentinhas direto para a redação, para o blog ou para a</p><p>edição digital do jornal, um mundo de gadgets municia o jornalista para seu</p><p>trabalho cotidiano. A parafernália não é pequena e é basicamente formada</p><p>de aplicativos da internet, para melhorar o desempenho do pro�ssional.</p><p>Os jornalistas mais novos tratam as novas tecnologias com intimidade.</p><p>Navegam fácil por todos os novos métodos de produção da notícia. Só que –</p><p>embora tenham belos instrumentos de auxílio – falta a eles a experiência</p><p>que os jornalistas mais velhos já adquiriram na interpretação das notícias. É,</p><p>de fato, um choque de gerações. Na verdade, é um cenário no qual se pode</p><p>vislumbrar uma transformação na maneira de se transmitir a notícia. Mas</p><p>também se nota o seguinte: atualmente, a informação é apresentada a seu</p><p>cliente preferencial, como acontecia há anos.</p><p>Esse é o “pulo do gato”. Diante de tantas mudanças e alternativas que</p><p>temos hoje, não sabemos como manejar a captação e a distribuição da</p><p>notícia de maneira também nova – digamos, até revolucionária. Talvez seja</p><p>esse, na</p><p>verdade, o grande desa�o do Jornalismo atual. Claro que existem</p><p>algumas tentativas no ar. Mas não passam de tentativas tímidas, frágeis e</p><p>medrosas.</p><p>A rapidez da tartaruga</p><p>Os telejornais da noite, por exemplo, são enormes paquidermes, que</p><p>seguem formas ultrapassadas, com textos antiquados e posturas do começo</p><p>da história da televisão. Não adianta mudar o cenário, com telões e</p><p>caminhadas – isso é um avanço, claro, mas para por aí. Há um temor</p><p>intrínseco ao risco, à ousadia, porque qualquer mudança poderia espantar o</p><p>público, o que signi�caria uma fuga do canal, do horário e, como</p><p>consequência, daria menos audiência, menos publicidade etc. Por isso,</p><p>vivemos correndo atrás do futuro, que segue desembestado à nossa frente –</p><p>quilômetros à frente. As novas tecnologias estão sendo mal utilizadas e estão</p><p>a anos-luz da maneira de apresentar uma notícia que elas captaram de forma</p><p>tão diferente.</p><p>Em seus livros, Boni admitiu que a forma de se fazer Jornalismo na</p><p>televisão nasceu nos Estados Unidos. Correto. Armando Nogueira, que,</p><p>junto com Boni e um grupo de aventureiros, implementou o Jornalismo na</p><p>TV Globo, tentou moldar essa forma aos padrões brasileiros. Depois,</p><p>Armando inventou que os repórteres teriam de se mexer, de andar, até de</p><p>participar da matéria, interagir com o assunto. E isso foi lá pelos anos 1980.</p><p>Hoje, as mudanças terão de vir por força do avanço da tecnologia. O que</p><p>se vê nas matérias comuns dos telejornais, em uma proporção que chega a</p><p>quase 100% de todas elas, é uma mesmice irritante. O roteiro das</p><p>reportagens de hoje parece muito semelhantes.</p><p>Explico. A construção das matérias de TV segue o mesmo padrão há</p><p>décadas, inclusive a entonação dos repórteres, com raras e honrosas</p><p>exceções. Hoje se busca que o repórter interaja mais com o fato, o que é um</p><p>avanço, mas o tom das matérias é o mesmo, soa como repetição cansativa e</p><p>como falta de imaginação. Uma cantilena monótona na qual é difícil decifrar</p><p>de quem é a voz, de tão igual que todas são. Alguns já tentam quebrar isso,</p><p>mas com timidez in�nita.</p><p>Uma nova linguagem também pode trazer o tempero fundamental para</p><p>um entendimento mais divertido, sem abandonar a �nalidade básica da</p><p>reportagem, que é levar a informação ao público, da melhor maneira</p><p>possível. Isto é, sem que se perca a realidade dos fatos, mas que essa</p><p>apresentação esteja de acordo com o veículo em que a notícia é transmitida.</p><p>Não é possível sustentar a forma como as notícias vêm sendo veiculadas,</p><p>ao mesmo tempo que vivemos em um mundo cada vez mais mergulhado</p><p>em tecnologias inovadoras, que tornam tudo mais rápido, que unem mais as</p><p>pessoas, que descobrem novos mundos, tudo de forma instantânea, limpa e</p><p>e�caz.</p><p>Falta o dedo da criatividade e de um passo mais largo para festejar o �m</p><p>do parêntese de Gutenberg, que acaba de se fechar.</p><p>12 Goldenberg, 2013, p. 48.</p><p>13 Idem.</p><p>14 Peucer, 2000.</p><p>15 Klatell, 2014, p. 14.</p><p>16 Oliveira Sobrinho, 2011, p. 239.</p><p>17 Martins, 2012.</p><p>18 Lins e Silva, 1990, p. 33.</p><p>B</p><p>6</p><p>O Bom Dia Brasil</p><p>. . .</p><p>oni relata no primeiro de seus livros, o esclarecedor O livro do Boni,</p><p>como foi o complicado nascimento do Jornal Nacional. Esse tem</p><p>história! (Aliás, me deu muito orgulho a dedicatória que Boni me</p><p>presenteou em seu livro, no dia do lançamento: “Ao amigo Carlos Monforte,</p><p>inspirador do Jornalismo de qualidade, do qual sou fã de carteirinha, e espero</p><p>ainda estarmos juntos para enfrentar os desa�os do futuro e verdadeiro</p><p>Jornalismo”.)</p><p>O nascimento do Bom Dia Brasil foi menos dramático que o do JN, mas</p><p>não menos emocionante. Foi fundamental para a minha vida, um divisor de</p><p>águas. E um exemplo marcante da passagem das eras – para mim e para os</p><p>telejornais matutinos. Primeiro, porque eu estava trabalhando em São Paulo,</p><p>instalado, levando minha vida com minha mulher, Maria Ignez – também</p><p>jornalista –, e meus �lhos Flávia e Sérgio, ainda pequenos. Mudou tudo. Tive</p><p>de sair de São Paulo de mala e cuia, me transferir para Brasília, fazer um</p><p>cavalo de pau nos rumos da pro�ssão. Mas foi muito bom. (Armando</p><p>Nogueira, toda vez que me encontrava, sempre pedia desculpas por ter me</p><p>enviado para Brasília, porque, segundo ele, isso fez com que eu deixasse</p><p>escapar algumas oportunidades na emissora.)</p><p>A ideia de criar um Bom Dia Brasil, no �nal de 1982, início de 1983 –</p><p>inspirado certamente na experiência vitoriosa do Bom Dia São Paulo – foi</p><p>de Antonio Carlos Drummond, que, na época, era diretor de Jornalismo da</p><p>TV Globo, em Brasília. Toninho tinha um time de jornalistas do mais alto</p><p>gabarito, gente que há anos tinha política no sangue, experiente, alguns</p><p>brilhantes. Ele queria, na verdade, dar mais visibilidade a esses jornalistas,</p><p>colocar um deles no comando do novo programa, que teria o foco</p><p>basicamente na política nacional, no centro do poder. Também queria, claro,</p><p>aumentar seu cacife dentro da emissora.</p><p>E não eram poucos os candidatos ao posto de editor-chefe e apresentador:</p><p>Carlos Henrique Santos, que era o chefe de redação e tinha passado por</p><p>Veja, provavelmente o preferido de Toninho; Antônio Britto, que mais tarde</p><p>seria o porta-voz da agonia de Tancredo, depois deputado, ministro e</p><p>governador do Rio Grande do Sul; Álvaro Pereira, que almoçava e jantava</p><p>política; Ricardo Pereira, que foi correspondente em Londres, chefe do</p><p>escritório, diretor da Telemontecarlo na Itália, e dirigente da Globo Portugal;</p><p>Marilena Chiarelli, especialista em política externa; Fernando Guedes e</p><p>Wilson Ibiapina na retaguarda, entre tantos outros.</p><p>Mas o caminho que Toninho seguiu para convencer a direção da Globo</p><p>talvez não tenha sido o mais correto. Ele expôs sua ideia (que muitos dizem</p><p>ter sido, na verdade, de Antônio Britto) – criar um telejornal pela manhã,</p><p>aproveitando o momento de abertura política, com as primeiras eleições</p><p>diretas para governador – diretamente a Boni, que adorou e pediu que</p><p>Armando Nogueira, o diretor nacional de Jornalismo, ou seja, chefe de</p><p>Toninho, tomasse as providências e criasse o jornal. Armando não gostou da</p><p>quebra de hierarquia, mas foi cumprir as ordens de Boni.</p><p>No entanto, para surpresa de Toninho, seus planos não aconteceram do</p><p>modo planejado. O diretor de Jornalismo de Brasília havia acabado de</p><p>participar com seu elenco das eleições de 1982 (com o polêmico Show das</p><p>Eleições, que causou tremores nos puristas: “eleição é coisa séria, não um</p><p>show de televisão”, pensamento conservador que é uma bobagem completa),</p><p>que deram início prático à abertura política no país, com a eleição geral de</p><p>governadores e uma renovação monumental no Congresso. A partir daí, sua</p><p>ideia começou a tomar forma.</p><p>Armando tocou o projeto, a sugestão de Toninho, e foi buscar em São</p><p>Paulo um jornalista que tinha 13 anos de pro�ssão – a maior parte em</p><p>jornais impressos –, apenas quatro – intensos – anos de telejornalismo e</p><p>pouca experiência na área política, além de ser distante da equipe do próprio</p><p>Toninho. Ou seja, eu. Minha experiência de Brasília era praticamente zero, e</p><p>foi a partir dessa marca que tive que iniciar meu trabalho – um trabalho</p><p>muitíssimo delicado e sutil para não ser engolido pelas cobras do Congresso,</p><p>procurar isenção e não errar nas avaliações.</p><p>Talvez a ideia de Armando ao sugerir meu nome tenha sido pelo fato de</p><p>eu ter comandado, como editor-chefe e apresentador, o Bom Dia São Paulo,</p><p>pai de todos os Bom-Dias, durante um ano e meio, e ter tido, junto com</p><p>Carlos Nascimento e Sérgio Chapelin, um desempenho razoável no tal Show</p><p>das Eleições, um programa de experiência inesquecível.</p><p>Não fui o primeiro apresentador do BDSP. Antes, estiveram na</p><p>apresentação vários jornalistas, como Celene Araújo, Sérgio Roberto, Dárcio</p><p>Arruda, Marcos Hummel e até mesmo, por alguns momentos, Marília</p><p>Gabriela. Mas eu fui o primeiro a ser editor-chefe e apresentador, obra de</p><p>Dante Matiussi e Luiz Fernando Mercadante, dois jornalistas que tiveram</p><p>um papel fundamental na consolidação do Jornalismo da TV Globo de São</p><p>Paulo. Foi deles a ideia de colocar o chefe do jornal</p><p>como apresentador,</p><p>então uma novidade na televisão brasileira. Por isso, muitos me consideram</p><p>o primeiro âncora do Jornalismo da TV brasileira. Esse fato jamais tinha</p><p>acontecido: anteriormente, o apresentador era apenas apresentador.</p><p>A mudança principal foi estética. Antes, o Bom Dia São Paulo fechava a</p><p>imagem praticamente em close no rosto dos apresentadores e fazia “pingue-</p><p>pongue” com eles: cada um lia uma notícia e chamava as matérias. Com o</p><p>novo Bom Dia, abriu-se o cenário: a bancada �cou maior e havia</p><p>apresentadores que mostravam as mãos, com tarefas bem divididas – eu</p><p>fazia a abertura, as entrevistas de estúdio e as passagens de bloco, e abria os</p><p>blocos do jornal. Dácio Arruda lia as notícias. O fundamental é que eu tinha</p><p>um editor-executivo da mais alta qualidade: o saudoso Ricardo Carvalho,</p><p>que chegou a che�ar o Globo Repórter; depois, ele se tornou documentarista</p><p>e biógrafo de d. Paulo Evaristo Arns e do maestro João Carlos Martins, além</p><p>de ter começado a escrever a biogra�a do jurista José Carlos Dias.</p><p>Os frutos do Bom Dia São Paulo</p><p>O certo é que o BDSP me proporcionou experiências incríveis, primeiro</p><p>por ter me obrigado a mudar meu fuso horário – acordar sistematicamente</p><p>às 4 da manhã e mergulhar no estresse diário não é fácil, e essa prática eu</p><p>levaria por mais 12 anos, com o Bom Dia Brasil; depois, por ter me</p><p>proporcionado a responsabilidade de comandar um telejornal completo –</p><p>com uma pequena, mas bela e vigorosa equipe. Em televisão, ninguém faz</p><p>nada sozinho.</p><p>E mais: por ter me concedido a chance de conviver por alguns momentos</p><p>com jornalistas que eram meus ídolos desde sempre, como Paulo Patarra,</p><p>Narciso Kalili, Mylton Severiano da Silva e Woile Guimarães. Pro�ssionais</p><p>que tinham sido a minha fonte inspiradora no começo da pro�ssão e que</p><p>trouxeram à luz a melhor revista de reportagem que o Brasil já produziu</p><p>(Realidade) e que, agora, estavam sob minha direção. Era inacreditável.</p><p>(Mercadante traria para a emissora mais gente da extinta Realidade, como</p><p>José Hamilton Ribeiro, uma lenda.)</p><p>Esse grupo de jornalistas, que podemos considerar um dos mais</p><p>talentosos que passou pelo Jornalismo brasileiro, era também composto por</p><p>Humberto Pereira, Granville Ponce e Eurico Andrade, todos eles com</p><p>carreiras fascinantes e que marcaram a história do Jornalismo nacional.</p><p>Realmente, foi um privilégio poder conviver, ou pelo menos ter contato com</p><p>esses pro�ssionais, embora por pouco tempo. Certamente eu aprenderia</p><p>muito mais.</p><p>Cheguei a dizer a Dante Matiussi, chefe de redação, que eu me sentia</p><p>constrangido de pedir qualquer coisa para Patarra ou Narciso – que, depois,</p><p>virou chefe de reportagem da Globo-SP –, porque nunca me senti à altura</p><p>daquele pessoal, que tinha sido do núcleo da revista que me inspirou a</p><p>tomar os rumos da pro�ssão. Eles estavam ali por iniciativa de Mercadante,</p><p>que havia sido companheiro deles na grande revista da Editora Abril e via</p><p>nessa indicação uma oportunidade de aprimorar o telejornalismo, bem</p><p>como dar a ele a qualidade de que tanto precisava. O objetivo era importar</p><p>para a TV a qualidade da revista.</p><p>Mas logo saí do BDSP e voltei para a reportagem. Em seguida, vieram as</p><p>eleições de 1982 e fui designado a apresentar parte do programa dedicado às</p><p>eleições, com Nascimento e Chapelin, como disse. Também foi um</p><p>momento inspirador e rico, quando tomei contato com os políticos que</p><p>marcariam aquele início de retomada da democracia no país, além de</p><p>assistir à delicadeza e à responsabilidade de montar um programa sobre</p><p>política em um regime com ainda pouca liberdade, e que quebraria alguns</p><p>tabus.</p><p>Um desses tabus foi o questionamento, ao vivo, da suposta interferência</p><p>da TV Globo, por meio da empresa Proconsult, no incipiente sistema</p><p>informatizado de apuração de votos para governador do Rio de Janeiro.</p><p>Leonel Brizola, candidato (vencedor) a governador do Rio, e Armando</p><p>Nogueira discutiram no ar, ao vivo. O episódio foi estressante e sensacional,</p><p>rendeu matérias e debates durante meses, assim como gerou livros a</p><p>respeito.</p><p>Por toda essa experiência adquirida ao longo de alguns anos, Armando</p><p>provavelmente considerou que eu seria o nome ideal para inaugurar o Bom</p><p>Dia Brasil, em Brasília, contrariando os planos de Toninho Drummond. Não</p><p>foi fácil. Primeiro, porque fui lançado em um terreno hostil, dentro de uma</p><p>equipe muito tarimbada, que estava mais do que pronta para fazer o que eu</p><p>iria executar. Mas, nesse quesito, não houve problemas porque, embora</p><p>frustrados, os jornalistas com quem me deparei eram – e são – pro�ssionais</p><p>íntegros e competentes, e logo viram que eu não tinha nada a ver com</p><p>aquela situação constrangedora. (Aliás, eu realmente de nada sabia.)</p><p>O que havia, no fundo, era uma disputa entre Armando e Toninho. Tanto</p><p>que um dos recados que Alice-Maria – a então diretora-executiva de</p><p>Jornalismo – me deu, antes que eu chegasse a Brasília, foi: sobre o jornal, fale</p><p>diretamente com Afrânio Nabuco, o diretor regional da emissora; essa foi</p><p>uma indicação clara para eu nada tratar a respeito do Bom Dia com Toninho</p><p>Drummond, o dono da ideia. A chamada “saia justa”, que eu só perceberia</p><p>tempos depois.</p><p>Afraninho Nabuco, grande e gentil pessoa, descendente de famílias</p><p>importantes da República e do Império, e �gura de proa da sociedade</p><p>carioca, era o principal homem da TV Globo para as relações com o poder.</p><p>Tinha a con�ança de toda a família Marinho e era quem colocava em prática</p><p>o que a direção da emissora – leia-se Roberto Marinho – desejava. Ele fez</p><p>uma amizade profunda com Ulysses Guimarães e atuava fortemente para</p><p>aliviar o mau humor que os políticos tinham – sempre tiveram – com a TV</p><p>Globo.</p><p>Na verdade, minha preocupação não eram as disputas de poder dentro da</p><p>emissora – aliás, eu não tinha a menor ideia de que elas existiam. Minha</p><p>atenção estava toda voltada para a criação e a montagem do jornal – porque</p><p>iríamos partir do zero – e em colocá-lo no ar, sem a infraestrutura</p><p>adequada. E mais: com a ideia central de “custo zero” no projeto, o que é</p><p>impossível. A decisão de se criar o jornal surgiu no dia 18 de dezembro de</p><p>1982 (logo depois do Show das Eleições); no dia 3 de janeiro de 1983, ele</p><p>entrava no ar.</p><p>Segundo problema: Brasília não era uma estação de ponta da Globo –</p><p>tinha di�culdade inclusive de entrar ao vivo, mesmo no estúdio, por sua</p><p>de�ciência técnica. Naquele tempo, em Brasília, as condições eram</p><p>precárias, como quase tudo no telejornalismo da emissora. Exemplo: em</p><p>meados de 1982, quando em São Paulo eu dividia a apresentação do Jornal</p><p>da Globo com Renato Machado, que �cava no Rio, Marilena Chiarelli fazia o</p><p>mesmo em Brasília. Muitas vezes ela não conseguia ir ao ar, mesmo do</p><p>estúdio, por problemas técnicos. Agora, iríamos pôr no ar, para todo o país,</p><p>um telejornal ao vivo, às 7 da manhã.</p><p>Foram duas semanas de sufoco: Ricardo Carvalho, aquele que por quase</p><p>dois anos havia feito o Bom Dia São Paulo comigo, mais Ingo Ostrovski, que</p><p>anos depois chegou a ser diretor de Conteúdo da Conversa com Bial, e</p><p>Letícia Muhana, que depois tornou-se diretora-geral do canal GNT.</p><p>Quebramos a cabeça para montar um espelho, o roteiro do programa, e</p><p>apresentar o trabalho a Alice-Maria, que veio do Rio só para colocar o</p><p>programa no ar. No �m, foi a própria Alice quem desenhou, com sua</p><p>experiência e competência, a primeira cara ao jornal, e que �cou assim</p><p>praticamente em seus 13 anos de vida em Brasília, antes de se transferir para</p><p>os estúdios do Rio.</p><p>O desenho era básico, o oposto da nossa proposta, que tinha sugestões</p><p>mais ousadas, com várias matérias. Não tínhamos pessoal nem</p><p>equipamentos para isso. O cenário foi montado na emissora, no Rio de</p><p>Janeiro, e trazido de caminhão para Brasília. O sinal do satélite que partia de</p><p>Brasília era precário. Nossa equipe, apesar da promessa de receber ajuda de</p><p>todos, era formada por apenas cinco pessoas: o editor-chefe e apresentador,</p><p>três editores – um deles era o jornalista Ronaldo Duque, que depois montou</p><p>uma produtora e realizou</p><p>seu sonho de se tornar diretor de cinema – e um</p><p>produtor. Havia também um rádio-escuta, função que durou apenas alguns</p><p>meses.</p><p>O BDB inicial, com meia hora de duração, tinha quatro blocos: no</p><p>primeiro, as notícias da noite anterior, as capas de jornais e a previsão</p><p>meteorológica; no segundo, uma entrevista de estúdio sobre o assunto do</p><p>momento no Congresso – de preferência o que ainda seria notícia; no</p><p>terceiro, o “café da manhã” – um VT gravado às 5 e meia, na casa de um</p><p>entrevistado, ou em um hotel; e, no quarto, outra entrevista no estúdio. Ou</p><p>seja, tudo muito econômico, quase o tal custo zero. A ousadia era colocar</p><p>isso no ar logo pela manhã, em um horário inexplorado.</p><p>Os temas eram basicamente política e economia, tudo o que de melhor –</p><p>ou de mais inusitado – o Congresso estava discutindo ou viria a discutir.</p><p>Armando Nogueira queria que o jornal fosse a segunda tribuna do</p><p>Congresso, uma vez que vivíamos o começo da abertura política, ainda sob</p><p>as asas tenebrosas da ditadura militar. Mas eu confesso que, diante de tanta</p><p>precariedade, até hoje não sei como conseguíamos pôr um programa de</p><p>informação no ar, em uma época pré-internet, pré-computador, e, na sede</p><p>de Brasília, com uma insu�ciência técnica absoluta. O jornalista rádio-</p><p>escuta foi contratado para levantar informações básicas. Além disso,</p><p>aproveitávamos muitas informações do último telejornal diário da emissora,</p><p>o Jornal da Globo.</p><p>Portanto, os primeiros dias foram difíceis, mas grati�cantes. Não havia o</p><p>hábito do horário, nem do público, nem dos que trabalhavam na emissora.</p><p>Não tínhamos uma equipe de reportagem própria, e o nosso pequeno staff</p><p>era realmente pequeno. Estávamos em 1983 e não havia nada que lembrasse</p><p>a parafernália técnica que existe hoje, muito menos smartphones, laptops,</p><p>telas de LED enormes para mostrar o tempo etc. Além disso, o próprio</p><p>cenário minimalista dava uma pista da época: no centro da mesa de</p><p>entrevistas havia um enorme telefone vermelho, �xo, analógico – que, aliás,</p><p>eu cheguei a usar diversas vezes para entrevistar autoridades em várias</p><p>partes do país.</p><p>Tudo era precário, do teleprompter ao homem do tempo. O TP era</p><p>manual, rodado por um assistente, mas o princípio era o mesmo usado nos</p><p>Estados Unidos, com um jogo de espelhos em frente à lente da câmera. A</p><p>previsão meteorológica era apresentada ao vivo, do próprio estúdio, com um</p><p>mapa de madeira preso à parede, inventado pelo pessoal da criação, com a</p><p>presença do diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).</p><p>As câmeras eram antigas e pesadas, tanto que, em pouco tempo, depois</p><p>que deixei o programa, resolveram fazer uma reforma no estúdio e reforçar</p><p>o piso, para que suportasse tanto peso. Contudo, logo chegaram câmeras</p><p>mais modernas, embora o TP eletrônico tenha chegado muito tempo depois.</p><p>Apesar de tudo isso, o Bom Dia Brasil começou a fazer sucesso. Tornei-me</p><p>o ponto de atração dos políticos assim que eu colocava os pés no Congresso</p><p>– eles faziam �la para dar entrevista, mesmo em um horário pouco normal.</p><p>Mas lá estava ele, o político, em cadeia nacional, falando para seu público,</p><p>em todo o território brasileiro. E não havia um dia sequer em que,</p><p>terminado o programa, não houvesse uma legião de repórteres ansiosos para</p><p>conversar com os entrevistados do dia, muitos deles de difícil acesso. Para</p><p>ser verdadeiro, era o “Jornalismo sem papel” andando na frente do</p><p>Jornalismo impresso. E o segredo não era apenas tratar do que havia</p><p>acontecido no dia anterior – estampado na capa dos jornalões –, mas</p><p>projetar o dia que estava nascendo, o que seria assunto político no país.</p><p>O mais dramático, no entanto, era o isolamento quase completo que eu</p><p>sentia quanto à direção da Globo. A cada mês, eu procurava ir ao Rio de</p><p>Janeiro, sede da emissora, buscar elementos ou uma palavra que me</p><p>acalmasse com relação às melhores condições para o programa, trocar</p><p>ideias, buscar novos caminhos... Mas parecia que tudo deveria continuar</p><p>como estava: um jornal de entrevistas, de estúdio, entregue àquelas</p><p>condições mínimas e básicas para ir ao ar. Eu sabia que não fazia parte do</p><p>grupo estrelado de apresentadores e, como eu, o Bom Dia era um marginal,</p><p>um patinho feio dentro da emissora. Nem ao menos consegui a colocação de</p><p>um relógio na tela, na hora do programa, o que hoje chega a ser corriqueiro</p><p>nos telejornais. A má vontade era imensa.</p><p>Com tudo isso, a tensão era tanta, pela responsabilidade de um jornal</p><p>diário, com estrutura precária e pouca disposição para mudanças, que tive</p><p>um episódio de estresse pouco depois de o programa completar oito anos.</p><p>Não consegui ir ao ar, não conseguia falar, travado por uma taquicardia</p><p>gigantesca. Como já narrei anteriormente, uma repórter que apresentava o</p><p>jornal comigo – naquele dia, Claudia Miani –, tomou meu lugar. E eu fui</p><p>direto para o pronto-socorro.</p><p>Acredito que tive, naquele momento – e constato isso agora, depois que se</p><p>passaram tantos anos –, a tal síndrome de Burnout, que é o ponto máximo do</p><p>estresse pro�ssional. Os sintomas são fadiga, cansaço constante, dor</p><p>muscular e de cabeça, irritabilidade, alterações de humor e de memória,</p><p>di�culdade de concentração, depressão. Casos mais graves podem levar ao</p><p>consumo de drogas e álcool, e até ao suicídio. Foi provavelmente a mesma</p><p>síndrome que afetou, não faz muito tempo, a jornalista Izabella Camargo,</p><p>que fazia a previsão do tempo nos telejornais da madrugada na TV Globo.</p><p>Quando o Bom Dia Brasil completou nove anos, pedi para sair. Fui ser</p><p>diretor de Comunicação na CNI. Voltei para a emissora dois anos depois,</p><p>como repórter. Em 1996, o Bom Dia foi para o Rio – sob o comando de</p><p>Renato Machado, que algumas vezes me havia substituído nas férias, quando</p><p>eu che�ava o jornal – e eu voltei a apresentá-lo de Brasília, junto com</p><p>Renato, do Rio, e Chico Pinheiro, de São Paulo.</p><p>A invasão da madrugada</p><p>O Bom Dia foi uma boa ideia, como eu disse, inspirada no programa que</p><p>já existia há anos em São Paulo, o Bom Dia São Paulo – este, é claro, como o</p><p>próprio nome indica, foi motivado pelo norte-americano Good Morning</p><p>America, mas sem o grande aparato que existia por lá –, que muitas vezes</p><p>serviu de experimento para algumas novidades, como a transmissão ao vivo</p><p>das ruas, com uma unidade móvel mostrando o trânsito da cidade; nesse</p><p>trabalho, o jornalista Carlos Nascimento foi um mestre. Também no Bom</p><p>Dia São Paulo foi usado o conceito de editor-chefe e apresentador na pessoa</p><p>de um único jornalista – e eu servi de cobaia. Deu certo, tanto que aplicaram</p><p>a mesma noção no Bom Dia Brasil. (Em 2022, no fechamento deste livro, a</p><p>Globo tem apenas dois apresentadores que também che�am seus jornais:</p><p>William Bonner, no Jornal Nacional, e Roberto Kovalick, no Hora Um.)</p><p>É curioso acompanhar a evolução do Bom Dia São Paulo, que tinha</p><p>apresentação fechada nos locutores e aos poucos se abriu, ampliando a</p><p>forma de se mostrar. Passaram por lá nomes importantes do Jornalismo</p><p>brasileiro, como Ruy Barbosa, Rodolpho Gamberini, Juarez Soares e Fausto</p><p>Silva, mas foi com a mudança de endereço da emissora que o Bom Dia se</p><p>soltou e carregou toda a tecnologia de que dispõe na capital paulista. Na</p><p>verdade, o crescimento do telejornal correu em paralelo com o</p><p>aparecimento das novas tecnologias.</p><p>Mas é evidente que, mesmo que os telejornais locais tenham mais</p><p>“liberdade” para usar essas tecnologias, são as emissoras fechadas, como a</p><p>GloboNews, que mais abusam delas. Por isso trazem as informações mais</p><p>quentes, mais imediatas, para seu público. Ou seja, quem está ligado nas</p><p>TVs por assinatura �ca informado mais depressa, sem necessidades</p><p>estéticas, que são a alma das plataformas mais recentes, �lhas da internet.</p><p>Ou seja, até mesmo as TVs por assinatura estão perdendo terreno para a</p><p>colossal invasão dos smartphones e tablets, que têm no sangue o DNA da</p><p>instantaneidade. Para o bem ou para o mal.</p><p>O telejornal matutino, transmitido de Brasília para todo o país, foi um</p><p>desbravador do horário, como já havia sido o Bom Dia São Paulo</p><p>– hoje em</p><p>dia, o maior Ibope das manhãs da TV Globo, sempre comandado por</p><p>jornalistas de primeira. E logo de cara, em 1983, o BDB foi um sucesso,</p><p>mesmo que muitos temessem por seu redundante fracasso. Além disso,</p><p>revelou jornalistas importantes, como Ana Paula Padrão, que virou</p><p>celebridade; Fábio Pannunzio, até pouco tempo antes repórter e</p><p>apresentador da TV Bandeirantes; Marcelo Netto, que depois chegou a ser</p><p>diretor regional de Jornalismo da emissora; Mirian Dutra, Fernando Luz,</p><p>Cecília Maia e vários jornalistas que tiveram no Bom Dia o ponto inicial de</p><p>suas carreiras.</p><p>Todos os políticos queriam participar do programa. Nos nove anos em</p><p>que comandei direto o Bom Dia – e mais três como apresentador</p><p>coadjuvante –, realizamos mais de 6 mil entrevistas. Depois, quando passou</p><p>a ser ancorado do Rio – um erro de estratégia da direção de Brasília, que</p><p>deveria ter brigado para segurar o jornal na capital do país –, a cara do Bom</p><p>Dia mudou. As entrevistas de estúdio foram abolidas ou escassearam, sumiu</p><p>o café da manhã gravado, mas em compensação o telejornal ganhou mais</p><p>músculos, mais gente, mais tecnologia, mais equipes. Virou outro jornal,</p><p>quase uma revista. Mas, hoje, é um produto como outro qualquer.</p><p>Por que eu digo que o jornal deveria ter �cado em Brasília? Porque daria à</p><p>emissora da capital um papel de cabeça de rede nacional, um jornal com</p><p>transmissão direta do centro do poder, além de criar um núcleo maior de</p><p>pro�ssionais, ter mais equipamentos e um crescimento mais rápido da área</p><p>de design grá�co, que sempre foi precária em Brasília. Além, claro, de mais</p><p>verba, um problema eterno.</p><p>Mais uma vez, porém, contou a decisão política e o jornal foi transferido.</p><p>Na longa conversa que tive com Boni, ele fez uma autocrítica e confessou</p><p>que, a certa altura, a direção do Jornalismo se arrependeu de ter criado o</p><p>programa:</p><p>“Quando �zemos o Bom Dia Brasil, achamos que estávamos longe da</p><p>cúpula da empresa e que não haveria esse tipo de pressão e, se houvesse,</p><p>haveria como contorná-la, na medida em que você teria um programa</p><p>bastante aberto e que não haveria um controle absoluto sobre isso. Mas</p><p>chegamos, a certa altura, a nos arrepender de ter criado o programa, quando</p><p>sentimos, por causa da repercussão, que havia pedidos para que determinadas</p><p>pessoas pudessem dar seu recado no programa, que havia interesse da empresa</p><p>que outras não aparecessem. Não contávamos com isso. Foi uma surpresa. Foi</p><p>um pecado que o programa cometeu por ter feito sucesso”19.</p><p>O fato é que o programa ganhou o horário e, por esses motivos políticos –</p><p>muitas vezes, tive de atender a pedidos do Rio para entrevistar determinado</p><p>deputado ou senador, porque havia interesse – foi embora para o Rio de</p><p>Janeiro. Lá ganhou corpo, dinheiro, um belo cenário, uma boa produção,</p><p>mais pro�ssionais e se tornou mais informal do que já era, quando tratava</p><p>apenas de temas mais pesados, apesar de serem de interesse nacional. Mas a</p><p>atitude precursora entrou para a história da televisão brasileira, e eu me</p><p>orgulho de ter participado dessa empreitada jornalística, e de até hoje ser</p><p>reconhecido como pro�ssional sério e isento.</p><p>O que nem Toninho, nem Boni, nem Armando foram capazes de prever é</p><p>que, apesar de ter ido ao ar da maneira como foi, produto de uma boa ideia,</p><p>mas mal engendrada, é que do Bom Dia Brasil iriam germinar frutos tão</p><p>saborosos. E o fato de o jornal ter conquistado para sempre um horário</p><p>rejeitado na televisão brasileira. Tanto que, hoje, o Jornalismo da TV Globo</p><p>– e de outras emissoras – começa o dia em horários jamais pensados: o</p><p>primeiro telejornal da manhã tem início às 4 da madrugada.</p><p>A história no dia a dia</p><p>O Bom Dia Brasil viveu momentos importantes da história do país. No</p><p>tempo em que o jornal era feito com base em entrevistas, passaram pelos</p><p>estúdios da TV Globo em Brasília as principais �guras da política e da</p><p>economia do país naquele momento. Personagens que �zeram parte da</p><p>guinada sensacional que o Brasil deu, depois da ditadura. Entrevistei Ulysses</p><p>Guimarães, Tancredo Neves, Teotônio Vilela, Brizola, Lula, Collor, José</p><p>Sarney – inclusive como presidente, ao vivo do Palácio da Alvorada –,</p><p>Fernando Henrique, Paulo Maluf, Franco Montoro, Pedro Malan, Maílson</p><p>da Nóbrega, Mário Covas, Aureliano Chaves, Dílson Funaro, Del�m Netto, e</p><p>uma in�nidade de políticos, economistas e celebridades que faziam as</p><p>manchetes dos jornais, em momentos importantes da história do país.</p><p>De quebra, o Bom Dia Brasil – e tenho a impressão de que nem se pensava</p><p>nisso – pôs em prática para valer na televisão nacional outra invenção norte-</p><p>americana, o anchorman, ou âncora. Como diz o nome, o âncora é o que</p><p>serve de apoio ao noticiário, chama as praças, as reportagens, faz</p><p>comentários, entrevistas, comanda o jornal e é também seu editor-chefe.</p><p>Boris Casoy, logo em seguida, aplicou o mesmo esquema no SBT. Aliás,</p><p>pouco antes de Boris, eu havia sido convidado pelos jornalistas Luiz</p><p>Fernando Emediato e Marcos Wilson para ser o apresentador do Jornal do</p><p>SBT, mas não quis sair naquele momento da TV Globo. Boris brilhou, criou</p><p>um personagem e fez história.</p><p>O jornal também desempenhou um papel interessante no movimento das</p><p>Diretas Já, em 1984. Cobrimos o movimento da melhor maneira possível,</p><p>dentro das condições que tínhamos. Eram entrevistas pontuais e imagens</p><p>quentes, assim que a Globo passou a cobrir os comícios com intensidade.</p><p>Em determinado momento, Ulysses Guimarães, por exemplo, viajou a noite</p><p>toda de Belém para Brasília e, às 7 da manhã, estava lá, ao meu lado,</p><p>contando como tinham sido as manifestações pró-Diretas no Pará.</p><p>O momento mais crítico aconteceu na véspera, no dia e no dia posterior à</p><p>votação da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que poderia ter</p><p>levado, já em 1984, o país a ter eleições diretas em todos os níveis. O</p><p>presidente João Figueiredo decretou as chamadas “medidas de emergência”,</p><p>que vigorariam por 60 dias e abrangiam o Distrito Federal e municípios</p><p>próximos à capital.</p><p>O que eram essas medidas? Compunham um conjunto de normas que</p><p>determinavam que o Exército assumiria o controle da segurança pública</p><p>durante o período de votação da Dante de Oliveira pelo Congresso, com</p><p>vigilância em todas as vias de acesso a Brasília, e proibia as manifestações de</p><p>rua. E aí entravam os meios de comunicação: as rádios e emissoras de TV</p><p>�cavam impedidas de transmitir ao vivo as sessões de votação da emenda</p><p>das Diretas.</p><p>Ficou decidido que o Bom Dia, nos dias de votação, teria de sair de</p><p>Brasília para ir ao ar. Fretamos dois aviões pequenos – um, com a equipe de</p><p>produção e edição; outro, com os entrevistados (os deputados Fernando</p><p>Lyra, líder do PMDB, e Moreira Franco, líder do PDS) – e fomos para os</p><p>estúdios da TV Globo em Belo Horizonte, de onde �zemos o programa de</p><p>improviso, uma vez que a Globo de BH – como todas as outras que</p><p>integravam o sistema Globo, fora a RBS – não tinha nenhuma estrutura</p><p>naquele momento.</p><p>Os dois outros programas tiveram transmissão de São Paulo, que já tinha</p><p>a estrutura do Bom Dia São Paulo e era uma praça mais habituada com o</p><p>horário. Ou seja, não deixamos de ir ao ar em nenhum momento e levamos</p><p>as informações que consideramos essenciais aos telespectadores. Demos,</p><p>inclusive, o resultado da votação – a derrota das Diretas – logo nas primeiras</p><p>horas da manhã. Não havia ainda internet nem, claro, redes sociais.</p><p>Cumprimos nossa missão, apesar de todos os obstáculos que encontramos –</p><p>a equipe pequena, a censura, as condições precárias. Hoje, com todos os</p><p>horários explorados, com os hábitos modi�cados e com tecnologias de</p><p>ponta, o panorama é outro.</p><p>E que panorama é esse? A fórmula do Bom Dia Brasil está desgastada –</p><p>não pela fórmula em si, mas pelo momento tecnológico em que vivem o</p><p>Brasil e o mundo, pelos hábitos de um novo público. Devido às novas</p><p>tecnologias e à nova maneira de se atualizar, o público tem optado por</p><p>instrumentos de informação mais ágeis. Daí, a queda vertiginosa da</p><p>circulação dos jornais impressos</p><p>e da audiência dos telejornais formais, com</p><p>hora marcada. O público quer a notícia agora, ao vivo, e de preferência sobre</p><p>assuntos que lhe digam respeito o mais perto possível.</p><p>Na verdade, não tem cabimento tratar em um jornal da manhã de</p><p>assuntos que já foram revirados e comentados nos telejornais da noite, nos</p><p>jornais digitais, nos sites de notícias e nos telejornais da TV a cabo. Cheira a</p><p>mofo. No Bom Dia Brasil dos anos 1980, nós procurávamos pelo menos</p><p>noticiar o que seria notícia no dia. Saíamos antes, não a reboque. Éramos</p><p>pauta e informação. Era Jornalismo na veia, ao vivo, sem papel, mas com</p><p>papel relevante na informação.</p><p>19 Trechos de uma longa conversa (gravada) que tive com Boni, em 2001.</p><p>D</p><p>7</p><p>Os perigos da TV</p><p>. . .</p><p>esde que foi criada, a televisão tem feito a festa dos estudiosos,</p><p>principalmente de psicólogos e de gente que acredita que entende</p><p>de TV. Esses pro�ssionais desenvolveram várias teses a respeito da</p><p>in�uência da televisão na vida de adultos e crianças, desde a chance de</p><p>�carem obesas até aumentarem seu índice de agressividade. Mas, é claro,</p><p>muitos acreditam que assistir televisão pode ser uma atividade bené�ca.</p><p>Os pesquisadores do Instituto de Medicina da Academia Nacional de</p><p>Ciências dos Estados Unidos, por exemplo, divulgaram, no �m de 2005, um</p><p>relatório recomendando que as autoridades iniciem campanhas de</p><p>orientação sobre alimentação saudável. No estudo, o Instituto a�rma, de</p><p>forma enfática, que os programas infantis de TV e seus personagens estão</p><p>contribuindo para uma epidemia de obesidade sem precedentes entre as</p><p>crianças norte-americanas. Os estudiosos pedem que se acabe com o</p><p>anúncio de produtos, como cereais açucarados, que mostram embalagens</p><p>com o Shrek e outros personagens infantis. Eles acham que os personagens</p><p>devem incentivar o consumo de alimentos saudáveis. Uma das</p><p>pesquisadoras disse ao New York Times que não há como negar a</p><p>responsabilidade da mídia, principalmente a TV, sobre as preferências</p><p>alimentares das crianças de até 12 anos.</p><p>Ainda nos Estados Unidos, pesquisadores da Universidade Columbia, em</p><p>Nova York, fazem um apelo: é preciso reduzir em uma hora diária o tempo</p><p>que os adolescentes passam diante da TV. Eles chegaram à conclusão de que,</p><p>enquanto 5,7% dos adolescentes que viam até uma hora de TV por dia, aos</p><p>14 anos, cometiam atos de violência, a proporção subia para 18,4% com</p><p>audiência de até três horas, e chegava a 25,3%, com três horas ou mais em</p><p>frente à televisão20.</p><p>Outro estudo, da Universidade de Washington, publicado em meados de</p><p>2005 pelo jornal Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine, da</p><p>Associação Médica Norte-Americana, mostra que crianças com menos de 3</p><p>anos de idade que assistem à televisão podem desenvolver problemas de</p><p>aprendizado no seu desenvolvimento. Por outro lado, completa: a atividade</p><p>pode ser bené�ca entre os 3 e os 5 anos. Foram observadas 1.797 crianças.</p><p>Nas crianças entre 3 e 5 anos foi identi�cado um efeito positivo no teste de</p><p>leitura. As maiores, expostas à TV por cerca de duas horas, apresentaram</p><p>di�culdades para ler e aprender Matemática21.</p><p>Uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de</p><p>2002, chegou à conclusão de que 48,69% dos jovens têm a TV como uma</p><p>das principais opções de lazer, o que levou Paulo Henrique Bertolucci, chefe</p><p>do setor de neurologia do comportamento da Universidade Federal de São</p><p>Paulo, a concluir que “é possível falar em vício de televisão”22.</p><p>Já a psicanalista Ana Cristiana Olmos a�rma que não sataniza a TV. “Ela</p><p>pode ser maravilhosa e desempenhar funções importantes na educação</p><p>formal. Pode propor debates sobre questões sociais e políticas e agregar</p><p>valores. Mas tudo depende do uso que se faz dela”23.</p><p>Outros especialistas alegam que televisão em excesso pode prejudicar a</p><p>visão, se não for assistida de uma distância adequada; enfraquece os</p><p>músculos, já que prende o indivíduo por muito tempo na poltrona; e,</p><p>principalmente, embota o pensamento, uma vez que sua programação</p><p>não premia a inteligência. Convenhamos, há um tanto de exagero em tudo</p><p>isso.</p><p>Os estudiosos de marketing político, por outros motivos, fazem idêntico</p><p>alerta: cuidado com a televisão em excesso. Ela estimula a vaidade, dá uma</p><p>sensação ilusória de poder, abre a intimidade das pessoas e expõe suas</p><p>fraquezas. Também aí há certo exagero. A exposição na tela é necessária</p><p>para todo homem público. A TV nasceu para ser divertimento e, só depois,</p><p>tornou-se uma máquina de propaganda, de divulgação, de difusão de ideias.</p><p>Mas jamais deixou de ser entretenimento.</p><p>Do ponto de vista político, são diversas as vozes que se levantam contra o</p><p>suposto enorme poder da televisão. O �lósofo Karl Popper, em seu livro</p><p>Televisão: um perigo para a democracia, é taxativo:</p><p>Numa democracia não deveria existir nenhum poder político incontrolado. Ora,</p><p>a televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal; pode mesmo dizer-se que é</p><p>potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de</p><p>Deus. [...] Nenhuma democracia pode sobreviver se não se puser cobro a esta</p><p>omnipotência24.</p><p>O Jornalismo ocupa a tela</p><p>Os perigos da TV não estão presentes apenas de dentro para fora do</p><p>vídeo. As ameaças constantes que o veículo sempre experimentou partem,</p><p>com prioridade, de fora para dentro. Desde o Radio Act, de 1927, nos</p><p>Estados Unidos, que na verdade buscava a regularização técnica das</p><p>emissões – que tinham virado uma bagunça. Passando pelas censuras</p><p>moralistas ao cinema, até a censura às telenovelas pela ditadura brasileira e</p><p>as investidas governamentais com a Lei da Mordaça – já em governos</p><p>democráticos –, os meios de comunicação sempre viveram espremidos entre</p><p>o glamour do espetáculo e o temor dos governantes maliciosos. Tem sido</p><p>muito difícil para os dirigentes políticos segurar a sanha do autoritarismo,</p><p>mesmo em governos que se dizem populares, progressistas. O discurso da</p><p>transparência sucumbe diante da dita “irresponsabilidade da mídia e dos</p><p>promotores”.</p><p>O Jornalismo se apropriou da televisão, como temos visto em diferentes</p><p>momentos, em tempos de guerra ou nos dramáticos momentos em que</p><p>vivemos, no meio de uma pandemia. Foi durante a Guerra do Golfo que</p><p>pela primeira vez assistimos a uma batalha ao vivo. Muitos, porém, ainda</p><p>acreditam que o limite da TV é apenas a diversão. Talvez seja seu lado</p><p>risonho. Não há uma estatística séria a respeito, mas supõe-se que boa parte</p><p>dos brasileiros se alimenta de informação diária unicamente pela televisão.</p><p>As classes sociais menos favorecidas é que seriam mais atraídas por ela,</p><p>por ser a opção mais barata e um veículo que une o som e a imagem, o que</p><p>não é proporcionado pelo rádio. No cardápio de produtos oferecidos, além</p><p>de shows performáticos, programas de humor duvidoso, novelas</p><p>lacrimejantes e noticiários cada vez mais completos, estão também a</p><p>política, o debate eleitoral, as coisas que podem fazer o telespectador decidir</p><p>entre um e outro candidato, ou entre um e outro partido, em uma eleição.</p><p>Na verdade, as pessoas que ainda estão distantes de outros meios de</p><p>comunicação �cam sabendo, por meio da televisão, como as coisas</p><p>acontecem. O porquê é outro estágio da informação.</p><p>Os perigos da televisão, portanto, podem estar menos no seu destino �nal,</p><p>que é a casa do telespectador, do que no momento da emissão, no estúdio.</p><p>Seja na televisão aberta, a cabo, por micro-ondas, ou via satélite. Se um sinal</p><p>está aberto para difusão, ele pode ser captado por qualquer antena, se não</p><p>estiver protegido por alguma senha. É um sinal aberto no ar – e seja o que</p><p>Deus quiser. Nos intervalos, a TV �ca aparentemente fora do ar, mas o</p><p>satélite continua aberto, e as imagens e sons podem ser captados por quem</p><p>tiver uma antena parabólica.</p><p>Muitas histórias aconteceram justamente nos intervalos de programas, ou</p><p>pouco antes que fossem ao ar, causando embaraços e constrangimentos a</p><p>seus personagens – tanto ativos como passivos. Foi o caso do ex-presidente</p><p>norte-americano Ronald Regan,</p><p>prejudicam demais – a sociedade e, por extensão, a nós, jornalistas.</p><p>Como estampa um dos enunciados do documentário, citando o dramaturgo</p><p>grego Sófocles: “Nada grandioso entra na vida dos mortais sem uma</p><p>maldição”.</p><p>E completa com outra citação do professor de Estatística Edward Tue, da</p><p>Universidade de Yale: “Existem apenas duas indústrias que chamam seus</p><p>clientes de ‘usuários’: a de drogas e a de soware”. Conclusão: você é apenas</p><p>um produto, um instrumento dessa indústria.</p><p>O jornal sem papel – que já nem seria mais jornal –, assim, é a nova cara</p><p>do Jornalismo, que não muda seu caráter, mas sim seu modo de ser: é</p><p>instantâneo, tanto na ação quanto na reação, na interferência, na</p><p>participação do cliente. Marshall McLuhan deveria estar vivo para conhecer</p><p>a internet – talvez suas teorias tomassem outro rumo. Imaginaria o �m do</p><p>jornal impresso? Ele não morre. Nenhum meio de comunicação, salvo o</p><p>telégrafo, morreu um dia. Ele apenas muda, sofre uma mutação importante.</p><p>O telégrafo foi substituído pelo telefone, e este vem mudando com</p><p>frequência. Tudo em nome da velocidade e da facilidade na transmissão de</p><p>dados.</p><p>Atualmente, o telefone faz apenas parte do processo. Quem tem hoje um</p><p>telefone celular, tem muito mais do que um aparelho de comunicação: tem o</p><p>chamado smartphone, com jogos, arquivos, informação, o mundo nas mãos</p><p>– de música e �lmes aos sites de busca, à localização por satélite. Seria a</p><p>morte do jornal?</p><p>Há controvérsias. Dizem que acaba, sim. E os que dizem isso até</p><p>marcaram a data: 2040. É o caso de Francis Gurry, da Organização Mundial</p><p>da Propriedade Intelectual, que deu a data em uma entrevista ao jornal La</p><p>Tribune, de Genebra, em outubro de 2011. Mais ainda: ele disse que, nos</p><p>Estados Unidos, iria desaparecer mais cedo, em 2017. Houve aí uma clara</p><p>precipitação. Mas o fato é que todos eles vão migrar para o meio digital, ou</p><p>pelo menos funcionar em conjunto.</p><p>O jornalista Ethevaldo Siqueira, com quem trabalhei nos anos 1970, na</p><p>redação de O Estado – ele foi o criador e primeiro chefe da editoria de</p><p>“Ciência e tecnologia” do jornal –, e que se especializou em</p><p>telecomunicações, tem outra data. Para ele, 2030 é o limite. E conta em seu</p><p>blog sobre a visita a um grande jornal norte-americano:</p><p>Notou um grá�co imenso na parede da redação, mostrando a queda contínua da</p><p>circulação dos jornais no mundo, nos últimos 20 anos, com uma projeção da</p><p>curva descendente que chega a zero por volta de 2043. Ou seja, nessa data a</p><p>circulação dos jornais impressos chegará a zero. Sobre o grá�co, uma frase</p><p>declara de modo categórico: ‘O jornal está morrendo’. No rodapé do quadro, os</p><p>jornalistas escreveram: ‘Mas o Jornalismo, não’2.</p><p>Tenho dúvidas. Com o sinal verde dado pelo Supremo Tribunal Federal</p><p>brasileiro, praticamente liberando qualquer cidadão para exercer a pro�ssão,</p><p>e a difusão desmedida das notícias pelas redes sociais, sejam elas verdadeiras</p><p>ou não – os jornais tradicionais muitas vezes também cometem erros –, há</p><p>sem dúvida uma espada posta sobre a cabeça dos pro�ssionais.</p><p>Mas, confesso, é temeroso apostar nessa morte. Haverá sempre um</p><p>público para esse meio de comunicação. Ele terá, porém, de mudar. Ou seja,</p><p>por tudo que falamos anteriormente, a conclusão é de que o que mudará (o</p><p>modo de fazer) de fato será o Jornalismo. E para onde irá? Pelo que se vê, o</p><p>Jornalismo será mais amplo, sem dono, mais abrangente, mas tenho dúvida</p><p>de que será mais autêntico e verossímil.</p><p>Como acreditar nas notícias vindas de determinado site, se ele defende</p><p>algum tipo de tendência, de opinião? Pelo Jornalismo tradicional, notícia</p><p>que é notícia só é veiculada se tem a marca da abrangência, se ouve as</p><p>partes, se é, na medida do possível, imparcial e abundante nas informações</p><p>de todos os lados. Não que um site não tenha necessariamente de possuir</p><p>uma opinião. Deve tê-la, sim. Com isso, a leitura de um site seria apenas</p><p>parte da notícia. Para uma informação completa, é necessária a leitura de</p><p>mais dois ou três sites. Assim como é necessário ler mais de dois jornais, ter</p><p>à mão mais de duas opiniões. A di�culdade é saber se eles têm credibilidade</p><p>ou não. Toda a questão gira em torno desse ponto. O celebrado jornalista</p><p>espanhol Juan Luis Cebrián nos ensina que sem credibilidade e</p><p>independência é difícil termos um Jornalismo plausível.</p><p>Mas hoje, com os jornais tradicionais, a questão é idêntica. Aliás, desde os</p><p>tempos em que eu frequentava os bancos da faculdade, esse sempre foi um</p><p>problema relevante: até que ponto se poderia con�ar nas agências de</p><p>notícias internacionais, comandadas geralmente pelos norte-americanos,</p><p>que têm lá sua visão de mundo? Será que por trás das informações, digamos,</p><p>objetivas, não haveria outras intenções? E é com essas informações que a</p><p>maior parte dos meios de comunicação trabalha. Poucos são os jornais – ou</p><p>veículos de comunicação em geral – que têm condições de manter um</p><p>correspondente internacional.</p><p>Nisso a tecnologia não ajuda. O conteúdo é a raiz da discórdia. E é por</p><p>isso que alguns lutam pela maior universalização das notícias, o maior</p><p>acesso que todos devem ter. A questão é saber como conseguir isso. É saber</p><p>se, mesmo assim, elas não penderão para algum outro lado que não seja o</p><p>do benefício da comunidade, da população. Existem de um lado as grandes</p><p>empresas de comunicação, que têm seus interesses; e de outro, um grupo</p><p>que defende ideias que não coincidem com o das grandes empresas. Este</p><p>último é o grupo que pede a chamada “democratização dos meios de</p><p>comunicação”, polêmica e questionável. No meio, o povo, ávido por</p><p>informação verdadeira.</p><p>Essa é uma questão de fundo. Mas há outra, mais prática, que é aquela que</p><p>diz respeito diretamente à confecção dos jornais. Não é necessária somente a</p><p>mudança da “cara” dos diários, mas toda alteração esbarra no pesado</p><p>modelo industrial, pouco �exível, de mobilidade insu�ciente para competir</p><p>com a agilidade do Jornalismo eletrônico e a insana rapidez das redes</p><p>sociais. Ou seja, a reformulação tem de ser radical: de objetivo, de estilo, de</p><p>enfoque e de matriz industrial.</p><p>Está, então, colocada a questão: como será o papel do Jornalismo sem</p><p>papel, aberto, virtual, sem lenço, nem documento? O mar de informações</p><p>em que ele navega já é imenso. Muito diferente das tripas de telex que</p><p>desaguavam nas redações do século XX e que já deixavam atordoados os</p><p>editores, aqueles que escolhiam o que devia ou não ser publicado; fora, claro,</p><p>os censores de plantão, que tinham um trabalho mais simples: impunham os</p><p>cortes que os ditadores determinavam – hoje, os censores são mais tímidos,</p><p>mas que existem, existem.</p><p>Essa espécie de comunicação compartilhada que a internet proporciona é</p><p>a grande questão que se coloca entre todos os comunicadores. Mas não</p><p>apenas entre eles. Os proprietários dos meios de comunicação tradicionais</p><p>estão mergulhando fundo na velocidade das novas plataformas porque não</p><p>querem perder o trem da história, nem suas gigantescas empresas, muito</p><p>menos seus lucros.</p><p>Em vários sentidos, a situação atual nos dá uma oportunidade de ouro.</p><p>Esse modelo nos oferece a ocasião de mudança: embora as nações sejam</p><p>comandadas por homens – muitas vezes cruéis – de mais de 60 anos, esse é</p><p>o momento das coisas novas, a chance de uma virada na cara do mundo – o</p><p>tempo de uma geração ousada e com novas propostas.</p><p>E por que é o momento ideal para esse impulso de velocidade? É que as</p><p>sociedades, levadas pela comunicação mais rápida e globalizada, nunca</p><p>estiveram tão conectadas, unidas pela informação – daí os protestos, as</p><p>vozes que �nalmente se fazem ouvir, as indignações reprimidas que se</p><p>soltam. É o momento em que:</p><p>• os preconceitos são combatidos de frente e com coragem;</p><p>• a consciência de preservação da natureza e da Terra nunca esteve</p><p>• tão ativa;</p><p>• a discriminação racial é tratada como um mal que precisa ser extirpado;</p><p>• os ditadores estão cada vez mais expostos aos olhos horrorizados do</p><p>mundo;</p><p>• as barreiras sociais são mais profundamente devastadas.</p><p>Poderemos</p><p>que, para fazer um teste de áudio, em um</p><p>estúdio, antes de uma entrevista, disse, em uma brincadeira de mau gosto,</p><p>que iria soltar uma bomba na União Soviética – naquele tempo, o país ainda</p><p>existia. Foi uma gafe extraordinária e causou profundo mal-estar na</p><p>diplomacia dos Estados Unidos. Os diplomatas tiveram de fazer um duro</p><p>trabalho para acertar as coisas e explicar que não era nada daquilo.</p><p>O mesmo aconteceu com a conversa entre o ex-ministro francês da</p><p>Defesa, François Léotard, e o então vice-presidente da rede francesa TF1,</p><p>Étienne Mougeotte. Sem saber que estava sendo captado pelas parabólicas,</p><p>Léotard fez revelações indiscretas, como a existência de um complô para</p><p>bloquear a candidatura do então prefeito de Paris, Jacques Chirac, à</p><p>Presidência da República, e criticou alguns companheiros de ministério.</p><p>Léotard não foi demitido, e Chirac foi eleito presidente.</p><p>Um caso semelhante ao de François Léotard aconteceu no Brasil, com o</p><p>jornalista Joelmir Beting, no estúdio da TV Globo de Brasília. Foi durante</p><p>uma entrevista com o presidente do Banco Central, na época, Pedro Malan.</p><p>Como no exemplo francês, falavam-se coisas fora do script, durante o</p><p>intervalo de bloco, e as conversas correram risco de captação geral. Uma</p><p>ligação de telespectador soou na redação, alertando para o bate-papo. Sorte</p><p>que o diretor de redação estava atento e mandou um recado pelo ponto</p><p>eletrônico: não falem nada nos intervalos, porque aí é que mora o perigo.</p><p>Outro incidente aconteceu na TV Manchete, antes de uma entrevista do</p><p>deputado Francisco Dorneles, feita pelo diretor da Rede, o jornalista Carlos</p><p>Chagas. Na preparação da entrevista, os dois comentaram sobre os abusos</p><p>que estariam sendo cometidos com a venda de apartamentos funcionais</p><p>para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a preços abaixo do</p><p>mercado. Isso quase gerou uma crise nacional.</p><p>E, claro, ocorreram casos de menor importância, que hoje fazem parte do</p><p>folclore televisivo, citados como exemplos de desatenção de quem trabalha</p><p>com televisão ao vivo, presa ao satélite. Como diz o jornalista Armando</p><p>Nogueira, que durante 25 anos comandou a Central Globo de Jornalismo:</p><p>“Todo dia se comete um erro novo”. O problema é que as virtuais falhas têm</p><p>como pano de fundo um ambiente no qual o comando pertence aos</p><p>técnicos, à equipe de operação.</p><p>As escorregadelas do sinal</p><p>Servem como exemplo os fatos que aconteceram durante a Copa do</p><p>Mundo de 1994, nos Estados Unidos, quando a jornalista Fátima Bernardes,</p><p>ancorada pelas antenas parabólicas, brincou que esperava um convite para</p><p>dançar em uma boate. O saudoso apresentador Fernando Vanucci, sempre</p><p>brincalhão, que trabalhou durante anos na TV Globo em programas</p><p>esportivos, revelou para o satélite aberto que não gostava nada de futebol.</p><p>Na mesma Copa, o fato mais curioso foi o comentário do locutor Galvão</p><p>Bueno, quando lhe pediram que conversasse com o ex-jogador Pelé e</p><p>cortasse a fala dele, comentarista contratado pela Rede Globo: “Quem</p><p>contratou, conversa, pô!”. Alguns anos mais tarde, Galvão voltou a cair na</p><p>armadilha do microfone aberto, caso que hoje é até mesmo explorado como</p><p>curiosidade em um site da internet. No intervalo da transmissão de um jogo</p><p>entre Corinthians e Bahia, em São José do Rio Preto, interior do estado de</p><p>São Paulo, o narrador conversava informalmente com o repórter Mauro</p><p>Naves, quando o bate-papo foi gravado pela rádio de uma cidade vizinha.</p><p>Naves: “Agora, ele [Vanderlei Luxemburgo, técnico do Corinthians] mudou</p><p>– é com ‘V’ no começo e ‘I’ no �nal”.</p><p>Galvão: “Ah, manda ele caçar bode”.</p><p>Naves: “Ele agora voltou ao original”.</p><p>Galvão: “E voltou à idade original também?” [fazendo referência ao caso</p><p>da falsi�cação de documento de identidade envolvendo Luxemburgo].</p><p>[Naves lê a escalação do Corinthians.]</p><p>Galvão: “Que time é esse? Isso não é o Corinthians, não. Com o Corinthians</p><p>mal assim, vai começar a diminuir a audiência. Não pode ser Corinthians</p><p>todo dia, né? Domingo que vem já é Corinthians de novo, não é?”.</p><p>Essas incon�dências, porém, continuam até hoje, em situações bem</p><p>delicadas, como foi o caso do ex-presidente do Uruguai, José Mujica que,</p><p>com os microfones abertos, sem que ele soubesse, criticou a presidente da</p><p>Argentina, Cristina Kirchner, e seu falecido marido, Néstor, de maneira</p><p>simplória.</p><p>Volta e meia, alguém é pego pela distração. O último e rumoroso caso</p><p>aconteceu com o jornalista William Waack, que, seguramente, era o</p><p>pro�ssional mais bem preparado da TV Globo. Waack foi ser engraçadinho</p><p>com um entrevistado – antes de entrar ao vivo – e fez um comentário que</p><p>lhe custou o emprego, ao criticar alguém que buzinava um carro com</p><p>insistência, atrapalhando sua apresentação: “Isso é coisa de preto”, teria dito,</p><p>soltando alguns palavrões.</p><p>O comentário não foi ao ar, mas �cou gravado, e uma pessoa que</p><p>seguramente não tinha simpatia pelo jornalista pegou a �ta e compartilhou</p><p>o episódio em uma rede social. Um ano depois do evento. Foi o su�ciente</p><p>para fulminar Waack.</p><p>As redes sociais não perdoam.</p><p>Ricupero, exemplo fatal</p><p>O caso que mais chama a atenção, porém, é o de Rubens Ricupero, no</p><p>qual eu estive envolvido; foi também o que resultou em consequências mais</p><p>sérias – e com razão. Até porque no caso de Joelmir Beting ninguém</p><p>percebeu nada: ele foi alertado a tempo; eu, não. E Ricupero, ministro da</p><p>Fazenda de Itamar Franco e estrela daqueles tempos do Plano Real, deu</p><p>várias entrevistas em um momento mais do que delicado, durante a</p><p>campanha eleitoral de 1994 à Presidência da República. Os ânimos estavam</p><p>alterados, as emoções à �or da pele. A ascensão do candidato Fernando</p><p>Henrique Cardoso, consequência da expectativa do Plano Real de combate à</p><p>in�ação, estava desestabilizando a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva,</p><p>apontado como virtual vencedor. As conclusões sobre o que aconteceu</p><p>tiveram as mais variadas interpretações.</p><p>E o que aconteceu na verdade?</p><p>O embaixador Rubens Ricupero, um dos melhores quadros do Ministério</p><p>das Relações Exteriores (MRE), culto, diplomata de sucesso, extremamente</p><p>simpático e inteligente, estava há poucos meses na che�a do Ministério,</p><p>substituindo o próprio candidato FHC. Ele conduzia a propaganda do Plano</p><p>Real em um momento fundamental, com uma pregação beneditina. Era,</p><p>digamos, o garoto-propaganda do Plano. Ricupero era abraçado na rua, a</p><p>população despejava naquela �gura frágil, de fala mansa, escassos cabelos e</p><p>olhos claros e bondosos, toda a sua carga de esperança.</p><p>No dia 1º de setembro de 1994, o governo Itamar Franco comemorava os</p><p>dois meses de real, engendrado por seu governo para dar estabilidade</p><p>econômica ao país e colocar um freio na in�ação. A assessoria de Ricupero</p><p>programou uma série de entrevistas para aquele dia, tanto para rádio como</p><p>para jornal e televisão. Começou no Bom Dia Brasil, às 7 horas da manhã,</p><p>no estúdio da Rede Globo, em Brasília. E, assim, a cada hora, o ministro foi</p><p>recebendo em seu gabinete da Esplanada os jornalistas para conversas</p><p>exclusivas, off the record (conversas para suporte do jornalista) ou não,</p><p>gravadas ou ao vivo. Isso foi até o Jornal Nacional.</p><p>Depois que a entrevista – concedida ao vivo à jornalista Ana Paula Padrão</p><p>– foi ao ar no JN, a vez era do Jornal da Globo, para o qual eu estava escalado</p><p>como repórter. Seria uma entrevista gravada sobre determinados assuntos</p><p>do dia, algumas projeções, tudo pautado pela editora-chefe e apresentadora</p><p>do jornal, Lillian Witte Fibe. As luzes do ambiente – a sala de reuniões do</p><p>Ministério – estavam semiapagadas, um lusco-fusco, no intervalo entre a</p><p>apresentação ao vivo e a espera dos ajustes para a minha gravação. As</p><p>câmeras pareciam estar desligadas, e o pessoal técnico, inclusive os</p><p>cinegra�stas, conversava no fundo da sala, perto de uma janela.</p><p>Eu preparava a entrevista, organizava as perguntas, e os técnicos tentavam</p><p>acertar o áudio de retorno para a gravação, que seria gerada direto para São</p><p>Paulo, via Embratel – ainda empresa do governo –, e teria a participação de</p><p>Lillian. Ricupero estava em uma cadeira, frente às câmeras, e eu me sentei ao</p><p>lado dele. O ministro começou a falar, enquanto esperávamos o “OK” �nal.</p><p>Ele disse que estava cansado, e o que se comentou depois é que teria tomado</p><p>alguns medicamentos para suportar o dia trabalhoso. Não parava de falar.</p><p>Enquanto isso, os técnicos corrigiam os últimos detalhes. Para a gravação</p><p>ser feita em São Paulo, áudio e vídeo passavam pela unidade móvel,</p><p>estacionada em frente ao Ministério. A unidade mandava o sinal para a</p><p>emissora em Brasília, localizada na via W3 Norte, que o mandava para a</p><p>Embratel, que o jogava na emissora do Rio, que passava para o destino �nal,</p><p>São Paulo. No meio da operação, um técnico do Rio disse que estava</p><p>recebendo informações de que algumas pessoas estavam captando o sinal da</p><p>conversa entre mim e o ministro. Tudo foi checado e rechecado, e a</p><p>conclusão foi de que o descuido era da Embratel. Normalmente, as</p><p>transmissões eram realizadas por micro-ondas, via terrestre. Nem os</p><p>técnicos de Brasília sabiam que a Embratel já estava operando um satélite</p><p>para esse trabalho. Mas já estava, e sem nenhuma proteção, sem qualquer</p><p>bloqueador ou código. Ou seja, quem tivesse uma parabólica simples,</p><p>existentes comumente nas zonas rurais, poderia captar o sinal da Embratel –</p><p>qualquer sinal.</p><p>E foi o que aconteceu. A conversa, ou parte dela, foi captada por algumas</p><p>pessoas – naquela ocasião, em 1994, a tecnologia não era tão desenvolvida</p><p>como hoje, a internet engatinhava e celulares eram raridade –, e muitas delas</p><p>até gravaram e algumas mandaram cópias (de péssima qualidade) para</p><p>canais de TV. O resultado todos sabem: no tumulto da campanha eleitoral,</p><p>quando a adrenalina está a mil, as interpretações foram as mais variadas. De</p><p>qualquer forma, foi um choque. Atualmente, a Embratel codi�ca suas</p><p>transmissões, mas ainda há canais que podem ser captados pelas</p><p>parabólicas.</p><p>E o que foi conversado? Falou-se sobre denúncias de que havia gente do</p><p>Partido dos Trabalhadores (PT) in�ltrada no IBGE; que ele, Ricupero,</p><p>gostaria de dar uma entrevista ao Fantástico, da Rede Globo; e que seu</p><p>maior desejo era mesmo tornar-se embaixador na Itália, terra de seus</p><p>antepassados. Ficou apenas como uma conversa em off, até pelo jeito como</p><p>ele ia contando os fatos, um off que todo jornalista guarda, como parte da</p><p>pro�ssão. Se todos os offs fossem publicados, haveria outro panorama da</p><p>notícia, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. E nesse ponto não se</p><p>contabiliza a ética, mas a preservação da fonte, e só entende disso quem</p><p>milita e precisa de informações de bastidor. Recolhe-se o off e divulga-se no</p><p>momento adequado, preservando-se a fonte. As coisas funcionam assim.</p><p>Mas houve até quem levantasse a questão da existência, no episódio, da</p><p>dúvida ética. Também houve quem, não entendendo nada de televisão,</p><p>cobrasse uma postura mais “amiga” em relação ao entrevistado.</p><p>Villas-Bôas Corrêa, o experiente jornalista, em seu livro Conversa com a</p><p>memória, explica que</p><p>o repórter político, pela peculiaridade do seu trabalho e a natureza das suas</p><p>relações com as fontes, é dos mais expostos às cobranças éticas. No fundo, uma</p><p>teia de equívocos que resulta do desconhecimento das exigências da</p><p>especialidade. [...] O que distingue o seu texto, além da capacidade de análise, de</p><p>enxergar um palmo adiante, são as informações con�denciais, colhidas</p><p>diretamente das fontes, como a fruta madura que se arranca do galho25.</p><p>Entre as coisas que Ricupero falou, a que mais �cou marcada foi a frase</p><p>“eu não tenho escrúpulos: o que é bom, a gente fatura; o que é ruim, a gente</p><p>esconde”, como se na vida cotidiana não acontecesse exatamente assim.</p><p>Tomada fora de contexto, a frase parece um escândalo, mas da maneira</p><p>como foi dita – quase aos sussurros – também inspira descon�ança. Nós</p><p>conversávamos sobre o IPC-R, um índice econômico que a equipe de</p><p>economistas que conduzia o Plano Real queria eliminar, porque estava em</p><p>ascensão. Era justamente esse índice que reajustava os salários. Ricupero</p><p>tinha a informação de que em agosto o índice estaria em queda, o que era</p><p>bom para o Plano. Mas não havia ainda a con�rmação – o que, aliás,</p><p>realmente aconteceu.</p><p>Insisti muito para o ministro anunciar isso no ar – que o IPC-R estava em</p><p>queda e que isso era mais uma vitória do Plano –, uma notícia exclusiva e</p><p>uma novidade naquele festival de repetições que foram as entrevistas do dia.</p><p>Ricupero, porém, não aceitou, reagiu e não deu o número otimista, mas se</p><p>desculpou, fora do ar – foi a fala que as parabólicas captaram: “Olha, não é</p><p>por mal, não. Mas é que eu não tenho a con�rmação. Eu tenho até interesse</p><p>em divulgar as coisas boas. Você sabe, né, o que é bom a gente fatura; o que é</p><p>ruim, a gente esconde”.</p><p>O que mais incomodou o governo e o candidato a presidente foi a</p><p>pretensão do ministro. Disse ele, a certa altura, que Fernando Henrique</p><p>dependia mais dele do que ele de Fernando Henrique. “O grande eleitor dele</p><p>hoje sou eu”, disse Ricupero.</p><p>Foram 19 minutos de conversa, e o ministro só parou quando meu celular</p><p>tocou. Era o jornalista Alexandre Garcia, na época diretor de Jornalismo da</p><p>emissora em Brasília. Queria saber o que estava acontecendo, o que</p><p>estávamos conversando: os telefones da Globo não paravam de tocar,</p><p>avisando que a conversa estava indo ao ar. As parabólicas estavam ligadas e</p><p>atentas.</p><p>Foi um susto. Avisei o ministro sobre o que havia se passado, e ele</p><p>imediatamente saiu da sala. Gelei. Todas as informações que recebi durante</p><p>minha vida de telejornalista diziam para que eu me preocupasse com o que</p><p>dizer: a organização do cenário e os problemas técnicos são problemas dos</p><p>técnicos. Provavelmente, essa não foi uma indicação correta. Hoje, estou</p><p>ciente de que é preciso estar atento a cada passo da produção de qualquer</p><p>programa, da operação, nas entradas ao vivo. O caso foi uma lição para</p><p>todos: para mim, para os técnicos e, principalmente, para Ricupero.</p><p>O ministro voltou de seu gabinete para a entrevista gravada. Falamos de</p><p>coisas do dia, de números e da in�ação, coisas do gênero. A orientação da</p><p>direção da emissora foi para dar a entrevista como ela foi gravada. Lillian</p><p>comentaria, depois do VT, sobre a conversa que tivemos antes e que havia</p><p>sido captada pelas parabólicas. E foi o que aconteceu: ela deu um resumo do</p><p>que o ministro havia dito antes.</p><p>Assisti à entrevista, durante a apresentação do telejornal, ao lado do</p><p>ministro e de dois auxiliares seus, os embaixadores Sérgio Amaral, seu chefe</p><p>de gabinete, e Gelson Fonseca, na casa de Ricupero. Pouco antes, Amaral e</p><p>mais dois assessores tinham visto o que havia sido gravado e �caram</p><p>boquiabertos, perplexos. Não pelo que foi dito, mas pelo momento, pelas</p><p>circunstâncias em que foi dito. E eles sabiam que o ministro teria, no</p><p>mínimo, de deixar o cargo.</p><p>O caso fez tremer o governo Itamar e a campanha de FHC, mesmo que</p><p>tenha recebido solução rápida e Rubens Ricupero tenha pedido desculpas ao</p><p>país e entregue seu pedido de demissão no domingo – a entrevista ocorreu</p><p>em uma quinta-feira –, assumindo que falhara, que falara demais, fazendo</p><p>um mea culpa emocionante. Católico praticante, disse que caiu em tentação,</p><p>que pecara contra a humildade.</p><p>Lula, o candidato da oposição, disse que o que houve “foi uma mutreta do</p><p>Ricupero com a Globo para ajudar Fernando Henrique”. Bobagem. Desabafo</p><p>de quem foi pego, no meio da campanha, por um fato inusitado. O que</p><p>ocorreu ali foi uma armadilha da tecnologia, em que dois pro�ssionais</p><p>caíram. O ministro se perdeu pela boca; eu, pela falta de um alerta que</p><p>poderia ter sido dado, a tempo, como no caso de Joelmir. Não havia papel,</p><p>apenas ondas e cabos.</p><p>O clima do momento, no entanto, levou a vários espasmos ideológicos e</p><p>completamente estapafúrdios de várias personalidades com convicções</p><p>políticas estereotipadas, embora algumas até legítimas. Pegou mesmo o</p><p>professor Bernardo Kucinski, velho defensor dos direitos humanos e que</p><p>teve uma participação heroica na luta contra a ditadura</p><p>e pela</p><p>redemocratização do país. Não posso deixar de admirá-lo por causa desse</p><p>equívoco. A�nal, como posso querer mal a um jornalista tão experiente, que</p><p>passou por grandes redações, e que escreveu, junto com o professor Robert</p><p>Ledogar, Fome de lucros, um livro de 1976 que tinha como subtítulo Atuação</p><p>das multinacionais de alimentos e remédios na América Latina? Kucinski</p><p>colocava em pratos limpos a atuação dessas grandes empresas internacionais</p><p>e seus interesses pelo lucro. O livro abriu meus olhos, no meu início de</p><p>carreira.</p><p>Kucinski foi levado pela visão política a cometer equívocos e a me insultar</p><p>com �rmeza, no afã de demolir reputações e atingir a credibilidade da TV</p><p>Globo, a grande inimiga de parte da esquerda brasileira e, hoje, também da</p><p>direita mais reacionária. Talvez esse tenha sido o ponto de partida para a</p><p>inclusão, na agenda do PT, da chamada “regulação da mídia”, uma forma</p><p>so�sticada de promover a censura aos meios de comunicação. A liberdade é</p><p>geral, desde que seja a nosso favor, é o seu mote básico.</p><p>Tomando como base a entrevista de Ricupero, Kucinski elaborou um livro</p><p>(A síndrome da antena parabólica), no qual detona jornalistas – eu, inclusive</p><p>– e a grande mídia, mas se perde em pensamentos absurdos e ridículos.</p><p>Questiona o comportamento ético da emissora e do jornalista, mas não trata</p><p>de quaisquer outros casos, como se esse tivesse sido o primeiro a acontecer.</p><p>Não levanta hipóteses diante dos fatos, nem faz trabalho cientí�co e de</p><p>pesquisa satisfatório. Ou seja, apenas bate no que acredita ser a “imprensa</p><p>burguesa”.</p><p>Em seu desvario, Kucinski chega mesmo a absolver a censura da ditadura</p><p>militar. Ou seja, para ele, a ditadura foi melhor do que a democracia, só</p><p>porque esta respaldava e incentivava meios de comunicação que não</p><p>compartilhavam a opinião do partido no poder. E pensar que essa mesma</p><p>grande mídia deu suporte total, durante anos, ao grande líder sindicalista</p><p>Lula, antes de se tornar político, de criar o PT, quando combateu de peito</p><p>aberto a ditadura militar, por meio da causa sindicalista. Ou até mesmo</p><p>depois disso.</p><p>Aqui, torno mais claro esse episódio apenas com a �nalidade de alertar</p><p>todos os que pretendem se jogar nas malhas da televisão, para que �quem</p><p>sempre atentos. Um estúdio é como uma sala de cirurgia: ali, tudo pode</p><p>acontecer – você pode se salvar e tornar sua vida melhor, ou pode morrer no</p><p>fogo do inferno, envolto na língua (sempre emocional) da opinião pública.</p><p>Ainda mais agora, em tempos de redes sociais.</p><p>A televisão é poderosa. Certamente é o meio de comunicação mais</p><p>envolvente, o de maior penetração. Mas é preciso �car sempre atento, fora e</p><p>principalmente dentro do estúdio, no ar ou fora dele. Por isso, é tão</p><p>importante medir as palavras e saber o peso de cada uma delas. O que será</p><p>dito, as ideias que serão expostas. E conhecer que tipo de arma se está</p><p>usando para denunciar, combater ou defender alguém. Falar na televisão</p><p>não é perigoso, mas dependendo do que for dito, a palavra e o gesto podem</p><p>transformar sua atitude em uma bomba atômica, caindo no quintal de cada</p><p>telespectador.</p><p>Agora, quando se combina televisão e política, a coisa �ca ainda mais</p><p>difícil. Millôr Fernandes tem a seguinte frase: “Em política, o que te dizem</p><p>nunca é tão importante quanto o que você ouve sem querer”. Esse talvez seja o</p><p>grande mistério para o enorme espanto que causou a incon�dência</p><p>parabólica de Rubens Ricupero.</p><p>20 Lopes, 2012.</p><p>21 BBC Brasil.com, 2005.</p><p>22 Mena, 2002.</p><p>23 Idem.</p><p>24 Popper; Condry, 1999, p. 29-30.</p><p>25 Villas-Bôas Corrêa, 2002, p. 97.</p><p>T</p><p>8</p><p>O outro lado do charme</p><p>. . .</p><p>alvez poucas pro�ssões sejam tão cheias de charme e glamour como</p><p>a de jornalista. Mas são raras as pessoas que têm o exato</p><p>conhecimento do que é essa pro�ssão e de como ela se corpori�ca</p><p>em uma das mais tensas e penosas que existem. Só mesmo entrando de</p><p>corpo e alma em seu dia a dia.</p><p>É uma pro�ssão considerada não apenas charmosa. O jornalista, muitas</p><p>vezes, é tido como defensor dos mais fracos, porta-voz dos injustiçados, um</p><p>herói, protetor da sociedade, aquele que questiona os poderosos, critica</p><p>malfeitos dos governantes, investiga, esclarece e escancara os fatos infames</p><p>desta vida, que com frequência têm o protagonismo de célebres �guras da</p><p>República. O jornalista vira um ícone do destemor. Um pro�ssional que vive</p><p>de braços dados com a verdade. Não é necessário que alguém seja punido,</p><p>dizem as pessoas, pois a simples publicação do escândalo já é um meio de</p><p>execração.</p><p>Quando o jornal Folha de S. Paulo aproveitou a estreia do �lme e Post: a</p><p>guerra secreta – que mostra os bastidores da cobertura da Guerra do Vietnã</p><p>e todo o drama que aconteceu quando o Washington Post resolveu divulgar</p><p>os documentos sigilosos do governo norte-americano sobre o caso – e</p><p>organizou um debate com três jornalistas para discutir o papel da imprensa</p><p>no con�ito, algumas verdades foram colocadas em discussão.</p><p>O saudoso Clovis Rossi, um dos melhores pro�ssionais que conheci, por</p><p>exemplo, disse que o jornalista naquela época – começo dos anos 1970 –</p><p>ainda era tido como um herói, o que não acontece nos dias atuais. “Hoje, o</p><p>jornalista leva porrada de todos, inclusive do leitor”, apontou Rossi. No fundo,</p><p>hoje cada um tem sua própria verdade, e apenas se apoia em fatos e os</p><p>interpreta de acordo com suas convicções, para chegar a uma verdade</p><p>individual ou que lhe convenha. Para comprovar isso, vide Facebook,</p><p>Twitter, YouTube, WhatsApp e outras mídias sociais.</p><p>Eugênio Bucci, jornalista e professor, outro debatedor daquele seminário,</p><p>disse que</p><p>é difícil pensar o Jornalismo de hoje nas condições do �lme. A imprensa era o</p><p>centro da esfera pública e pautava a extensão da liberdade de maneira espetacular.</p><p>Isso não está mais posto, mudou de �gura26.</p><p>Atualmente, ninguém está disposto a aderir a conceitos que venham de</p><p>cima para baixo. Só a credibilidade permite isso.</p><p>Sendo assim, é preciso pôr na pauta – e os tempos atuais pedem isso – o</p><p>indivíduo, o cidadão, como parte dessa revolução. Joel Simon, diretor-</p><p>executivo do Comitê de Proteção aos Jornalistas, disse, em entrevista à rede</p><p>alemã Deutsche Welle, realizada em 2011, que essa</p><p>revolução on-line institucionaliza a habilidade da população de se engajar no</p><p>Jornalismo. [...] Mas estes jornalistas cidadãos não substituem pro�ssionais com</p><p>formação e experiência em meios de comunicação e investigação. Nós precisamos</p><p>de jornalistas pro�ssionais. Eles podem se complementar com os jornalistas</p><p>cidadãos. [...] Mais do que nunca, este mundo precisa de nós, jornalistas27.</p><p>Além disso, poucos sabem o que é ser um autêntico jornalista pro�ssional,</p><p>aquele que vive de sua bela e difícil pro�ssão, sob forte pressão diária, com</p><p>salário muitas vezes aviltante, tendo de tocar uma vida cheia de</p><p>contratempos, mas obrigado a manter a calma e a sobriedade para enfrentar</p><p>as tempestades. Não foi nem uma, nem duas vezes que ouvi de colegas de</p><p>trabalho que teriam de procurar outro apartamento para morar com os</p><p>�lhos, porque o aluguel que pagavam estava muito alto.</p><p>De modo geral, os jornalistas não ganham bem para manter o nível de</p><p>vida que pro�ssionais, honestos, na maioria das vezes com formação</p><p>universitária, deveriam ter. Os jornalistas que conseguiram obter sucesso</p><p>�nanceiro procuraram outros caminhos – foram para a publicidade,</p><p>montaram uma empresa de comunicação, alcançaram um cargo público ou</p><p>alguma assessoria gorda ou, ainda, derivaram para veredas mais rentáveis,</p><p>mas não menos trabalhosas, como abrir um restaurante. Não são poucos.</p><p>Mas o senso comum já determinou: jornalista não foi feito para ganhar</p><p>dinheiro, não liga para isso, é o que se diz.</p><p>Os que ainda veem a pro�ssão de jornalista como puro charme não sabem</p><p>que ele vive atrelado a posições da direção da empresa a qual, por sua vez,</p><p>com frequência depende dos subsídios públicos ou privados para sobreviver.</p><p>Até mesmo os jornalistas têm di�culdade para assimilar essa verdade. Como</p><p>diz Juan Luis Cebrián em seu livro</p><p>O pianista no bordel: muitos jornalistas</p><p>�cam “apegados à versão romântica, quase boêmia, da pro�ssão e pensam</p><p>que a pobreza é condição inalienável da liberdade”28.</p><p>Ignacio Ramonet, jornalista que já comandou o Le Monde, em uma</p><p>entrevista ao L’Humanité – jornal francês que já foi ligado ao Partido</p><p>Comunista –, em 2011, a�rmou que</p><p>a maior parte dos jovens jornalistas é explorada, muito mal paga. Mais de 80%</p><p>dos jornalistas recebem baixos salários. [...] Para a maioria dos cidadãos, o</p><p>Jornalismo resume-se a alguns jornalistas: estes que se vê em toda parte. Duas</p><p>dezenas de personalidades conhecidas, que vivem um pouco ‘fora da terra’, que</p><p>passam muito tempo ‘integrados‘ com os políticos. [...] Constitui-se assim uma</p><p>espécie de nobreza política29.</p><p>Ao contrário de outros tempos, hoje é difícil para o jornalista ter mais de</p><p>um emprego – talvez, dar aulas. Ouvi de velhos jornalistas que, antes, o</p><p>pro�ssional acumulava outras ocupações – de preferência, públicas – com</p><p>seu trabalho em um jornal. Não era raro ver um jornalista prestando serviço</p><p>para uma assessoria no Senado pela manhã e, à tarde, cobrindo o mesmo</p><p>Senado para o jornal. Atualmente essa pirueta é impossível, até pelo sistema</p><p>de trabalho agora imposto, que exige um engajamento quase permanente do</p><p>pro�ssional.</p><p>Villas-Bôas Corrêa, o grande jornalista político, em seu livro Conversa</p><p>com a memória, relata fatos de sua vida pro�ssional e as di�culdades de se</p><p>fazer jornal no começo do século XX. Diversas vezes, em seus capítulos,</p><p>Villas fala dos “miseráveis salários da categoria” e trata dele mesmo, ao</p><p>confessar que “durante anos, até a mudança da capital [do Rio para Brasília],</p><p>cheguei a acumular atividades diárias em três jornais, além dos extras na</p><p>televisão e no rádio”30.</p><p>O cenário pouco mudou.</p><p>A fuga de jornalistas para outros caminhos é notória. Geralmente termina</p><p>em sucesso, mas nem sempre. O sucesso �nanceiro maior vem daqueles que</p><p>montaram uma produtora, que vendem serviços para empresas, políticos</p><p>(incluindo campanhas eleitorais), bancos, governos, fazem media training</p><p>com executivos, ou até mesmo montam pequenos programas para serem</p><p>exibidos na TV aberta. Ou seja, usam a técnica do Jornalismo – obtido na</p><p>vida ou na academia – para realizar trabalhos não jornalísticos.</p><p>Exemplos são fartos, e cito aqui, com o perigo de esquecer vários, os que a</p><p>meu ver tiveram melhor resultado: Sérgio Motta Mello (TV1), Chico Santa</p><p>Rita (TVT), Woile Guimarães, Wianey Pinheiro, Luiz Gonzalez (GW),</p><p>Carlos Battesti (Convergência Comunicação Estratégica – relações com a</p><p>mídia) etc. Todos eles são jornalistas competentes e consagrados na</p><p>pro�ssão, mas, com os novos caminhos, conseguiram fazer uma bela</p><p>poupança, para dizer o mínimo. Todos eles passaram pela imprensa escrita</p><p>ou pela televisão, e foi lá que conseguiram a base para tudo que</p><p>desenvolveram em suas empresas – que, aliás, têm ou tiveram bastante</p><p>sucesso.</p><p>A fuga do jornalista para onde consiga respirar melhor também pode se</p><p>dar na forma de um blog ou de um canal no YouTube – um espaço na</p><p>internet onde �nalmente tenha condições de expor, de publicar seus reais</p><p>pensamentos sobre o mundo. Para isso, ele usa suas fontes, suas informações</p><p>privilegiadas, cultivadas ao longo do tempo. E, principalmente, pode emitir</p><p>suas opiniões, antes enevoadas. Mas, é claro, ele não pode estar vinculado a</p><p>algum órgão de comunicação tradicional, que já tenha suas opiniões</p><p>de�nidas. Aí vai ser difícil, mas alguns tentam.</p><p>Cito inicialmente dois exemplos: os jornalistas Fábio Pannunzio e</p><p>Alexandre Garcia, de pensamentos políticos opostos. Fábio rodou por vários</p><p>canais de televisão, até deixar a Rede Bandeirantes para montar seu próprio</p><p>canal (a TV Democracia) no YouTube e realizar seu sonho de pôr no ar e</p><p>discutir aquilo que realmente acha importante – a crítica a governos de</p><p>direita, a defesa da democracia. E por que ele saiu de seu emprego, digamos,</p><p>formal? Por pressões vindas do governo de plantão: ou a empresa se livrava</p><p>de Fábio, ou deixava de ter crédito em bancos e verbas o�ciais. A pressão foi</p><p>tão grande que Fábio chegou a ter um pré-infarto.</p><p>Por outras razões, o mesmo caminho tomou Alexandre Garcia, o veterano</p><p>jornalista, que resolveu de uma vez por todas exprimir mais claramente suas</p><p>ideias: em 38 jornais, 320 estações de rádio e em um canal no YouTube, ele</p><p>expõe o que realmente pensa sobre o mundo político. E mais: chegou a</p><p>conseguir até mesmo um espaço em uma rede de televisão a cabo, a CNN</p><p>Brasil, para dar transparência a ideias que nunca deixou de lado – a</p><p>exaltação ao pensamento conservador, muito próximo dos militares. Aliás,</p><p>seu quadro no canal – junto com um jornalista que não compartilha de suas</p><p>ideias, Sidney Rezende – teve até seu nome mudado: no lugar de Liberdade</p><p>de expressão, passou a se chamar Liberdade de opinião, que é para separar a</p><p>posição do canal da opinião de seus comentaristas. Em meados de 2021, a</p><p>CNN dispensou Alexandre.</p><p>Outro exemplo é o do jornalista investigativo Fernando Rodrigues que,</p><p>depois de quase 30 anos, foi dispensado pela Folha de S. Paulo. Não</p><p>adiantaram seus currículos, sua competência, nem seus prêmios. Assim,</p><p>Fernando mergulhou ainda mais nas redes e na internet, onde já estava, e</p><p>fundou o Poder 360, um jornal on-line, que já extrapolou essa função e hoje</p><p>faz parcerias com empresas, para pesquisas e outras atividades.</p><p>Mais um exemplo de abandono do Jornalismo diário para seguir o que</p><p>manda o coração é o da brilhante jornalista Cristina Serra (ex-TV Globo),</p><p>como ela mesma explica em sua conta do Facebook: em 2018, saiu do dia a</p><p>dia para “trilhar o caminho desa�ador dos livros” e, claro, expor com mais</p><p>clareza suas ideias. Seu tema principal é a defesa do meio ambiente e os</p><p>desmandos que levam à sua destruição. Um desa�o que tem sido um</p><p>sucesso.</p><p>Um atalho que também serve para exprimir opiniões é o Twitter, uma</p><p>terra aberta e ainda sem lei mais rigorosa, onde se destila ódio e amor, sem</p><p>aparas. Claro que as empresas que pagam jornalistas para veicular notícias</p><p>não gostam que eles se estapeiem nas redes sociais, muito menos que deem</p><p>opiniões que não casem com as suas. Mas é onde o jornalista consegue</p><p>respirar um pouco e fugir dos olhos atentos do patrão. É, en�m, uma</p><p>situação difícil.</p><p>Há outro caminho, bastante rentável, digamos, mais confortável – e mais</p><p>burocrático – para alguns jornalistas engordarem sua conta bancária,</p><p>mesmo que ainda refreando, de modo geral, suas opiniões sobre o mundo:</p><p>as palestras destinadas a determinados públicos ou a possibilidade de serem</p><p>mestres de cerimônias em eventos os mais diversos. Há apresentadores de</p><p>telejornal que cobram 10 mil dólares (ou mais) por palestra, dependendo do</p><p>momento em que estão expostos. Como se eles dominassem os assuntos que</p><p>leem, via teleprompter, na TV, e não que estivessem ali pelo carisma, por</p><p>terem boa aparência, por se vestirem bem etc. A televisão encanta e ludibria.</p><p>O jornalista de televisão de certa forma participa da notícia, na medida</p><p>em que se mostra inteiro ao telespectador, na rua ou no estúdio. Mas, para</p><p>isso, sua postura deveria ser discreta, porque ali ele não é o mais importante.</p><p>Sempre foi assim. Até que se inventou a matéria participativa, quando o</p><p>repórter interage com os próprios acontecimentos, ou o apresentador de</p><p>estúdio faz caras e bocas – ou carrega em determinados pontos – na</p><p>exposição da notícia.</p><p>No vídeo, a cara é outra</p><p>Pelas características do veículo, o jornalista que trabalha em televisão,</p><p>porque vai se apresentar ao mundo e entrar na casa das pessoas, passa por</p><p>pequenas mutações formais, mais adequadas ao meio e para poder</p><p>transmitir melhor sua mensagem. Vamos à montagem formal do jornalista –</p><p>montagem que aos poucos vai sendo simpli�cada:</p><p>1.Ele recebe orientações em um curso rápido dado por um(a)</p><p>fonoaudiólogo(a), que permanece em eterna vigilância. O ícone dessa etapa</p><p>é Glorinha Beuttenmüller, a pro�ssional que moldou a fala do Jornalismo na</p><p>televisão brasileira. O</p><p>padrão da narrativa do jornalista de televisão é dessa</p><p>“bruxa”, assim chamada carinhosamente na TV Globo, pelos milagres que</p><p>operava. Agora, há seguidoras mais modernas.</p><p>2.Em geral, repórteres e apresentadores ganhavam roupas. Eu ganhei</p><p>várias, com corte pessoal e escolha de um(a) estilista, que variava de acordo</p><p>com o momento e com a moda. A crise vem deixando de lado esse</p><p>procedimento, mas em alguns casos ele ainda sobrevive. É impossível que a</p><p>conta bancária do jornalista suporte mudanças diárias de vestimenta,</p><p>principalmente os que trabalham em estúdio, assim como no caso das</p><p>mulheres.</p><p>3.A maquiagem é fundamental, principalmente para os apresentadores –</p><p>para as mulheres, em qualquer situação. A TV digital e o tempo castigam</p><p>mais as meninas, que �cam desesperadas com a nitidez cada vez maior de</p><p>sua imagem nas telas.</p><p>4.A postura formal e o gesto discreto também fazem parte do manual dos</p><p>fonoaudiólogos, que também prestam serviço a políticos e empresários que</p><p>eventualmente dão entrevistas. É uma condição para que sua interpretação</p><p>gere con�ança no público.</p><p>Ou seja, o jornalista de televisão não é um ser em sua condição natural.</p><p>Ele, ali, teoricamente não tem mais papel. Relata tudo aquilo que viu e</p><p>ouviu de maneira protocolar e de um jeito que mais parece uma corredeira</p><p>pelo rio afora. Sua segurança, seu carisma e sua credibilidade estão em jogo,</p><p>e tudo isso faz parte do grande cenário no qual a notícia é “impressa” para o</p><p>grande público. Essa é a maneira tradicional que a televisão encontrou para</p><p>empacotar a notícia e difundi-la. Não pode haver nenhum vestígio de</p><p>posicionamento político. O que conta é o bom senso. Apesar disso, não há</p><p>jornalista que não tenha sido esbofeteado nas redes sociais, até mesmo por</p><p>seus pares.</p><p>No estúdio, com novo décor, há ainda o agravante da atenção redobrada, o</p><p>cenário mais limpo, a luz mais ajustada, a maquiagem mais acentuada e o</p><p>texto claro e direto. Tudo padronizado pelo TP, o teleprompter, essa máquina</p><p>que faz do apresentador um ser superdotado, porém ainda mais arti�cial.</p><p>Sem contar, é claro, com a presença do ponto eletrônico preso ao ouvido.</p><p>Ninguém é o mesmo dentro e fora do vídeo. São falsas impressões.</p><p>Zygmunt Bauman – sempre ele –, em seu livro Vida para consumo, com</p><p>subtítulo A transformação das pessoas em mercadoria, esmiúça o assunto.</p><p>Nele eu pude ver a semelhança de seus exemplos com a condição do</p><p>jornalista que expõe sua imagem na telinha. O autor exempli�ca suas ideias</p><p>com três casos aparentemente diferentes, mas que levam a uma conclusão</p><p>idêntica: as pessoas são aliciadas e encorajadas a promover e vender no</p><p>mercado produtos que são elas mesmas.</p><p>No primeiro caso, Bauman trata da exposição sem controle nas redes</p><p>sociais, onde as pessoas mostram sem pudor sua nudez física, social e</p><p>psíquica; no segundo, revela a criação de um novo e re�nado soware, que</p><p>separa entre os “consumidores falhos” e os mais valiosos para o jogo do</p><p>consumo; e, no terceiro, mostra um novo sistema de imigração</p><p>implementado no Reino Unido, com base em pontuações, no qual é feita</p><p>uma seleção de imigrantes, atraindo os melhores e mais inteligentes.</p><p>Nos três casos, embora aparentemente se apresentem como situações</p><p>distintas, as pessoas atuam como “promotores das mercadorias e as</p><p>mercadorias que promovem”. Diz mais o grande pensador: para alcançar os</p><p>prêmios sociais que ambicionam, o teste exige que os indivíduos se</p><p>“remodelem a si mesmos como mercadorias, ou seja, como produtos que</p><p>são capazes de obter atenção e atrair demandas e fregueses”31.</p><p>No nosso caso, dos jornalistas de televisão, a demonstração é clara: o</p><p>pro�ssional constrói sua imagem (voz, traje, aparência, postura, gestos) e</p><p>procura vender não apenas a notícia, mas a si mesmo, como produto dentro</p><p>de um mercado, ávido por receber uma suposta informação exclusiva ou um</p><p>raciocínio com base em dados sobre os quais nem todos têm conhecimento,</p><p>além de escutar relatos que gostaria mesmo de ouvir. Daí a ansiedade de</p><p>certas instituições em contratar jornalistas para realizar palestras ou</p><p>comparecer a eventos.</p><p>Não tenho dúvida: desde o início, a televisão trouxe o empoderamento, o</p><p>quase endeusamento do jornalista, passando por �guras como o atrevido</p><p>José Carlos de Morais (o “Tico-Tico”), que fazia malabarismos com o</p><p>microfone, chegando aos lugares se achando a peça mais importante do</p><p>momento, até jornalistas investigativos, que denunciam e colocam o dedo na</p><p>ferida das falcatruas de poderosos.</p><p>Essa impressão de poder cria na cabeça do pro�ssional algo que vai além</p><p>do conteúdo: cria, mesmo que irracionalmente, uma sensação de ter nas</p><p>mãos um poder que, na verdade, não tem. Daí, parte de sua arrogância, de</p><p>sua prepotência, a presunção de que é o dono – ou a dona – do pedaço. Mas</p><p>todos sabem que, sobre eles, há uma espada chamada “princípios editoriais”,</p><p>que limita seus poderes. E isso abrange principalmente os apresentadores ou</p><p>narradores, amarrados pelo teleprompter, lendo textos que, em geral, nem</p><p>deles são. E são esses os jornalistas mais cultuados.</p><p>Sendo a linguagem o fato mais determinante da espécie humana, onde os</p><p>indivíduos se identi�cam como seres sociais – e a palavra o princípio da</p><p>Criação –, como explica Cebrián em seu Pianista,</p><p>talvez se deva a isso o endeusamento injusti�cado de vários comunicadores</p><p>famosos do rádio e da televisão, que costumam mirar o próprio umbigo com uma</p><p>satisfação parecida com que o Supremo Artí�ce experimentou ao descansar</p><p>depois de completar a Criação32.</p><p>Em busca de alternativas</p><p>Uma estrada bastante sonhada pelos jornalistas é também tomar conta do</p><p>próprio negócio, abrindo – em total solidão ou em sociedade – uma agência</p><p>de comunicação. Essas agências funcionam, como muitos dizem, no</p><p>contrapé do Jornalismo: o Jornalismo faz perguntas, as agências – como as</p><p>assessorias de imprensa – procuram apenas dar respostas convenientes.</p><p>Contudo, elas pagam bem e, de certa forma, des�guram o papel do</p><p>jornalista, usando e abusando de sua técnica e de seu conhecimento. Uma</p><p>alternativa também é tornar-se consultor de comunicação para empresas,</p><p>empresários e políticos – mas isso depende do talento de cada um. O</p><p>jornalista Mário Rosa é o exemplo mais fulgurante desse caso.</p><p>Empresas como a FSB (iniciais de seu dono, Francisco Soares Brandão) ou</p><p>a CDN (Companhia de Notícias, de João Batista Rodarte, agora associado ao</p><p>Grupo ABC, do publicitário Nizan Guanaes), as maiores agências de</p><p>comunicação do Brasil, vão atrás de jornalistas de peso, experientes, para</p><p>formar seus quadros, pagando bem, mas exigindo muito. Os jornalistas se</p><p>despem de sua história pro�ssional e ativam seus contatos, comandam</p><p>enormes assessorias de imprensa, ou ensinam executivos ou políticos como</p><p>vencer as barreiras da comunicação – o que, como, quando dizer, a postura,</p><p>os gestos, as palavras adequadas, o chamado media training. Em</p><p>determinado momento, isso virou uma febre entre empresários e políticos.</p><p>Não são, porém, esses “fatores externos” que infernizam a vida dos</p><p>jornalistas. Todos os pro�ssionais conhecem muito bem o terreno em que</p><p>pisam. Até mesmo as empresas de media training os apresentam a seus</p><p>clientes, para esclarecer a eles, os clientes, o caminho que devem seguir. Em</p><p>uma extensa reportagem da revista Piauí, n° 111, de dezembro de 2015, o</p><p>jornalista Luiz Maklouf Carvalho deu um panorama sobre a atuação das</p><p>agências de comunicação no país, bem como sua in�uência no noticiário.</p><p>Na reportagem, Carvalho escreveu o seguinte parágrafo, ao falar da</p><p>apresentação que as agências fazem a seus clientes, utilizando uma série de</p><p>slides de PowerPoint – na verdade, a versão deles do que seria de fato o</p><p>jornalista:</p><p>O 16º [slide] de�ne o jornalista brasileiro como ‘um pro�ssional sob pressão!!! do</p><p>chefe (resultados), do tempo (imediatamente), da informação (exclusividade)’. O</p><p>seguinte enumera suas características: ‘Formação pro�ssional de�ciente,</p><p>especialista em generalidades, mal remunerado e sobrecarregado, sem</p><p>experiência,</p><p>mas, às vezes, age como se fosse o expert’33.</p><p>É a maneira que as agências encontraram para colocar o jornalista em um</p><p>lugar diante do cliente, para, de certa forma, abafar o medo que os</p><p>executivos em geral têm dessa raça cruel, implacável e mal-humorada,</p><p>chamada jornalista. Ou seja, como se não bastassem todos os itens</p><p>relacionados pelas agências (pressão do chefe, tempo e informação</p><p>exclusiva), o jornalista também tem de lutar bravamente contra o lobby das</p><p>agências e de executivos treinados para driblar a informação. Essa é a</p><p>imagem que se procura construir – ou desconstruir – do pro�ssional de</p><p>Jornalismo.</p><p>Outra escolha que o jornalista de televisão tem feito para abastecer um</p><p>pouco mais a conta bancária – e assim ter uma poupança para garantir um</p><p>futuro razoável – consiste em abandonar a pro�ssão e se jogar nos braços do</p><p>entretenimento, na apresentação de programas, na condução dos chamados</p><p>reality shows (ou realities). Isso lhe dá a possibilidade de se tornar garoto ou</p><p>garota-propaganda de algum produto ou instituição – o que rende outro</p><p>belo pé de meia –, além de dar uma boa escovada no ego, ser popular para o</p><p>distinto público. Mas, para isso, é preciso cultivar uma rede de amizades na</p><p>direção das empresas e, claro, ter como base algum talento (sempre).</p><p>Cito novamente os casos de sucesso, como Fausto Silva, com longa</p><p>passagem como repórter de campo pelo Jornal da Tarde e pelo Bom Dia São</p><p>Paulo – infelizmente não cruzei com ele em minha passagem pelo Bom Dia;</p><p>ele chegou depois. Fátima Bernardes, Tiago Leifert, todos que um dia foram</p><p>jornalistas, mas que acabaram se descobrindo apresentadores ou animadores</p><p>de auditório, e hoje contabilizam um contracheque que nada tem a ver com</p><p>a realidade do jornalista.</p><p>E esse é o pano de fundo da pro�ssão: é preciso aumentar a renda mensal.</p><p>O jornalista tem formação de�ciente porque a faculdade que cursou é</p><p>de�ciente. Em geral, não apresenta como é de fato a redação de um jornal,</p><p>de uma rede de TV, de uma rádio, e o currículo de seus cursos pouco tem a</p><p>ver com a realidade do chão da fábrica de notícias. Nem com a truculência</p><p>pela busca de informações, nem com o ambiente inóspito da redação, suas</p><p>cobranças, seus vícios, suas idiossincrasias, seus manuais limitadores.</p><p>Anos atrás, o instrumento mais à mão para se conseguir aumento de</p><p>salário para sair do sufoco era a paralisação, a greve. Mas os sindicatos de</p><p>jornalistas nunca foram tão fortes para isso. Em geral, eles iam na esteira do</p><p>sindicato dos grá�cos, esses, sim, essenciais para a publicação dos jornais.</p><p>Hoje, os grá�cos também estão em baixa e, por efeito cascata, prejudicaram</p><p>ainda mais a iniciativa dos protestos.</p><p>A última grande greve da categoria foi a de 1979, contaminada pelo</p><p>processo de greves de�agradas no ABC Paulista. Durou 22 dias e deixou</p><p>profundas marcas entre os jornalistas. Porém, deu em nada. Queríamos</p><p>aumento de 25%, além de reposição salarial de 34,1% – Del�m Netto havia</p><p>falsi�cado os dados sobre a in�ação – e imunidade para os representantes</p><p>sindicais nas redações. Os grá�cos não aderiram.</p><p>Eu havia acabado de sair de O Estado e era repórter da TV Globo de São</p><p>Paulo. Fui fazer piquete na porta do Estadão, já na Marginal, e lá pude ver de</p><p>perto os ônibus entrando com fura-greves que iriam fazer o jornal do dia</p><p>seguinte. Pelo menos 20% dos jornalistas furaram a greve, e os jornais</p><p>saíram normalmente. Ficamos sem o aumento – os donos das empresas</p><p>propuseram 16% de adiantamento, que foi recusado pelas assembleias – e</p><p>muitos perderam o emprego.</p><p>Têm razão os que enveredam, em algum momento, pelos caminhos que</p><p>levam a atividades alternativas, mesmo que estas descaracterizem a</p><p>pro�ssão. Eu mesmo trabalhei alguns anos em assessorias de imprensa. O</p><p>site norte-americano Career Cast (www.careercast.com) publica</p><p>periodicamente o ranking das piores pro�ssões de um ano determinado, e o</p><p>Jornalismo vem ganhando com folga. Foi a pior pro�ssão em 2016 e em</p><p>2017. Dentro da pro�ssão, os mais estressados são os repórteres de jornal,</p><p>seguidos pelos pro�ssionais de rádio e TV.</p><p>Para elaborar a pesquisa, o Career Cast leva em consideração os baixos</p><p>salários, as previsões para o futuro e os altos níveis de estresse. Os jornalistas</p><p>ganham até dos lenhadores, uma pro�ssão considerada penosa pelos norte-</p><p>americanos. Claro, é uma lista baseada em pesquisa feita nos Estados</p><p>Unidos, onde os jornalistas ganham em média 37 mil dólares por ano.</p><p>Em 2014, o jornalista norte-americano Scott Reinardy entrevistou mais de</p><p>1.500 jornalistas de 142 periódicos para saber um pouco mais sobre a</p><p>pro�ssão, suas insatisfações, seus níveis de estresse. Mesmo sem saber o que</p><p>de fato estava ocorrendo no setor, ele pôde sentir com antecipação as</p><p>mudanças que estavam para acontecer na área e como as empresas de</p><p>comunicação já caminhavam para uma transformação profunda.</p><p>Reinardy ouviu histórias que nem imaginava – histórias de ansiedade, de</p><p>incerteza, de esgotamento. Publicou tudo no livro Journalism’s Lost</p><p>Generation: e Un-Doing of U.S. Newspaper Newsrooms (“A geração perdida</p><p>do Jornalismo: o desmanche das redações dos jornais norte-americanos”, em</p><p>tradução livre). Há um capítulo especí�co sobre a síndrome de Burnout, o</p><p>esgotamento físico e emocional que tem apresentado inúmeros exemplos</p><p>nas redações.</p><p>No início de 2016, Scott Reinardy falou sobre seu livro à Revista da</p><p>Universidade Columbia, deu detalhes sobre sua pesquisa e contou sobre suas</p><p>constatações. “Eu chamaria o que está acontecendo de depressão</p><p>organizacional. Os jornalistas não perdem só o emprego. Eles perdem a</p><p>carreira e até uma parte da identidade”34.</p><p>Falou também dos novos jornalistas que estão chegando em grande</p><p>quantidade às redações. Constatou que as novas gerações chegam, mas nada</p><p>sabem sobre a cultura e os posicionamentos dos jornais.</p><p>Eles chegam com perspectivas diferentes das coisas. Sabem lidar com ferramentas</p><p>multimídia e mídias sociais, mas precisam aprender sobre a profundidade e</p><p>qualidade da reportagem. Será que eles só se interessam em conseguir mais</p><p>cliques e não se preocupam em fazer outras duas ou três ou quatro entrevistas</p><p>para melhorar o material35?</p><p>O estresse como parceiro</p><p>O jornalista é considerado um cidadão que vive no limite de suas forças,</p><p>exercendo uma das pro�ssões de maior desgaste físico e mental. A</p><p>Sociedade Brasileira de Cardiologia tem uma pesquisa que mostra que 21%</p><p>dos jornalistas são hipertensos, enquanto nas demais pro�ssões esse número</p><p>chega a 12%. É uma situação bem próxima ao do estressado piloto de avião.</p><p>O número de jornalistas que vivem exauridos, fatigados e, pior, no limite do</p><p>infarto, é muito grande.</p><p>E por que tanto estresse?</p><p>Poderíamos tomar as estatísticas apavorantes, como as que são divulgadas</p><p>periodicamente pelo Comitê para a Proteção de Jornalistas, com sede em</p><p>Nova York. O relatório publicado pela organização em 2015, por exemplo,</p><p>revelou que 69 jornalistas foram mortos em plena atividade, 6 deles no</p><p>Brasil – o terceiro da lista –, um país sem guerras, ao menos as</p><p>tradicionais36.</p><p>Em outubro de 2018, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo</p><p>(Abraji) divulgou a informação de que 137 jornalistas foram vítimas de</p><p>alguma forma de agressão, desde o começo do ano. Tudo como</p><p>consequência do clima político instaurado no país. Foram registradas 62</p><p>agressões físicas e 75 praticadas pela internet37.</p><p>São evidentes os sintomas de desprezo pela democracia, como a�rmou a</p><p>própria nota da Abraji. Como disse uma jornalista agredida: “Radicais</p><p>precisam diferenciar opinião de trabalho pro�ssional”.</p><p>Nunca é difícil lembrar de mortes cruéis de jornalistas em plena função,</p><p>como a do repórter investigativo Tim Lopes, sequestrado, torturado e</p><p>assassinado quando fazia uma reportagem sobre o abuso sexual de menores</p><p>e o trá�co de drogas na favela da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, no Rio,</p><p>em 2002.</p><p>Como o caso de Tim, existem outros tantos por este Brasil selvagem,</p><p>covarde e sem pudor. Como o do radialista Gleydeson</p><p>Carvalho, assassinado</p><p>quando apresentava seu programa em uma emissora de Camocim, no</p><p>Ceará, em 2015.</p><p>Ou o caso de Djalma Batata, que apresentava um programa que falava de</p><p>crimes e política. Foi encontrado morto com 15 tiros na margem de uma</p><p>estrada em Timbó, a 100 quilômetros de Salvador, também em 2015.</p><p>Não é apenas isso.</p><p>O estresse a que o jornalista é exposto diariamente causa efeitos que,</p><p>muitas vezes, são sentidos ao longo de anos.</p><p>E de onde vem esse estresse?</p><p>Ele chega de todas as partes, mas principalmente do clima hostil que</p><p>existe entre as pessoas que têm di�culdade extrema de aceitar a opinião do</p><p>outro. Ou que têm motivos de sobra para deixar nas sombras as artimanhas</p><p>de que participam.</p><p>Por isso, as estatísticas e os debates não param: todos os anos, órgãos</p><p>internacionais, e aqui mesmo do Brasil, mostram que o perigo anda no</p><p>ar, e fugir dele está cada vez mais difícil. Em 2016, a ONU até criou o Dia</p><p>Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas,</p><p>celebrado em 2 de novembro de cada ano.</p><p>A ideia dessa comemoração, se é que podemos chamar assim, foi</p><p>concebida a partir de um relatório, publicado a cada dois anos pela Unesco,</p><p>que trata da “Segurança de jornalistas e o perigo da impunidade”, no âmbito</p><p>do Conselho Intergovernamental do Programa Internacional para o</p><p>Desenvolvimento da Comunicação (PICD).</p><p>Embora seja uma forma burocrática de tratar um assunto tão dramático e</p><p>urgente, esse relatório vem revelando fatos interessantes, como o que aponta</p><p>que menos de um em cada dez casos de jornalistas assassinados é resolvido</p><p>pelos sistemas judiciários. E nem sempre há boa vontade dos países quanto a</p><p>informar suas estatísticas à direção-geral da Unesco. Em 2016, os números</p><p>mostravam que um terço dos países solicitados não deu resposta à</p><p>Organização.</p><p>Em um artigo de 2012, publicado no Estadão, o professor e jornalista</p><p>Eugênio Bucci dissertou sobre os assassinatos de jornalistas e informou que,</p><p>em 20 anos, 70% dos crimes cometidos contra esses pro�ssionais jamais</p><p>foram esclarecidos. São crimes, segundo ele, cometidos por tra�cantes de</p><p>drogas, chefes de milícias e autoridades corruptas. E faz a seguinte pergunta:</p><p>por que matar jornalistas38?</p><p>Não se pode dizer que a coloração política – de direita, esquerda, ou as</p><p>extremas – determina o grau de agressão aos jornalistas, o que está</p><p>diretamente ligado à existência ou não da liberdade de expressão. Não</p><p>importa o regime político: quem está no poder quer lá permanecer e, para</p><p>isso, usa de todos os meios – legais e ilegais, éticos ou não, todas as tramoias</p><p>disponíveis ou criadas.</p><p>Como se vê, o jornalista vive eternamente sob pressão. Ninguém tem ideia</p><p>do que é a correria de uma redação, em especial na hora do fechamento da</p><p>edição, quando os nervos estão à �or da pele e todos lutam contra o relógio.</p><p>É assim, seja em um jornal impresso, seja na televisão. A vantagem da</p><p>televisão é que tem a ajuda do “vivo”: se uma reportagem for atropelada</p><p>pelos fatos, pode-se jogar o/a repórter ao vivo, que ele ou ela atualize o</p><p>assunto e coloque as coisas no lugar, como o pistão na ga�eira, na famosa</p><p>canção de Billy Blanco, na voz de Moreira da Silva.</p><p>Mas a pressão não é apenas essa. O jornalista – e o Jornalismo de forma</p><p>geral – vive pressionado pelos interesses de todos aqueles que não querem</p><p>que suas trapaças sejam descobertas. As manchetes dos jornais não cansam</p><p>de atualizar as estatísticas das atrocidades cometidas contra jornalistas. A</p><p>cada ano, elas não param de crescer e, ao que parece, não há punição que as</p><p>segure. O que campeia, de fato, é a impunidade.</p><p>Na verdade, o número de jornalistas assassinados no Brasil equivale ao de</p><p>países em situação de guerra. Só que, aqui, os pro�ssionais atuavam em</p><p>casos de corrupção que não poucas vezes envolviam políticos. Desde 1992</p><p>até a última estatística de 2015, 37 pro�ssionais haviam sido mortos no</p><p>Brasil, em geral no interior do país, ou em cidades em torno das grandes</p><p>metrópoles – fora os que morreram nos grandes centros.</p><p>Em dezembro de 2015, a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) mostrou</p><p>outros números para detectar o mesmo problema. A Organização disse que</p><p>67 jornalistas foram mortos naquele ano no exercício da pro�ssão – só que</p><p>43 morreram por motivos que, na ocasião, ainda não haviam sido</p><p>elucidados. Mas também a�rmou que 787 foram assassinados desde 2005, o</p><p>que mostra que as iniciativas dos organismos internacionais para a proteção</p><p>desses pro�ssionais falharam.</p><p>A RSF considerou que em 2015, no Brasil, foram mortos três jornalistas –</p><p>em Ponta Porã (Mato Grosso do Sul), em Camocim (Ceará) e em Conceição</p><p>da Feira (Bahia). Mas a ONG preferiu não computar as mortes de jornalistas</p><p>com causas ainda não esclarecidas. De qualquer forma, são números</p><p>expressivos que mostram o �o desencapado sobre o qual se equilibram os</p><p>pro�ssionais39.</p><p>O relatório da Press Emblem Campaign (PEC), ONG com sede em</p><p>Genebra, também do �nal de 2015, colocou o Brasil como o sexto país em</p><p>quantidade de mortes de jornalistas no mundo. O levantamento mostra que</p><p>sete jornalistas foram mortos em 2015. Segundo a entidade, em cinco anos,</p><p>35 jornalistas foram assassinados no país; no topo da lista estavam Síria (86),</p><p>Paquistão (55), Iraque e México (46 cada um) e Somália (42)40.</p><p>Durante os 12 meses de 2015, foram mortos 128 jornalistas em 31 países.</p><p>Além das mortes do Charlie Hebdo, uma das mais comentadas foi a do</p><p>japonês Kenji Goto, na Síria, pela organização Estado Islâmico (El ou Isis).</p><p>O estudo explica que metade das mortes foi cometida por grupos terroristas</p><p>ou organizações criminosas.</p><p>Os números não param de se atualizar. Trago aqui alguns, mais perto de</p><p>nós: no �nal de 2020, um ano dramático em vários sentidos, o relatório</p><p>anual do Comitê de Proteção dos Jornalistas anotou que o número de</p><p>pro�ssionais mortos mais que dobrou. Pelo menos 21 repórteres foram</p><p>mortos como consequência direta do seu trabalho. E ao menos 30, no</p><p>mundo todo, por causas variadas41.</p><p>Mais uma vez, não se pode condenar governos de direita ou de esquerda.</p><p>A barbárie é generalizada. O México foi o país mais mortal, mas também</p><p>ocorreram execuções no Afeganistão, no Irã e nas Filipinas. Os governantes</p><p>se defendem e atacam os jornalistas. Todos se acham injustiçados e dizem</p><p>que jamais foram tão atacados. Defendem a liberdade de expressão, mas</p><p>aceitam poucas críticas. E a crescente impunidade dos autores dos crimes só</p><p>faz aumentar o número de ataques.</p><p>A guerra é logo ali</p><p>Um dos maiores atrativos da pro�ssão de jornalista é tornar-se</p><p>correspondente internacional. Há, ainda, os que gostariam de se atirar na</p><p>aventura do enviado para cobrir uma guerra, por exemplo. Mesmo sem</p><p>saber o que isso signi�ca, a extensão da empreitada.</p><p>Silio Boccanera, um dos melhores jornalistas produzidos pela safra de</p><p>pro�ssionais brasileiros, conta em seu depoimento para o livro</p><p>Correspondentes, da Memória Globo, que o medo é o que baliza as situações</p><p>tensas: “Ele orienta, dá uma base de até onde podemos ir, dá um prumo para</p><p>não fazermos besteira”42.</p><p>Mas, por trás do medo, há uma realidade que poucos imaginam que possa</p><p>acontecer. Poucos estão preparados para enfrentar o desconhecido, como</p><p>montar um escritório de jornal ou televisão em uma terra estranha, com</p><p>condições precárias; ou enfrentar os morteiros de uma guerra, o que nunca é</p><p>gentil.</p><p>No livro Depois do front: os traumas psicológicos dos jornalistas que cobrem</p><p>con�itos, as jornalistas Giuliana Tenuta e Paula Saviolli narram as façanhas</p><p>de vários jornalistas que viveram a experiência de con�itos ou passaram por</p><p>situações extremadas, com suas consequências físicas e psicológicas. No</p><p>entanto, as autoras ressaltam que os efeitos variam de pessoa para pessoa, e</p><p>que tudo depende da resiliência de cada um. E resiliência é a quantidade de</p><p>tensão e de estímulo que uma pessoa consegue receber sem o seu organismo</p><p>se desorganizar.</p><p>O que distingue o jornalista de guerra de outras pro�ssões é a repetida exposição</p><p>ao perigo.</p><p>E o fato de os jornalistas não serem educados em como reagir à</p><p>violência, como fazem os policiais e soldados, teoricamente, os torna mais</p><p>propensos a serem vulneráveis a consequências conturbadoras de perigo43.</p><p>Um passo importante seria a criação de um modal permanente de auxílio</p><p>psíquico para os pro�ssionais que enfrentam essas adversidades, sejam elas</p><p>de qualquer nível – enfrentar de peito aberto um con�ito ou mesmo encarar</p><p>o desconhecido em terra estrangeira. As empresas, de modo geral, oferecem</p><p>um tipo de atendimento mais imediato, mas seu caráter deveria ser</p><p>permanente. Principalmente o atendimento psicológico, ou até mesmo</p><p>psiquiátrico.</p><p>A Universidade Columbia acolhe em uma de suas dependências o Dart</p><p>Center for Journalism and Trauma, organização que começou bem pequena</p><p>na Universidade de Washington e que cresceu bastante após o atentado às</p><p>Torres Gêmeas, em 2001. O Centro oferece vários serviços, como o preparo</p><p>de jornalistas para cobrir situações difíceis de violência, guerras e catástrofes</p><p>naturais. E suas atividades vão além: publica estudos investigativos,</p><p>desenvolve estudos de caso e presta consultoria a organizações de imprensa.</p><p>David Klatell, um dos diretores da Columbia Journalism School e que</p><p>trouxe o Dart Center para sua universidade, escreveu um artigo para a</p><p>Revista de Jornalismo ESPM, no qual apresenta o Centro, mas ao mesmo</p><p>tempo lamenta sua existência e seu crescimento:</p><p>É ótimo que o Dart Center ofereça serviços tão importantes, mas é péssimo que a</p><p>necessidade desse apoio siga crescendo e superando nossa capacidade de lidar</p><p>com tantos problemas. Não se trata apenas do fato de que jornalistas tenham de</p><p>testemunhar muita coisa desagradável, não raro chocante. Com mais e mais</p><p>frequência, o próprio jornalista está sofrendo na pele e sendo alvo de maus-tratos,</p><p>encarceramento, tortura e até morte44.</p><p>Klatell cita exemplos das a�ições de jornalistas em vários países, como</p><p>Egito, Irã, China, Venezuela, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos, de</p><p>episódios perturbadores, e de como é difícil retornar à realidade, a uma vida</p><p>normal, perceber que nada mudou, até mesmo se questionar se seu trabalho</p><p>valeu a pena, como acontece com um soldado que esteve em combate.</p><p>E não é preciso cobrir um evento de guerra para apresentar esse</p><p>sentimento. Não foram poucas as vezes que presenciei companheiros que</p><p>passaram anos cobrindo acontecimentos no exterior, com di�culdades para</p><p>adaptação na volta.</p><p>Diz Klatell em seu artigo:</p><p>Volta e meia, é isso o que o jornalista de volta ao trabalho normal parece sentir</p><p>em relação aos colegas e ao próprio meio de comunicação para o qual trabalha</p><p>(que, de forma geral, está perdendo in�uência e importância entre o público ou</p><p>demitindo gente). O aconselhamento pelos pares é, portanto, uma nova e</p><p>importante iniciativa do Dart Center, que espera fortalecer a cultura de aceitação</p><p>e apoio no seio de organizações de mídia45.</p><p>Mas o objetivo pro�ssional do jornalista, na verdade, dá pouca</p><p>importância para as consequências do que poderia advir de um embate</p><p>cruel. Rodrigo Lopes, jornalista gaúcho que teceu sua vida pro�ssional</p><p>praticamente toda na RBS, narra em seu livro Guerras e tormentas: diário de</p><p>um correspondente internacional o frisson imenso de assistir à explosão de</p><p>uma bomba do seu lado. Rodrigo conta histórias de várias coberturas,</p><p>inclusive os con�itos no norte de Israel e no sul do Líbano:</p><p>Um foguete explode a cerca de um quilômetro da estrada onde estou. O chão</p><p>treme. Os joelhos tremem. Sinto vontade de deitar no chão, como se isso</p><p>diminuísse a chance de eu ser atingido. [...] Esse é o ritual da guerra. Quem o</p><p>vivencia, não esquece...46</p><p>É a realização de um sonho: ser correspondente, cobrir uma guerra e,</p><p>mais do que isso, ao vivo! Para isso, as empresas de comunicação contam</p><p>com os devaneios de quem curte essas aventuras perigosas, de estar em um</p><p>lugar de onde outros querem sair, de ter um lugar na história.</p><p>Foi o que aconteceu com o jornalista português Carlos Fino, que cobriu ao</p><p>vivo o começo da Guerra do Golfo para sua Rádio e Televisão de Portugal</p><p>(RTP) – e conta isso em seu livro A guerra ao vivo –, passando por cima das</p><p>poderosas CNN e BBC: às 5 e meia da manhã, depois de um dia estafante e</p><p>de uma longa transmissão para Lisboa, os bombardeios começaram em</p><p>Bagdá e tudo foi religado; a guerra estava no ar, e o jornalista pronto para a</p><p>narrativa, depois de 53 dias de espera.</p><p>É o que faz a pro�ssão ser bela e sedutora: não importam as atrocidades</p><p>nem os perigos que se corre – o jornalista quer ser o primeiro a dar a</p><p>informação, e disso se valem as che�as, que brindam o êxito das coberturas</p><p>com um texto de exaltação ou 15 dias de férias. O reconhecimento é a glória</p><p>maior do pro�ssional.</p><p>De minha parte, a guerra mais próxima que tive, em real campo de</p><p>batalha, foi na con�agração impetuosa – tomadas todas as dimensões –</p><p>entre metalúrgicos do ABC e a Polícia Militar de São Paulo. Foi a época</p><p>(1979) em que o sindicalismo começava a se rea�rmar no Brasil e quando</p><p>despontava a �gura de Lula. Era uma guerra que tínhamos de enfrentar em</p><p>três frentes de batalha: o con�ito propriamente dito, com pedras, paus e</p><p>cassetetes lançados por trabalhadores e policiais – o cinegra�sta Adão</p><p>Macieira e eu passamos por maus bocados nas ruas de São Bernardo do</p><p>Campo; a ojeriza que os metalúrgicos tinham da TV Globo – houve uma</p><p>ocasião em que tombaram um carro de reportagem, com várias ameaças à</p><p>equipe; e a di�culdade de pôr a matéria no ar, convencer a che�a de que era</p><p>preciso contar a história completa na reportagem, e não assistir a apenas 30</p><p>segundos de um texto coberto com imagens, narrando apenas parte do que</p><p>realmente havia acontecido.</p><p>Era a pressão que vinha de cima e pegava todos – das principais che�as</p><p>aos editores e repórteres – em linha reta, de forma vertical, para que fosse ao</p><p>ar apenas parte dos acontecimentos e não a cena completa.</p><p>O mesmo ocorreu na cobertura do movimento pelas Diretas Já, que</p><p>começava a tomar conta do país, nos comícios que se agigantavam, lá pelos</p><p>anos de 1983/1984, como protesto pelo �m da ditadura e, depois, em apoio à</p><p>Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições imediatas e diretas para</p><p>presidente da República. Não havia nenhum sinal de que a emissora cobriria</p><p>o assunto como deveria, o que provocava enorme desgosto, uma revolta em</p><p>toda a redação. Hoje, a TV Globo lamenta que isso tenha ocorrido – como</p><p>lamenta ter apoiado o golpe de 1964 –, e se compadece das atitudes tomadas,</p><p>mas a história não se apaga.</p><p>Apesar de todos esses perigos e ameaças que sofrem os jornalistas,</p><p>inclusive físicas, atualmente as redes sociais atiçam o ser humano e criam a</p><p>oportunidade para aqueles que vivem engaiolados nos limites das empresas</p><p>e que ganham a chance de se mostrar perante todos, de mostrar que não são</p><p>meros interlocutores dos patrões.</p><p>Mas aqui �ca – talvez como um alento, como uma inspiração – o</p><p>pensamento de Lillian Ross, a jornalista norte-americana que ousou criar</p><p>um novo tipo de Jornalismo, que se aproxima de um estilo mais apropriado</p><p>à literatura.</p><p>Lillian, que celebrava a discrição na hora de captar suas informações,</p><p>como se fosse uma mosquinha na parede, a�rmava que a atenção dos</p><p>jornalistas “deve estar o tempo todo voltada para o assunto, não em você. Não</p><p>chame a atenção, nunca”. Mais que isso. Ela dizia que ser um bom repórter</p><p>– e acrescento: não �car se mostrando nas redes sociais e sendo motivo de</p><p>fofoca como pretensas celebridades – é dançar como Fred Astaire, sem</p><p>deixar que o público perceba como são difíceis os seus passos47.</p><p>26 Genestreti, 2018.</p><p>27 Deutsche Welle, 2011.</p><p>28 Cebrián, 2009, p. 85.</p><p>29 Ramonet, 2011.</p><p>30 Villas-Bôas Corrêa, 2002, p. 45 e 49.</p><p>31 Bauman, 2007, p. 13.</p><p>32 Cebrián, 2009, p. 133.</p><p>33 Carvalho, 2015, p. 16.</p><p>34 Lee, 2016, p. 45.</p><p>35 Idem, p. 46.</p><p>36 Lee, 2016, p. 44.</p><p>37 Portal Imprensa, 2018.</p><p>38 Bucci, 2012.</p><p>39 Agência Brasil, 2015.</p><p>40 Chade, 2015a.</p><p>41 CPJ, 2020.</p><p>42 Rede Globo de Televisão,</p><p>2018, p. 162.</p><p>43 Tenuta; Saviolli, 2016, p. 120.</p><p>44 Klatell, 2015, p. 12.</p><p>45 Idem, p. 13.</p><p>46 Lopes, 2011, p. 120.</p><p>47 Meireles, 2017.</p><p>C</p><p>9</p><p>O glamour se desmancha no ar</p><p>. . .</p><p>omo eu disse páginas atrás, quando eu apresentava o Bom Dia</p><p>Brasil, era colocado todos os dias em um nível vigoroso de tensão –</p><p>situação que só é notada quando o mal vem à tona. Eu me apanhei</p><p>certa manhã com uma taquicardia absurda, que me impediu de apresentar o</p><p>jornal. Ofegante, eu não conseguia falar, respirava com di�culdade. E tive de</p><p>ser amparado pela jornalista que partilhava comigo a bancada do jornal,</p><p>Claudia Miani, que tomou as rédeas do programa.</p><p>Fui direto da emissora para o hospital, mas os exames nada revelaram de</p><p>mais importante: puro estresse, puro esgotamento e estafa. Tirei férias</p><p>imediatamente.</p><p>Como este caso particular existem diversos, provocados por um nível de</p><p>tensão que vai além do charme, da exuberância de uma pro�ssão</p><p>maravilhosa, mas que exige muito do pro�ssional. Principalmente sangue</p><p>frio e entrega total.</p><p>A redação, tanto de um jornal quanto da TV, é um caldeirão de emoções,</p><p>de sentimentos os mais diversos – euforia, apreensão, decepção, alegria,</p><p>frustração, tensão permanente, pelo que está impresso, pelo que vai ao ar,</p><p>pela dúvida sobre a notícia que se tem, se é a certa, se é falsa, se os</p><p>concorrentes de outras publicações também a tem, se tudo vai ser feito a</p><p>tempo e ao gosto da che�a. Há uma insegurança geral no ar, mas isso faz</p><p>parte do cardápio que mantém acesa a chama do Jornalismo. O distinto</p><p>público �ca longe de toda essa trama. Mas a plateia sente, percebe quando</p><p>um jornalista �ca ausente por muito tempo, ou quando ele some de vez.</p><p>Nestes tempos de crise prolongada, o panorama �ca ainda mais</p><p>dramático. As empresas estão enxugando seus quadros. Artistas de renome e</p><p>jornalistas experientes não estão renovando os contratos e simplesmente</p><p>estão deixando seus empregos, em nome da manutenção de um lucro mais</p><p>sustentável das empresas. O que vale agora é o jornalista barato, que atue em</p><p>várias funções, com pouca experiência e muito entusiasmo.</p><p>É claro que, hoje, boa parte das centenas de jornalistas que são lançados</p><p>pelas faculdades no mercado e vão à procura de emprego encontra na</p><p>televisão a opção dos sonhos, já que o Jornalismo impresso está em plena</p><p>exaustão. A outra opção é o Jornalismo praticado por sites da internet,</p><p>desvinculado das empresas tradicionais. Esse pessoal que está chegando tem</p><p>outra postura. A timidez é a mesma, mas a identi�cação com o meio</p><p>eletrônico é evidente, fruto de uma adolescência vivida por dentro das novas</p><p>mídias, do smartphone, do iPad e de toda essa nova parafernália eletrônica.</p><p>Só há um problema: a telinha, agora digital, expõe muito mais o</p><p>pro�ssional, para o bem e para o mal. Assim, nem sempre o que se aprende</p><p>nos bancos da escola bate com o que é exigido nas redações de verdade.</p><p>Falta experiência, conteúdo e o que podemos chamar de know-how da</p><p>pro�ssão. Não os vícios, mas o conhecimento. Contudo há, certamente,</p><p>exceções deslumbrantes. Pro�ssionais que nasceram para o ofício. Que</p><p>trazem no sangue a naturalidade do pro�ssional.</p><p>Aliás, essa é uma das fraquezas dos novos jornalistas: a formação, o</p><p>conteúdo. Tanto que os principais jornais e revistas montam cursos extras</p><p>para aprimorar os novos pro�ssionais. Isso acontece, por exemplo, no</p><p>Estadão, na Folha, na Veja e, também, na TV Globo. Essas palestras chegam</p><p>na forma de workshops. Na TV Globo, mais de 300 jornalistas já</p><p>participaram desses encontros, com o objetivo de trazê-los à realidade das</p><p>novas tecnologias e também estimular o pensamento criativo, abrindo a</p><p>cabeça deles para a produção de novos conteúdos, novos formatos, em busca</p><p>de um novo público.</p><p>A Folha escancara: chega a divulgar em sua versão digital a realização de</p><p>um Programa de Treinamento em Jornalismo Diário, que já está na 64ª</p><p>edição. Em três meses, ela promete colocar em campo novos jornalistas, com</p><p>aulas de Português, Inglês e Conhecimentos Gerais, o que já deveria estar na</p><p>cabeça do novo pro�ssional, assim que deixou a faculdade. Ou o ensino</p><p>médio. O curso oferece ainda aulas de Jornalismo diário, História, Direito,</p><p>Economia e Língua Portuguesa, com palestras dos principais jornalistas da</p><p>casa. É quase como um novo curso universitário, até porque muitos dos que</p><p>estarão lá jamais passaram de fato por uma Faculdade de Comunicação:</p><p>hoje, não é mais preciso fazer curso de Jornalismo para ser jornalista.</p><p>A questão é que, para ser jornalista, é preciso algo mais do que a pura</p><p>técnica e o conhecimento. É preciso ter no caráter a honestidade, a</p><p>imparcialidade e, antes de tudo, talento para exercer a pro�ssão. Muito se</p><p>aprende na escola, mas o que conta mesmo é a índole.</p><p>Tecnologias: o bem e o mal</p><p>Ultimamente, as novas tecnologias têm ajudado muito os jornalistas, tanto</p><p>os que trabalham em jornais impressos como no rádio ou na televisão. É</p><p>mais rápido receber e transmitir informações. Em contrapartida, a</p><p>concorrência entre pro�ssionais aumentou muito, já que a disputa está na</p><p>linha de quem dá a notícia primeiro. A rapidez, o “dar primeiro a</p><p>informação”, é a vitamina que fortalece o pro�ssional do meio de</p><p>comunicação instantâneo, como as TVs a cabo, os sites de informação, os</p><p>blogs de jornalistas especializados. O furo, o primeiro a chegar, continua</p><p>sendo um dos objetivos centrais da atividade.</p><p>As novas tecnologias, porém, tornadas reais e vivas por meio das redes</p><p>sociais, têm mostrado – em especial aqui no Brasil – que trabalham não</p><p>apenas a favor, mas também contra. Tornaram claro que o Brasil sempre foi</p><p>um país muito violento – para comprovar, é só pegar nossa história, cheia de</p><p>con�itos. As redes sociais apenas aproximaram os guetos cheios de ódio</p><p>para que transbordassem suas paixões. O jornalista e o Jornalismo são alvos</p><p>preferenciais desses rancores.</p><p>E, no meio de todos os agravantes, há um ainda mais curioso, mas não</p><p>menos importante: o jornalista é um ser tímido, reservado, arredio, e que</p><p>adora caçoar de si próprio e da pro�ssão. Ao mesmo tempo, é um</p><p>pro�ssional que precisa estar aberto a todos os ventos do mundo, às</p><p>novidades e às tendências, e imune a preconceitos.</p><p>Juan Luis Cebrián, célebre jornalista espanhol, criador do El País, em seu</p><p>livro O pianista no bordel, brinca com esse atributo dos jornalistas, que</p><p>mistura timidez, desprendimento pelo ofício e bom humor, e não trata o</p><p>Jornalismo como o Quarto Poder, como muitos gostam de tachar. Claro, ele</p><p>não deixa de dar grande importância à pro�ssão, a seu poder, mas a</p><p>condiciona dentro de sua verdadeira posição.</p><p>Cebrián cita, por exemplo, o famoso comentário de Balzac sobre os</p><p>jornalistas: “Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”. E</p><p>confessa a de�nição mais jocosa da pro�ssão, cunhada pelos italianos:</p><p>“Trabalhar é pior”. Marcello Mastroianni, o famoso ator italiano, já falecido,</p><p>falava o mesmo de sua pro�ssão.</p><p>O próprio Cebrián explica o título de seu livro, ao citar um ditado</p><p>popular: “Não digam à minha mãe que sou jornalista, pre�ro que continue</p><p>acreditando que toco piano num bordel”.</p><p>Daí, vemos a passagem espinhosa e custosa do jornalista de imprensa</p><p>escrita para os que trabalham em outras mídias, como a televisão, onde o</p><p>pro�ssional tem de se mostrar por inteiro, contar o fato de viva voz e expor</p><p>sua opinião, se for o caso. Eu mesmo levei praticamente dois anos para me</p><p>reinventar como jornalista de televisão, depois de passar dez anos em um</p><p>veículo impresso.</p><p>As falsas verdades</p><p>Ao mesmo tempo, o jornalista tem de conviver com os amadores da praça,</p><p>os que vivem pendurados nas redes sociais e “publicam” informações que</p><p>nem sempre estão de acordo com a realidade. Quer dizer, são mentiras, as</p><p>atualmente chamadas fake news, que, não raro, são confundidas com a</p><p>realidade. Quanto mais são repetidas, mais se tornam verdade, como</p><p>Goebbels nos ensina.</p><p>As fake news merecem um subtítulo à parte. Não é de hoje que são o</p><p>“assunto do momento”.</p><p>Elas di�cultam o entendimento da realidade,</p><p>confundem o público e atacam diretamente a vida do jornalista, que tem de</p><p>ser esperto o su�ciente para descobrir o que de fato é verdade. Ele precisa</p><p>checar, checar de novo, ouvir o maior número de pessoas, o que, no fundo,</p><p>embaraça o trabalho e provoca perda de tempo. Mas é fundamental</p><p>con�rmar se a notícia é verdadeira. Mais do que sair na frente. É um</p><p>trabalho estressante a mais na vida do pro�ssional.</p><p>Tanto é assim que as mentiras veiculadas pela internet – esse campo ainda</p><p>difícil de vigiar e punir – têm sido a preocupação forte da Justiça. E algumas</p><p>empresas de comunicação têm montado programas para detectar e</p><p>quali�car o que é fato e o que é invenção, geralmente para prejudicar ou</p><p>desquali�car pessoas, e iludir quem lê ou assiste a vídeos falsi�cados.</p><p>Já em 2015, foi criada a Rede Internacional de Veri�cação de Fatos (IFCN,</p><p>na sigla em inglês de International Fact-Checking Network), que está presente</p><p>em 51 países, inclusive no Brasil, com o objetivo de veri�car a verdade dos</p><p>fatos. Não é tarefa fácil, mas a Rede já reúne jornalistas de 79 plataformas de</p><p>checagem em todos os países associados. É um trabalho insano, que obriga o</p><p>jornalista que checa a desnudar o fato e fazer o caminho inverso, até chegar</p><p>à verdade, ouvindo de novo especialistas e retomando todo o processo que</p><p>levou à falsa informação �nal.</p><p>A jornalista Consuelo Dieguez esclarece o assunto em uma ampla</p><p>reportagem na revista Piauí de junho de 2020, com o título “Caçadores de</p><p>mentiras”. E mostra como surgiram invenções e inverdades divulgadas de</p><p>forma irresponsável por governantes do Brasil e do exterior, especialmente</p><p>no rastro da pandemia da covid-19. Tanto que até foi criada uma parceria no</p><p>rastro da Rede Internacional: a CoronaVirusFacts Alliance, uma plataforma</p><p>na qual as informações são traduzidas e colocadas à disposição das demais</p><p>organizações.</p><p>Diuturnamente, os jornalistas veri�cadores da IFCN e da</p><p>CoronaVirusFacts se desdobram para trazer a verdade a todos, para que as</p><p>pessoas em geral não enfrentem pesadelos. Graças a eles, �cou desmentido</p><p>que não eram as redes 5G de telefonia móvel que espalhavam o vírus; que as</p><p>máscaras contra o coronavírus não eram perigosíssimas – pois reduziriam o</p><p>oxigênio do sangue; que os chineses não espalharam o vírus para</p><p>desvalorizar as ações de empresas estratégicas. Da mesma forma, eles</p><p>desmentiram que havia remédios para acabar com o vírus: urina de vaca,</p><p>licor de raki (bebida turca), vitamina C, alho cru, água quente com limão,</p><p>gargarejo com água e sal e outras tantas barbaridades inócuas.</p><p>O trabalho da IFCN é tão fundamental que uma deputada da Noruega,</p><p>Trine Skei Grande, ex-ministra da Educação e da Cultura, indicou a</p><p>entidade ao Prêmio Nobel da Paz. A inspiração da deputada ocorreu</p><p>exatamente durante a pandemia, quando a Rede reuniu 99 veículos em</p><p>quase cem países para monitorar a quantidade enorme de notícias falsas a</p><p>respeito do novo coronavírus. O presidente da entidade, Baybars Örsek,</p><p>comemorou a lembrança para o Nobel, mas sabe que o caminho é longo até</p><p>se chegar à indicação �nal. Porém, ele saudou o trabalho da IFCN,</p><p>lembrando que “fatos importam e checagens podem salvar vidas”.</p><p>O reconhecimento ao Jornalismo independente, porém, veio por outros</p><p>caminhos: o Nobel da Paz de 2021 foi concedido a jornalistas, Maria Ressa,</p><p>das Filipinas – por suas críticas ao governo autoritário de Rodrigo Duterte –,</p><p>e Dmitri Muratov, da Rússia – por ser uma voz ativa que questiona</p><p>bravamente o regime autocrático de Vladimir Putin.</p><p>A advogada Berit Reiss-Andersen, presidente do Comitê do Nobel,</p><p>justi�cou o prêmio, a�rmando que</p><p>o Jornalismo livre, independente e com base em fatos protege contra o abuso de</p><p>poder, as mentiras e a propaganda de guerra. [...] Os dois foram premiados em</p><p>razão da luta corajosa pela liberdade de expressão, uma condição prévia para a</p><p>democracia e pela paz duradoura48.</p><p>As chamadas fake news são, na verdade, uma ameaça ao bom Jornalismo e</p><p>uma pedra a mais no sapato dos jornalistas, que precisam pesquisar e</p><p>conferir muito mais suas informações antes de publicá-las. São um</p><p>obstáculo a mais no caminho dos pro�ssionais sérios. E outro encargo que</p><p>traz as novas tecnologias para o cotidiano do jornalista. Essas novas</p><p>tecnologias ajudam muito, mas seus subprodutos carregam um mundo de</p><p>desa�os.</p><p>Temos, no entanto, de aceitar o fato e combater esse que é um subproduto</p><p>das novas formas de interação na internet, que são as mídias sociais. A</p><p>internet é uma tecnologia de transição – como a eletricidade – e é a partir</p><p>dela que as coisas acontecem. Seus frutos são o Facebook,</p><p>o WhatsApp, o Twitter, o Instagram, além de outras redes que foram</p><p>morrendo pelo caminho. São instrumentos que fazem o papel da velha mesa</p><p>de bar, onde as pessoas apresentam suas opiniões divergentes, seus ódios e</p><p>suas idiossincrasias. Mas com alcance in�nitamente maior, que pode trazer a</p><p>paz ou causar a guerra.</p><p>E talvez nós estejamos apenas no começo do que pode ser uma grande</p><p>tragédia. As campanhas de desinformação podem se massi�car, na medida</p><p>em que os sowares que produzem rios de calúnias e falsas verdades se</p><p>tornem mais baratos e possam ir ao extremo da produção de vídeos falsos</p><p>com pessoas reais, os chamados deep-fakes.</p><p>As inverdades podem ainda se materializar por meio do descaramento de</p><p>governantes que inventam histórias e usam sua suposta credibilidade para</p><p>ao menos colocar em dúvida a honestidade de seus adversários, que se</p><p>tornam inimigos políticos. De tanto repetir mentiras, a opinião pública</p><p>passa a acreditar que a invenção é uma verdade incontestável. Cabe ao</p><p>jornalista desmontar mais essa farsa.</p><p>E por que a opinião pública acredita em mentiras?</p><p>5.Não sou psicólogo, mas o que vemos na prática – e com base em estudos</p><p>de psicólogos – é que as pessoas têm a tendência a acreditar que tudo que se</p><p>publica é verdade. Ou por falta de conhecimento dos fatos ou por má-fé.</p><p>6.Em geral, as pessoas dão crédito a notícias que gostariam que fossem</p><p>verdade, sem se atentar aos detalhes da informação, principalmente se os</p><p>fatos são divulgados por indivíduos em quem essas pessoas con�am.</p><p>7.Há uma predisposição generalizada em se acreditar em fatos sobre os</p><p>quais se tem conhecimento, mesmo que haja armadilhas relacionadas a isso</p><p>na história.</p><p>8.As pessoas con�am nas fontes de forma indiscriminada.</p><p>Steve Coll, reitor de Jornalismo da Universidade Columbia, em visita ao</p><p>Brasil, disse em uma entrevista que a guerra contra as fake news só poderá</p><p>ser ganha quando o jornalista se colocar de corpo e alma na tarefa de</p><p>espantar o mal – o que não é uma guerra fácil. Para isso, o jornalista tem de</p><p>ser cada vez mais independente, plural, relevante e transparente. São essas</p><p>as suas armas.</p><p>E ele também tem de lutar contra a falta de con�ança que ronda a</p><p>imprensa tradicional.</p><p>Acho que isso ocorre, em parte porque estamos, como sociedade, nos tornando</p><p>cada vez mais divididos e sectários. Acredito que a ruptura econômica e social</p><p>causada pela tecnologia, e pela internet em especial, tem piorado isso. Estamos</p><p>cada vez mais fechados em tribos, de�nidos por ideologias de grupo49.</p><p>Há também algumas regrinhas que devem ser obedecidas para identi�car</p><p>as fake news. Vamos citar algumas:</p><p>1.Devemos habitualmente ser críticos, e este deve ser o costume do</p><p>jornalista – duvidar sempre.</p><p>2.Investigar as fontes e os URLs, que são os Localizadores Uniformes de</p><p>Recursos, a “carteira de identidade” – são sites ou blogs.</p><p>3.Con�rmar as datas e as evidências.</p><p>4.Comprovar a credibilidade dos URLs – conhecer sua reputação e sua</p><p>credibilidade.</p><p>5.Checar se a história é uma farsa, uma brincadeira, ou se é real.</p><p>Porém, a existência cada vez mais intensa de blogs e notícias transversas</p><p>não deixa de ser um ingrediente perverso nesta luta diária para dar ao</p><p>público a informação que deve ser dada, o mais próximo possível da</p><p>realidade. Há forças poderosas que não admitem que a verdade verdadeira</p><p>venha</p><p>chegar, assim, à seguinte conclusão desta apresentação, que é a</p><p>base deste livro: o modo de fazer Jornalismo mudará – já está mudando –,</p><p>mas o papel do jornalista, não. O primeiro papel do jornalista é manter a</p><p>sociedade atenta e informada, de maneira cada vez mais fácil de ser</p><p>assimilada. Ou seja, não pode, de forma alguma, estar limitado às paredes</p><p>das redações.</p><p>A tendência atual do Jornalismo é que seja praticado em outra dimensão,</p><p>longe do formalismo das redações e dos padrões formatados e com fórmula</p><p>consagrada. O rumo que ele deve tomar é o do compartilhamento, tanto</p><p>quanto possível on-line, ao vivo, no momento em que tudo está</p><p>acontecendo, longe das fórmulas e das pasteurizações consagradas. Mudarão</p><p>os velhos jornais impressos e os tradicionais telejornais. São formas antigas,</p><p>capengas, atropeladas diariamente por fatos que todos já conhecem e que</p><p>não têm mais o conhecido charme do segundo milênio. Mudamos de</p><p>milênio e de patamar.</p><p>O depoimento que segue é de alguém que acompanhou as modi�cações</p><p>na cara das redações, masculinas, que viviam envoltas em fumo e angústias,</p><p>em ambiente analógico e barulhento, que se tornou mais silencioso e</p><p>asseado – o lixo agora é outro. Com a eterna pressão, mas muito mais veloz e</p><p>competitivo, mais próximo da sociedade e seguramente mais tenso.</p><p>A sociedade precisa saber o que há por trás da notícia que chega até ela,</p><p>com toda sorte de pressão e opressão. E como os jornalistas estão lutando</p><p>pelas novas formas de dar a informação, que tem de chegar de forma mais</p><p>rápida e ser verdadeira, com chance de proporcionar a escolha de opiniões.</p><p>Sem papel, mas com a certeza de estar fazendo a coisa certa.</p><p>1 Shirky, 2008, p. 58.</p><p>2 Siqueira, 2010a.</p><p>A</p><p>2</p><p>O parque dos dinossauros</p><p>. . .</p><p>primeira impressão, confesso, foi de espanto, beirando o</p><p>deslumbramento. Uma sala enorme, que parecia não ter �m, quase um</p><p>galpão, entremeado de colunas, muita poeira e fumaça de cigarro. Não era</p><p>de fato um ambiente salubre, mas tinha algo de mágico, pelo menos para um</p><p>encantado jornalista com pouco menos de cinco anos de pro�ssão. A</p><p>redação do Estadão, nos anos 1970, ainda na Rua Major Quedinho, Centro</p><p>de São Paulo, era o padrão, o arquétipo do que eram as redações dos jornais</p><p>brasileiros: suja, barulhenta, com gente que se movia lentamente, tensa, com</p><p>pouco bom humor e tremores na alma. O Jornalismo era ainda uma</p><p>pro�ssão boêmia, pro�ssão dos que se perdiam pela noite, adoravam um</p><p>copo e um cigarro, diferente do que se vê hoje. Ali era o verdadeiro parque</p><p>dos dinossauros, mas alguma coisa já estava mudando.</p><p>A imagem que �cou na lembrança é a de um lugar com cheiros diversos,</p><p>ácidos, azedos, fedidos, de tinta de máquina de escrever, de papel úmido, de</p><p>fumo, de hálitos impuros, que grudavam na roupa, no corpo, em todos os</p><p>pelos – um odor profundo que jamais se esquece, que �ca impregnado no</p><p>osso e é impossível de�nir com exatidão. O cheiro da vida que se leva,</p><p>tropeçando no que é notícia, no que é invenção, história, calhordice,</p><p>máculas eternas que saturam e moldam a existência. Cada palavra, cada</p><p>gesto, cada baforada de cigarro podre – era normal, corriqueiro e quase</p><p>obrigatório o fumo na redação – tinham um poder inenarrável de se</p><p>transformar em in�nito e se tornar belo. Até as velhas mesas, as gavetas</p><p>emperradas, guardavam nas tampas oleosas a gordura do ar viciado, das</p><p>mãos sujas, do bafo carregado de nicotina, de tensão, que habitava o</p><p>ambiente.</p><p>Os fantasmas que percorrem, que moram numa redação de jornal, são</p><p>tristes e plenos de ódio. Essa é a crença geral entre os habitantes das</p><p>redações. Em A Tribuna, de Santos, onde aprendi os primeiros acordes da</p><p>sinfonia, o temor era se deparar com o fantasma de M. Nascimento Júnior, o</p><p>homem que fez daquele jornal um grande jornal. Quando algo ia mal, ou</p><p>faltava luz, ou uma linotipo pifava, ou alguma má notícia aparecia, o débito</p><p>era em cima do fantasma.</p><p>No Estadão, a alma penada da vez era a de Carlão, o Luiz Carlos Mesquita,</p><p>considerado o mais talentoso, o mais “humano” entre seus irmãos mais</p><p>velhos, Júlio Neto e Ruy Mesquita. Carlão frequentou a redação, viveu como</p><p>um jornalista, e todos sentiam que era ele o real herdeiro da família de</p><p>empreendedores da comunicação. Mas morreu cedo, aos 40 anos, e pouco</p><p>pôde sentir da caminhada do grupo. Seu fantasma, porém, percorria as</p><p>redações e estrilava quando as coisas iam mal.</p><p>Esse era mais um motivo para descontrair e aliviar as mentes, uma</p><p>brincadeira, dentro de um ambiente cáustico e tenso. Um divertimento para</p><p>driblar a ansiedade e a inquietação.</p><p>São apenas lendas das redações. Na verdade, não há alegria nem surpresa</p><p>nas notícias, e elas são muitas, milhares, todos os dias – tratam da vida e da</p><p>morte como um prato frugal, como algo natural e simples, quando na</p><p>realidade, ali, naquele mar de pessoas, está a essência do labirinto da vida</p><p>humana, suas contradições, descrenças, desejos, decepções.</p><p>Esse é o cenário por onde �ui a informação que chega de todas as partes e</p><p>se confunde e se embaraça nos rostos, no coração daquela gente que, a cada</p><p>dia, perde os sentimentos da dor, do amor e da pena, que jamais se espanta</p><p>com qualquer fato, seja ele o mais inesperado. O jornalista engolia a</p><p>estupefação com três goles de cerveja no �m da noite.</p><p>A dor da censura</p><p>De frente para a extensa e nevoenta redação �cava o “aquário”, onde</p><p>estavam instalados o diretor – e dono – do jornal e seu eminente redator-</p><p>chefe. Júlio de Mesquita Neto, com suas espetaculares sobrancelhas, e</p><p>Fernando Pedreira, velho e brilhante comunista que se dobrou às normas da</p><p>família Mesquita, dominavam com os olhos, e com a fala mansa, aquele</p><p>pessoal que compunha um corpo de pro�ssionais experientes – ou pelo</p><p>menos audazes. Todos viviam com a ansiedade a mil.</p><p>Na verdade, a força daquela redação madura, mas que começava a se</p><p>recompor, a se modernizar, não estava naqueles equipamentos, que logo</p><p>seriam ultrapassados – se é que já não estavam. A força de todos estava na</p><p>resistência, na insistência em fazer um bom Jornalismo, isento, bem escrito,</p><p>compacto, moderno, que buscava sempre a notícia em primeira mão. O que</p><p>se procurava era sempre dar todos os fatos, de todos os lados, com todas as</p><p>vertentes. Mas nem sempre foi possível.</p><p>O calor da redação era intenso. E o incômodo tornou-se quase</p><p>insuportável quando foi instalado entre nós um agente da censura, um</p><p>funcionário público encarregado de impedir a publicação de algumas</p><p>notícias que supostamente iriam agredir, insultar ou simplesmente</p><p>questionar – ou nem isso – a ditadura vigente dos generais de 1964.</p><p>Sua sombra chegava silenciosa na redação, no começo da noite. Embora</p><p>fosse um corpo estranho, queria sempre parecer invisível. Mas bastava botar</p><p>um pé no grande galpão abafado para se ouvir um grito entre as colunas:</p><p>“Strangers in the night</p><p>Exchanging glances</p><p>Wondering in the night...”</p><p>Era a voz grandiloquente do Gegê, o Gellulfo Gonçalves, chefe dos</p><p>diagramadores, anunciando a chegada do nosso inimigo íntimo, o censor.</p><p>Stranger vinha da balada “Strangers in the night”, sucesso de Frank Sinatra,</p><p>depois transformado em hino gay, e foi se tornando parte daquele mundo,</p><p>cena diária de um personagem burlesco que representava a mão opressora</p><p>do Estado contra o desejo de todos de apenas dar a notícia.</p><p>Mas, é bom que se diga, toda ditadura é esquizofrênica.</p><p>Dia após dia, lá vinha o estranho na noite com seu chapéu e sua capa, que</p><p>colocava regularmente no cabide ao lado da porta, e procurava seu lugar, na</p><p>mesa cedida pela empresa. Dava uma bicada no café requentado da cafeteira</p><p>e acendia seu cigarro. Punha-se, assim, a receber as laudas, as matérias que</p><p>seriam julgadas, a seu critério, e debaixo de uma lista acertada por seus</p><p>chefes, do que poderia ou não ser publicado. Nunca deixávamos de escrever</p><p>alguma notícia, pois era nossa missão – a missão dele era avaliar se o teor da</p><p>notícia era do gosto da ditadura.</p><p>Esse fragmento vivo da história do Jornalismo no Brasil �ca ainda mais</p><p>à tona.</p><p>Não é uma tarefa desprezível. Em seu livro O culto do amador, Andrew</p><p>Keen mostra que “não se passa um dia sequer sem uma nova revelação que</p><p>coloque em questão a con�abilidade, a precisão e a verdade da informação</p><p>que obtemos na internet”50.</p><p>Em um livro assustador – Acredite, estou mentindo: con�ssões de um</p><p>manipulador das mídias –, o norte-americano Ryan Holiday conta como</p><p>conseguiu driblar a esperteza dos jornalistas e inventar casos e situações que</p><p>viraram fatos e manchetes. Logo na introdução, ele confessa que usou blogs</p><p>para controlar as notícias. Mais adiante, revela</p><p>que criou “falsas percepções por meio de blogs e sites, que levaram a</p><p>conclusões erradas e decisões ruins – decisões reais no mundo real que</p><p>afetaram pessoas reais”51.</p><p>Quer dizer, o autor mostrou ser uma pessoa sem caráter, que manipula os</p><p>fatos e prejudica as pessoas, o que, no fundo, vale muito pouco nesse</p><p>vertiginoso mundo digital, onde o que conta é atingir seus objetivos, por</p><p>mais obscuros que sejam. Esse é o lado ruim da internet e de seus derivados.</p><p>Ou seja, muitas vezes, a tarefa do pro�ssional verdadeiro, aquele que não</p><p>se esconde sob a máscara da difamação, é transmitir ao público aquilo que</p><p>realmente vale e é real – é um desgaste monumental, uma luta contra a</p><p>corrente, na qual quem tem de vencer é a credibilidade.</p><p>Estou seguro de que o jornalista é uma das principais vítimas das notícias</p><p>falsas. Mas, é claro, ele não é um herói completo, pois tem suas fraquezas,</p><p>neste mundo de comunicação intensa. E um caso emblemático é o do</p><p>jornalista do New York Times – olha a credibilidade! – Jayson Blair: ele</p><p>produziu erros, fraudes, plágios e invenções em textos produzidos ao longo</p><p>de cinco meses, entre 2002 e 2003. Blair �ngia mandar matérias de lugares</p><p>onde não estava, usava fotos para forjar detalhes que não presenciara,</p><p>inventava declarações, em textos de 73 reportagens. Foi demitido, assim</p><p>como seus editores.</p><p>Essa é a diferença entre os anônimos que fabricam notícias ou divulgam</p><p>informações falsas: o jornalista tem nome, endereço e CPF e pode ser</p><p>encontrado nas redações, que também têm endereço conhecido. Isso não</p><p>protege o jornalista. Ao contrário, expõe a sua pessoa e deixa transparente</p><p>seu ofício, para o bem e para o mal.</p><p>Como a�rma Cebrián em seu Pianista: “Um jornalista é, antes de mais</p><p>nada, um cidadão e, portanto, é normal e lógico que atenda aos interesses da</p><p>comunidade no momento em que precisa tomar uma decisão”52.</p><p>Isso, porém, não é apenas trabalho dos que querem “atropelar” a verdade.</p><p>Governos pouco democráticos �ngem defender o povo ao agir de maneira</p><p>nada discreta, ao barrar a informação ou opiniões dos que discordam de</p><p>suas ideias.</p><p>É inacreditável que, depois de tanto tempo, esse tipo de experiência vivida</p><p>pelo Brasil cause dúvida ou seja motivo de debate. São fatos da história, o</p><p>que mostra que ainda há uma enorme falta de informação, a mesma</p><p>desinformação que cobriu a sociedade com uma densa nuvem negra.</p><p>Cito de novo uma experiência própria. Por anos trabalhei debaixo de uma</p><p>censura cruel, criada pela ditadura que reinou durante duas décadas no</p><p>Brasil e que não deixava que muitas informações fossem divulgadas: os</p><p>militares do governo acreditavam que elas não deveriam ser conhecidas pela</p><p>população. Cito essa experiência no primeiro capítulo deste livro. Não foi</p><p>agradável, mas ajudou muito na construção da minha vida pro�ssional.</p><p>Por isso, é impossível não �car perplexo diante da a�rmação de que não</p><p>houve ditadura no Brasil. Quando não há liberdade de informação e</p><p>expressão – quantas peças de teatro, �lmes e livros não foram censurados? –,</p><p>quando a opinião é tolhida, quando não se pode votar ou se manifestar</p><p>politicamente, como se pode de�nir esse regime?</p><p>Até mesmo empresários que tinham opiniões diferentes das dos militares,</p><p>como Mário Wallace Simonsen, perderam seus negócios. A empresa de</p><p>comunicação eletrônica de maior audiência no país naquela época, a TV</p><p>Excelsior, foi fechada arbitrariamente. O dono era Simonsen, um grande</p><p>exportador de café – a Comal era uma das maiores exportadoras de café do</p><p>mundo – e proprietário da Panair do Brasil. Eram grandes negócios, que</p><p>foram arrastados para a falência por desejo dos militares e, seguramente, por</p><p>civis (donos de empresas de comunicação e de transportes) que tinham</p><p>interesse em tirar Simonsen do caminho. Eram anos de chumbo. Ninguém</p><p>se importava em manchar as mãos com sangue.</p><p>O jovem jornalista Daniel Leb Sasaki conta, em seu livro Pouso forçado, a</p><p>história da destruição da Panair do Brasil – que deu lugar à Varig e à</p><p>Cruzeiro do Sul, que também faliram – pelo regime militar. E prova que as</p><p>ditaduras não atingem apenas os pro�ssionais que pensam o contrário dos</p><p>tiranos, militares ou não. Essa espécie de gente quer varrer da frente as</p><p>pessoas que acreditam ser seus inimigos, que podem atrapalhar seus planos</p><p>de poder, de arbitrariedade, prestigiando os amigos da hora, tenham eles</p><p>caráter ou não.</p><p>Não foram poucas as vezes em que nós, jornalistas, saímos frustrados das</p><p>redações por não poder informar o público sobre o que nós sabíamos e não</p><p>éramos autorizados a publicar. A queda de um ministro por divergências</p><p>políticas, ou até mesmo o aumento do número de casos de meningite, tudo</p><p>era motivo para restrições o�ciais.</p><p>Nada disso pode ser considerado novidade. Para não irmos muito longe,</p><p>vamos pegar um exemplo de cem anos atrás, quando, antes mesmo de</p><p>assumir seu trágico governo, Hitler e seus asseclas caçaram impiedosamente</p><p>aqueles que se opunham a seus objetivos.</p><p>Foi o caso do jornal Münchener Post, que se tornou o principal inimigo</p><p>dos nazistas na imprensa e foi massacrado pelos fanáticos, em uma guerra</p><p>que se estendeu por mais de dez anos, durante os quais o pequeno jornal</p><p>denunciou os perigos daquela ideologia.</p><p>Os nazistas, que nunca foram muito sutis, atacaram até mesmo os</p><p>redatores do jornal nas ruas e depredaram várias vezes a redação do Post, a</p><p>última delas em 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder. Toda a história</p><p>da dramática resistência desse veículo é contada no livro A cozinha</p><p>venenosa, da jornalista Silvia Bittencourt, que vive há décadas na Alemanha.</p><p>O Post, um jornal social-democrata, era chamado de “A cozinha” pelos</p><p>nazistas, uma vez que o jornal tinha a tradição de cobrir crimes e era como</p><p>caso de polícia que ele tratava a ascensão de Hitler e seus fanáticos. Não</p><p>sobreviveu.</p><p>O garrote generalizado</p><p>Aqui no Brasil, as atitudes não têm sido muito diferentes. Há que ressaltar</p><p>que, hoje, respiramos na América Latina certo ar de liberdade, com as</p><p>exceções de praxe, como Cuba e Venezuela, países em que os governantes</p><p>insistem em obrigar as pessoas a que pensem e ajam de acordo com suas</p><p>ideologias.</p><p>Mas é evidente que a vontade irracional de brecar a imprensa não é</p><p>privilégio dos regimes ditatoriais. Seria um pecado não citar o óbvio caso do</p><p>ex-presidente norte-americano Donald Trump, que, desde sempre, teve a</p><p>imprensa livre e de opinião própria como sua maior inimiga pessoal.</p><p>Seria tedioso citar aqui, já que estamos vivendo esse fenômeno nos dias</p><p>atuais, os casos em que o ex-presidente dos Estados Unidos criticou e</p><p>procurou desmoralizar jornalistas, jornais e a mídia em geral de forma</p><p>acintosa e sem qualquer limite, a ponto de impedir determinados órgãos de</p><p>imprensa de realizar a cobertura diária da Casa Branca. Isso no que é</p><p>considerado o país que sempre se orgulhou de manter como meta prioritária</p><p>a liberdade individual dos cidadãos.</p><p>Não podemos nos esquecer também do caso que fez tremer a democracia</p><p>norte-americana, ainda no governo de Barack Obama: a ordem de</p><p>monitorar em grande escala as comunicações telefônicas de milhares de</p><p>cidadãos. Naquela ocasião, disse o porta-voz Josh Earnest:</p><p>A prioridade máxima do presidente dos Estados Unidos é a segurança nacional.</p><p>Devemos estar certos de que contamos com as ferramentas de que precisamos</p><p>para enfrentar as ameaças dos terroristas. O que devemos fazer é equilibrar a</p><p>prioridade</p><p>com a necessidade de proteger as liberdades civis53.</p><p>Segundo o jornal Le Monde, o governo francês faz o mesmo. O esquema</p><p>foi revelado por Edward Snowden, que provocou o conhecido escândalo</p><p>mundial de espionagem internacional. E essas revelações abalaram e</p><p>constrangeram as tradicionais democracias, indo muito além da mera</p><p>vigilância aos jornalistas.</p><p>Todas as semanas, praticamente todos os dias, são publicadas na imprensa</p><p>– geralmente em blogs ou sites especializados – notícias sobre como é o</p><p>tratamento que os jornalistas recebem em todo o mundo. Os jornalistas e os</p><p>jornais. Mas a parte mais fraca sempre paga do modo mais pungente: com o</p><p>emprego. Ou de maneira mais trágica: com a própria vida.</p><p>Não conheço Jornalismo praticado em regimes ditatoriais. Não existe. Há</p><p>sempre um ditador de plantão prendendo quem dá a notícia certa – que,</p><p>dizem, é contra os interesses do país – ou cerceando a liberdade das pessoas</p><p>de consultarem a internet, à cata de informações as mais simples, mas que</p><p>fazem parte do seu dia a dia.</p><p>Os chefes dos regimes autoritários adoram ter apenas uma verdade: a</p><p>verdade deles. Na realidade, pelos menos os tiranetes latino-americanos</p><p>seguem um padrão antigo, herdado do Império Espanhol (séculos XVI e</p><p>XVII), e tiveram um papel decisivo nas guerras de independência, da</p><p>Argentina ao México.</p><p>Esses governos populistas confundem sistematicamente o que é</p><p>patrimônio público e patrimônio privado, por exemplo. Mas não é só isso.</p><p>Há uma série de marcas em comum que facilita identi�cá-los, como expôs</p><p>com clareza, em um artigo de O Estado de S. Paulo, em março de 2012, o</p><p>ensaísta e editor mexicano Enrique Krauze, diretor da Editora Clio e da</p><p>revista de cultura Letras Libres.</p><p>Entre outros atributos, Krauze compõe o ditador latino-americano como</p><p>um fenômeno político, identi�cado não pela ideologia, mas pela maneira</p><p>como faz funcionar seu governo.</p><p>Claro, os governos autoritários não se restringem à América Latina ou às</p><p>Américas em geral, infelizmente: o Irã, o regime dos aiatolás, pelas mãos de</p><p>seu presidente, também impede o trabalho livre da imprensa; o governo</p><p>chinês, com um medo enorme que o mundo e os próprios chineses</p><p>descubram seus segredos, marcou até uma data para que os usuários do</p><p>micro-blog Twitter passem a usar seus verdadeiros nomes. E até a</p><p>democrática Grã-Bretanha teve um surto e, diante do escândalo do News of</p><p>the World, jornal do império do australiano Rupert Murdoch, estuda uma</p><p>nova autorregulação da mídia.</p><p>Jornalistas do News of the World, não custa lembrar, realizaram uma série</p><p>de escutas ilegais durante dez anos, as quais atingiram, segundo a polícia,</p><p>mais de 4 mil pessoas. O jornal foi fechado em 2011, mas a histórica</p><p>democracia britânica questiona a decisão de um juiz, que sugeriu uma nova</p><p>lei de regulação da mídia. Para ele, que defendeu a liberdade de imprensa, as</p><p>empresas falharam na autorregulamentação, ao criar um mecanismo</p><p>próprio sem interferência governamental.</p><p>Na Itália, a jornalista Federica Angeli vive desde 2013 sob escolta policial,</p><p>ano em que começou a farejar o crime organizado na região de Óstia, porto</p><p>de Roma. Ela encontrou rastros de uma organização ma�osa e publicou</p><p>reportagem no jornal La Repubblica; na sequência, 51 pessoas foram presas.</p><p>Há pelo menos 12 jornalistas que vivem sob escolta policial na Itália, como</p><p>informam os Repórteres sem Fronteiras.</p><p>A brutalidade política contra os jornalistas não escolhe bandeiras: é</p><p>praticada por ditadores tanto de direita como de esquerda. Aí, o que vale é a</p><p>permanência no poder, a ausência completa de crítica, a tentativa</p><p>desesperada de conferir um tom democrático às ações autoritárias. Tudo</p><p>vale para mostrar normalidade em governos anormais. E a publicação de</p><p>notícias, a análise, a crítica pontual e opinativa incomodam demais.</p><p>Ditadores não gostam de ser contestados, de ver seus planos questionados.</p><p>Daí, a a�rmação: ditador não tem partido nem caráter – sua política é</p><p>continuar no poder, mesmo diante de um Estado fraco. E a fraqueza do</p><p>Estado é claramente demonstrada na medida em que o ditador só prevalece</p><p>na base da força, da coerção, da censura. E os novos meios de comunicação</p><p>– acessíveis a todos – atrapalham isso, porque proporcionam liberdade. O</p><p>governante incomodado tenta sufocar as opiniões, exaltando a manutenção</p><p>da ordem, o que nada mais é do que a tentativa de preservação do status</p><p>quo.</p><p>Nesse quadro, a ação da China é cruel, e vejam que aí não há um nome de</p><p>ditador, um legado familiar – o modelo autoritário é comandado pelo</p><p>Partido. O sistema de divulgação dos fatos é de uma rigidez extrema. Nada</p><p>pode contrariar as determinações do Partido. Os exemplos são vários. Além</p><p>do caso famoso de bloqueio de informações do site de buscas Google, só</p><p>saem do país as informações que o governo quer; se isso não acontece, o</p><p>meio de comunicação sofre as penalidades devidas, e de diversas formas.</p><p>Esse fato apenas comprova uma pesquisa realizada pela Freedom House –</p><p>uma organização sem �ns lucrativos, fundada por Eleanor Roosevelt, em</p><p>1941, que promove a defesa dos direitos humanos, a democracia, a</p><p>economia de livre mercado, o Estado de direito e os meios de comunicação</p><p>independentes – não faz muito tempo, e que põe em xeque a impressão de</p><p>que as novas plataformas de comunicação servem apenas para dar mais</p><p>igualdade às manifestações de pensamento.</p><p>Para a Freedom House, apenas 14% da população do planeta desfruta de</p><p>plena liberdade de expressão e vive em países onde jornalistas não são</p><p>ameaçados, onde não há interferência do governo e onde a imprensa não é</p><p>submetida a pressões econômicas ou jurídicas.</p><p>A China tem uma visão especial sobre “democracia”. Em 2011, os Estados</p><p>Unidos quiseram saber por que a China estava impedindo empresas norte-</p><p>americanas de oferecerem serviços via Internet. O governo chinês foi claro e</p><p>breve: o propósito era “manter um bom ambiente de Internet e proteger o</p><p>interesse público”54. Com base nessa premissa, con�scou 15 milhões de</p><p>publicações (pan�etos, livros, jornais e revistas) e fechou 28 mil páginas da</p><p>web consideradas “ilegais”.</p><p>Dentro de seu per�l liberal, jornais como o New York Times, o</p><p>International Herald Tribune e a agência Bloomberg publicaram reportagens</p><p>sobre o enriquecimento de líderes chineses, entre eles Wen Jiabao, um dos</p><p>homens fortes do comando chinês. Foram, então, impedidos de cobrir a</p><p>cerimônia de apresentação dos novos integrantes do Comitê Permanente do</p><p>Politburo, em novembro de 2012, �nal do 18º Congresso do Partido</p><p>Comunista da China. Só cobre o evento quem recebe um convite da</p><p>organização.</p><p>Porém, o governante mais explícito em relação à ojeriza à imprensa sem</p><p>dúvida é o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. Não faz muito</p><p>tempo (�nal de 2018) que, sem maiores ressalvas, ele disse sem pudor que</p><p>não pode haver uma democracia com veículos de imprensa porque os</p><p>jornais não mostrariam o que o povo pensa.</p><p>Disse ele, invertendo toda a ideia de que sem liberdade de expressão e de</p><p>imprensa não pode haver democracia:</p><p>Se há um povo, há democracia; se não há povo, não há democracia. Com os</p><p>veículos de imprensa e essas coisas, não pode haver democracia. Se um político</p><p>tem medo do que vai sair na imprensa, não pode fazer uma política sólida55.</p><p>Em 2019, a Turquia era um dos países com maior número de jornalistas</p><p>presos (143).</p><p>A Arábia Saudita foi ainda mais longe. O governo saudita – mais</p><p>especi�camente o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman – está sendo</p><p>acusado diretamente pelo assassinato e esquartejamento do jornalista Jamal</p><p>Khashoggi, no consulado do país em Istambul, na Turquia. Khashoggi era</p><p>colunista do Washington Post e ácido crítico do governo de Riad. Nuvens</p><p>negras encobrem o caso, porque interesses políticos contribuem para isso: a</p><p>Arábia Saudita é forte aliada dos Estados Unidos.</p><p>A violência e a intolerância contra as críticas de jornalistas são tão fortes</p><p>que a própria revista Time – que, de fato, já foi mais brilhante</p><p>e conceituada, mas que</p><p>ainda detém alguma in�uência – deu a capa da</p><p>edição festiva de 2018, de sua famosa “pessoa do ano”, para vários jornalistas</p><p>presos ou mortos por regimes ditatoriais ou que não prezam a liberdade de</p><p>imprensa, além de ter homenageado um jornal norte-americano que teve</p><p>cinco repórteres mortos em um tiroteio. Esse prêmio é concedido desde</p><p>1927.</p><p>A tentativa de um controle, digamos, “mais ativo”, do governo brasileiro</p><p>sobre os órgãos de imprensa foi materializada com a polêmica proposta de</p><p>criação do Conselho Federal de Jornalismo e dos Conselhos Regionais, no</p><p>segundo governo Lula. Foi uma dura luta da área de Jornalismo das</p><p>emissoras de televisão e de todos os jornais para que a ideia fosse</p><p>abandonada.</p><p>A controvérsia consumiu horas da televisão e muitas páginas de jornais e</p><p>revistas. De um lado, vinha o governo, como dizia o então assessor de</p><p>imprensa de Lula, o jornalista Ricardo Kotscho, que o Conselho seria criado</p><p>para</p><p>defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da pro�ssão, para garantir à</p><p>sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns</p><p>pro�ssionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço de</p><p>seus interesses56.</p><p>Alguns outros membros do governo foram além. Quando era o ex-</p><p>poderoso secretário de Comunicação e Gestão Estratégica do governo Lula,</p><p>o ex-sindicalista Luiz Gushiken (falecido em 2013) cunhou a expressão que</p><p>marcou o episódio: “Nada é absoluto, nem a liberdade de imprensa”57. A</p><p>reação foi grande, até mesmo dentro do PT e entre pessoas identi�cadas</p><p>com o partido.</p><p>Em um momento de lucidez, a Câmara dos Deputados matou o projeto,</p><p>que previa punições para os pro�ssionais que cometessem irregularidades,</p><p>que poderiam ser de advertência, multa, censura, suspensão ou até cassação</p><p>do registro.</p><p>Durante os 14 anos de governo do PT, um assunto que sempre pairou</p><p>sobre a mídia foi a chamada “regulação dos meios de comunicação”, um</p><p>tema controverso. Para uns, é uma forma de democratizar a informação,</p><p>impor limites aos oligopólios da mídia. Para outros, a regulação é um</p><p>eufemismo que procura limitar a liberdade de expressão.</p><p>Quando se espera que, cada vez mais, as pessoas possam expressar seus</p><p>pontos de vista, como fazem os frequentadores das redes sociais sem a</p><p>menor cerimônia e sem apego ao bom senso, é difícil aceitar que leis ou</p><p>regulações sejam capazes de frear as vontades ou as tendências. Ou há</p><p>liberdade ou não há. Se existem injúrias ou notícias falsas, esses erros ou</p><p>pecados morais devem ter suas próprias leis punitivas.</p><p>Em 2016, omas Kent, editor da Associated Press, escreveu um artigo</p><p>para a Revista de Jornalismo da ESPM, no qual levanta algumas questões.</p><p>Diz ele:</p><p>A maioria dos países tem leis contra a calúnia e a difamação, apologia ao crime,</p><p>invasão de privacidade, fraude e manipulação de mercado. Portanto, devemos</p><p>perguntar: quais os problemas que a legislação de hoje não resolve? E qual é o</p><p>mínimo de regulação que precisamos para solucioná-los58?</p><p>Cada país tem sua própria forma de regular ou, pelo menos, de limitar o</p><p>trabalho da imprensa. Mas uma democracia exige que esse trabalho sensível</p><p>seja feito com sutileza, para não arranhar o princípio básico da liberdade de</p><p>expressão. Na realidade, a solução para essa questão está no pro�ssionalismo</p><p>e na responsabilidade de quem transmite a informação.</p><p>Em um livro de 2008, que infelizmente não foi traduzido para o</p><p>português, o veterano professor da Universidade Columbia, Michael</p><p>Schudson, analisa todos os incômodos provocados pelos jornalistas e pela</p><p>imprensa em geral, ao tratar da formação da opinião pública. O título do</p><p>livro diz tudo: Why democracies need an unlovable press (“Por que as</p><p>democracias precisam de uma imprensa desagradável”, em tradução livre).</p><p>Em seu trabalho, Schudson cita exemplos de atos de autoritarismo, de</p><p>políticos à esquerda e à direita, e aconselha os jornalistas a aproveitarem os</p><p>avanços da tecnologia para se aprimorarem e, sobretudo, para se dedicarem</p><p>cada vez mais à tarefa de veri�car suas fontes e informações para um</p><p>trabalho mais seguro, qualquer que seja sua dimensão.</p><p>Na verdade, há pelo menos três maneiras de interromper ou impedir o</p><p>trabalho natural da imprensa e, com isso, coibir a circulação de informações:</p><p>• a ação predatória dos governantes, que procuram desvirtuar a natureza</p><p>das informações, ou mesmo obstruir as informações das formas as mais</p><p>diversas – contando também com as autocensuras promovidas nos</p><p>meios de comunicação, pelo temor das represálias inevitáveis e pelo</p><p>receio de perder anunciantes;</p><p>• as crises econômicas que vez por outra estouram no mundo capitalista,</p><p>por vários fatores;</p><p>• a falta de visão dos proprietários dos meios de comunicação, devido ao</p><p>avanço das novas mídias e à intromissão nas redações em função de seus</p><p>interesses.</p><p>Muitos jornais tradicionais desapareceram em todo o mundo, tendo como</p><p>causa as três assertivas citadas. E quem �ca espremido entre uma gestão</p><p>débil e o desemprego é o jornalista.</p><p>Nós, robôs</p><p>Além de todas essas ameaças, uma nova talvez seja a mais feroz de todas: é</p><p>a chegada da inteligência arti�cial (IA) às redações. É apenas o</p><p>desdobramento de uma tendência que já inquieta outras pro�ssões, como a</p><p>de contador, de recepcionista, de advogado e até de médico. Há um estudo</p><p>que diz que exames de laboratório ou avaliações para se prescrever</p><p>medicamentos são mais precisos quando realizados por máquinas do que</p><p>por seres humanos.</p><p>Não faz muito tempo, na véspera de mais uma reunião do Fórum</p><p>Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, um relatório intitulado Futuro dos</p><p>empregos mostrou que, em muitos países e indústrias, boa parte das</p><p>especialidades que existem atualmente não existia há dez anos. E que, nesse</p><p>ritmo, 65% das crianças que chegam ao ensino fundamental hoje vão acabar</p><p>trabalhando com sistemas e processos que ainda nem existem.</p><p>Mais que isso, essa nova revolução industrial pode mudar radicalmente o</p><p>per�l do mercado de trabalho, no qual 5 milhões de empregos seriam</p><p>aniquilados até 2020 – já passamos por esse momento e constatamos o fato.</p><p>O Brasil pode ser atingido em cheio, assim como outros 15 países</p><p>pesquisados. E, claro, uma das pro�ssões que vão sofrer com isso é a de</p><p>jornalista.</p><p>Nos Estados Unidos, há alguns anos, a startup Narrative Science lançou o</p><p>soware Quill, capaz de produzir textos curtos, a partir da implantação e da</p><p>interpretação de milhares de dados. A agência Associated Press já usa esse</p><p>soware para a produção de notícias sobre �nanças, mas pensa em substituir</p><p>jornalistas em outras áreas, como a de esportes.</p><p>Mais recentemente, o professor de mídia e comunicações Christer</p><p>Clerwall, da Karlstad University, na Suécia, fez uma pesquisa com 46 alunos</p><p>de Jornalismo, que realizaram uma avaliação de textos produzidos por</p><p>jornalistas e robôs. E os robôs não �zeram feio: as matérias do soware</p><p>foram descritas como informativas, precisas, con�áveis e objetivas.</p><p>Ainda em 2018, em um encontro realizado no Rio de Janeiro, para que</p><p>fossem discutidas as relações entre tecnologia, criatividade e sociedade, o</p><p>bioeticista e sociólogo norte-americano James J. Hughes a�rmou com</p><p>�rmeza que “as máquinas eventualmente farão tudo o que nós fazemos, mas</p><p>melhor, mais rápido e mais barato. O Jornalismo não vai escapar disso”59.</p><p>Alexander Howard, colunista do site TechRepublic, em uma palestra para</p><p>estudantes de comunicação, em São Paulo, foi mais direto e fez um alerta aos</p><p>que pretendiam cursar Jornalismo: “Seja excelente ou você será substituído</p><p>por um robô. Algumas redações já apostam em reportagens feitas por</p><p>algoritmos. Se você não se destacar, vai ser trocado”60. Então, vemos que</p><p>todas as aptidões têm de ser estimuladas e desenvolvidas pelas escolas de</p><p>Jornalismo, que devem saber explorar ao máximo as qualidades do futuro</p><p>pro�ssional.</p><p>Howard acredita que a maneira como o jornalista vai usar os dados para</p><p>contar suas histórias é o que vai fazer a diferença entre o pro�ssional e o</p><p>algoritmo. “Isso</p><p>é usado há séculos. Os romanos trocavam informações com</p><p>dados sobre produtos e preços. Podemos dizer que o Jornalismo de dados é</p><p>o nosso presente”61.</p><p>Muitos acreditam que, em pouco tempo, 90% das notícias serão escritas</p><p>por robôs, que certamente serão mais elaborados e terão custo mais baixo, já</p><p>que não reivindicam salário, nem têm sindicato. Vai restar aos jornalistas de</p><p>hoje se colocarem como colunistas, posição que certamente não os deixará</p><p>livres de outras ameaças.</p><p>E é sempre bom nos lembrarmos das pregações quase religiosas do</p><p>engenheiro, empresário e visionário norte-americano Raymond Kurzweil,</p><p>que, em seu livro A era das máquinas espirituais, dispara previsões</p><p>alucinadas do que poderá acontecer daqui para a frente em nosso ambiente.</p><p>Dizia ele, ainda no �nal do último século, que os computadores já estavam</p><p>superando a inteligência humana em vários domínios, e que essa</p><p>inteligência arti�cial ainda permanecia robusta e �exível. Essa disparidade,</p><p>porém, duraria pouco tempo.</p><p>Diz ele:</p><p>Os computadores dobraram de velocidade a cada três anos no começo do século</p><p>XX, a cada dois anos nas décadas de 1950 e 1960, e estão agora dobrando de</p><p>velocidade a cada 12 meses. Esta tendência irá continuar, e os computadores</p><p>atingirão a capacidade de memória e a velocidade de computação do cérebro</p><p>humano por volta do ano 202062.</p><p>E nós já passamos por esse ano.</p><p>Pelas previsões de Kurzweil, a tendência é de que até 2099 ocorra uma</p><p>fusão do pensamento humano com o mundo da inteligência das máquinas</p><p>que, aliás, foram criadas pelos seres humanos. Mas é bom �carmos por aqui,</p><p>lutando no nosso cotidiano já su�cientemente sufocante, antenados, mas</p><p>aguardando os próximos acontecimentos. Sem dúvida que essas ideias são</p><p>fascinantes.</p><p>48 Simas, 2021, p. A14.</p><p>49 Rebello, 2017.</p><p>50 Keen, 2007, p. 64.</p><p>51 Holiday, 2012, p. 11.</p><p>52 Cebrián, 2009, p. 112.</p><p>53 Folha de S. Paulo, 2013.</p><p>54 O Estado de S. Paulo, 2011.</p><p>55 G1, 2018.</p><p>56 Kotscho, 2004.</p><p>57 Scolese, 2004.</p><p>58 Kent, 2016, p. 40.</p><p>59 Brito, 2018.</p><p>60 Carvalho, 2014.</p><p>61 Idem.</p><p>62 Kurzweil, 2007, p. 19.</p><p>10</p><p>O bicho-papão</p><p>. . .</p><p>Eu acho que não conheço um político que não se queixa da imprensa. Você é</p><p>capaz de chegar num político da oposição, ele está se queixando da imprensa.</p><p>Você chega num da situação, ele se queixa da imprensa. Eu nunca vi alguém</p><p>dizer: ‘Não, essa aí está fazendo o meu joguinho’. Eu já vi o presidente Itamar se</p><p>queixar, já vi o presidente Sarney se queixar, já vi o Fernando Henrique Cardoso</p><p>se queixar, já me queixei. Você vai para a oposição, é a mesma coisa. ‘Não, porque</p><p>a imprensa só fala do governo, a imprensa não sei das quantas’. Eu, no fundo,</p><p>acho que a imprensa é um bom remédio para a gente consolidar a democracia em</p><p>qualquer país do mundo, para �scalizar a administração pública. E por mais que</p><p>você não goste, sem ela nós não teríamos democracia. E nos momentos históricos</p><p>em que não tivemos ela, todos nós sabemos o preço que pagamos63.</p><p>Essa declaração enfática, surpreendente, quase em tom de desabafo, foi</p><p>feita – como se nota pelo estilo – por Luiz Inácio Lula da Silva, em sua</p><p>primeira entrevista coletiva à imprensa, em 29 de abril de 2005, dois anos e</p><p>quatro meses depois de tomar posse. A declaração foi feita de passagem, no</p><p>meio da resposta sobre outro assunto que nada tinha a ver com o tema, mas</p><p>serve de base para se ter uma ideia do que pensa – ou pensava – o ex-</p><p>presidente sobre as relações entre governo e imprensa, entre políticos e</p><p>jornalistas. Uma parceria que, em algumas circunstâncias, vive momentos</p><p>de tensão e, em outras, uma calmaria completa. Uma relação que faz parte</p><p>do jogo democrático, embora o dia a dia esgarce essa convivência elétrica.</p><p>A imagem do jornalista, e ultimamente e com mais força, do telejornalista</p><p>ou jornalista de televisão, é a imagem de um ser poderoso, que tem nas</p><p>mãos a vida de políticos, autoridades, artistas e celebridades, en�m. Essa é a</p><p>ideia dos leigos, que acreditam que o jornalista é o verdadeiro super-</p><p>homem, que pode tudo, que está disposto, a todo momento, a sair em defesa</p><p>dos fracos e oprimidos, fazer denúncias, desmascarar falcatruas e caçar</p><p>corruptos.</p><p>Essa auréola tem suas razões, já que a função do jornalista é a da eterna</p><p>procura e permite que ele tenha acesso aos poderosos, aos governantes; e</p><p>assim, de posse de informações privilegiadas, ele pode denunciar casos</p><p>tenebrosos, questionar �guras públicas e sair como o grande defensor da</p><p>ética e da moral. O que os leigos esquecem é que o jornalista sempre</p><p>trabalha para uma empresa que tem um dono – que nem sempre é jornalista</p><p>– e que defende teses nem sempre as mais respeitáveis e que di�cilmente</p><p>coincidem com o que pensa o pro�ssional. Não raro, por outro lado, um ou</p><p>outro telejornalista passa a fazer parte do rol de celebridades, disputando o</p><p>posto com seus entrevistados.</p><p>Cabe aqui um parêntese. Alguns jornalistas de televisão assumem, vez por</p><p>outra, o posto de celebridade (subcelebridade?), brindados pelos próprios</p><p>“coleguinhas”, envolvidos pela magia da televisão. A força da TV inverte os</p><p>papéis, pelo poder da audiência, da exposição pública, e proporciona, a</p><p>quem tem o dever de apenas dar a notícia, o papel que pertence ao outro</p><p>lado.</p><p>Assim, jornalistas, que não deveriam ser notícia, são tema de reportagens</p><p>em revistas, jornais, cadernos de televisão, de variedades. Exemplos</p><p>clássicos: Lillian Witte Fibe, que foi capa duas vezes da revista Veja, uma</p><p>delas quando inaugurou uma nova fase do Jornal da Globo; e Ana Paula</p><p>Padrão, que, ao deixar a TV Globo para assumir um telejornal no SBT, foi</p><p>capa da Veja São Paulo (título: “Agora ela é a notícia”), do caderno de TV de</p><p>O Estado de S. Paulo, de várias revistas femininas, e tema de reportagens em</p><p>jornais e na internet.</p><p>No caso de Ana Paula, há uma clara provocação dos concorrentes e</p><p>similares contra a Globo. Em um patamar um pouco menos desatinado,</p><p>houve o caso de Carlos Nascimento, quando também trocou a TV Globo</p><p>pela Bandeirantes; o de Alexandre Garcia, quando saiu da TV Manchete</p><p>para a TV Globo e ganhou páginas na Veja; até mesmo eu ganhei meia</p><p>página no Jornal do Brasil, em 1992, quando deixei a Globo para assumir a</p><p>Diretoria de Comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI).</p><p>Um exagero que persiste.</p><p>É a pauta do Jornalismo em cima do Jornalismo. Hoje, com as mídias</p><p>sociais e as revistas de entretenimento ganhando força, há muito jornalista</p><p>deslumbrado fazendo plantão em colunas de variedades para se mostrar</p><p>engraçadinho ou pouco convencional, virtudes que nada têm a ver com a</p><p>pro�ssão.</p><p>O jornalista é, na verdade, um ser frágil, na maior parte das vezes um</p><p>tímido, com a sensibilidade à �or da pele, que vive sob tensão constante e</p><p>que, por isso, está no segundo lugar da longa lista de pro�ssões estressantes.</p><p>É certo que a possibilidade que têm de questionar pessoas coloca esses</p><p>pro�ssionais na fronteira da prepotência, da “propriedade” da verdade. Mas</p><p>isso não pode fazê-los passarem por defensores das massas. Talvez, apenas, e</p><p>modestamente, de suas próprias ideias.</p><p>Só tem noção do volume de estresse que os jornalistas carregam pela vida</p><p>quem viveu um momento de fechamento de edição de um jornal, e</p><p>principalmente de um telejornal. Eu já participei dos dois casos, e o nível</p><p>geral de tensão é tremendo. Quem manda na condução dos jornais é um</p><p>deus chamado deadline, o limite de tempo que se tem para fechar a matéria.</p><p>Os homens e as mulheres que se dedicam ao Jornalismo são, no fundo,</p><p>guerreiros e, como diz a canção de Gonzaguinha: “Guerreiros são pessoas /</p><p>são fortes / são frágeis / guerreiros são meninos / no fundo do peito /</p><p>precisam de um descanso / precisam de um remanso / precisam de um</p><p>sonho / que os tornem refeitos”.</p><p>Ninguém soube tanto dar guarida às necessidades e às expectativas</p><p>daqueles que começavam a criar e modelar o Jornalismo vitorioso da TV</p><p>Globo, em meados da década de 1970, como os jornalistas Luiz Fernando</p><p>Mercadante e Armando Nogueira. Época</p><p>difícil, de ditadura, tempo de</p><p>censura e de autocensura, quando trabalhar em televisão era mais do que</p><p>um risco pro�ssional: era quase pôr a própria vida em risco. Eles deram</p><p>carinho, ternura, palavras amenas e até colo a um grupo de guerreiros que</p><p>enfrentaram lágrimas e risos e pôs em pé uma ideia grandiosa.</p><p>Ligações perigosas</p><p>Não é possível falar de política e de políticos, nos jornais e na televisão,</p><p>sem falar da importância do jornalista, do repórter, do comentarista, ainda</p><p>que esse não seja o objeto central deste livro. Mas como o jornalista e o</p><p>jornalista de televisão têm presença marcante na performance de cada</p><p>político e no desenrolar da política, é conveniente mostrar que esse</p><p>pro�ssional não é nenhum bicho-papão.</p><p>O jornalista Luis Weiss, em seu blog “Verbo Solto”, ancorado por sua vasta</p><p>experiência, de�niu sua visão do que é a mídia e do que é o jornalista. Disse</p><p>ele:</p><p>Em parte nenhuma do mundo a mídia é uma confraria de querubins. Para levar</p><p>ao público fatos e ideias com honestidade – errando de boa-fé, não de propósito</p><p>–, o Jornalismo que se dá o respeito é uma caminhada sem �m sobre o �o de uma</p><p>navalha manejada pela imensa massa de interesses que competem entre si por</p><p>poder, riqueza e prestígio nas democracias de massa e economias de mercado64.</p><p>Quer queira, quer não, o político depende da mídia e, em última análise,</p><p>do jornalista. Ou talvez seja o contrário, tão próximos estão jornalistas e</p><p>políticos. Em entrevista para este livro, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho</p><p>disse que a seriedade do político poderia ser medida pela distância que ele</p><p>tem do jornalista. O mesmo aconteceria com o jornalista, que, para provar</p><p>imparcialidade, teria de ser poupado de um contato mais próximo com</p><p>políticos. Esse contato deveria acontecer apenas na medida da necessidade</p><p>pro�ssional, longe das relações promíscuas a que assistimos tantas vezes.</p><p>Armando Nogueira, diretor da Central Globo de Jornalismo durante 25</p><p>anos – e que, no �nal de sua rica existência pro�ssional, fez o que realmente</p><p>gostava, que era escrever, discutir e falar sobre esporte, principalmente</p><p>futebol –, sempre fazia questão de dizer: “Eu não tenho amigos no poder; eu</p><p>tenho fontes”.</p><p>Armando sempre procurou �car longe do contato com os políticos e o</p><p>poder, mesmo comandando durante tanto tempo um dos postos mais</p><p>importantes do Jornalismo nacional. Até porque adiantaria muito pouco. Na</p><p>maior parte do tempo em que dirigiu a Central Globo, de 1966 a 1990, tanto</p><p>ele quanto outros diretores de redação da emissora recebiam orientação dos</p><p>militares e da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). E também</p><p>porque, na área política, o último a dar a palavra era sempre o dono da</p><p>empresa, o também jornalista Roberto Marinho, falecido em 2003. E disso</p><p>ele não abria mão.</p><p>A distância que separa os jornalistas dos políticos é um assunto polêmico.</p><p>Para quem cobre a área política, para os que bebem diariamente dessa água</p><p>nem sempre cristalina – na maior parte das vezes difícil de engolir –, a</p><p>proximidade com as informações que brotam das fontes políticas é</p><p>fundamental para compor o noticiário.</p><p>Principalmente agora, que vivemos uma democracia. Aquele detalhe,</p><p>aquela informação escondida a sete chaves, só é possível obter se há uma</p><p>relação de con�ança entre as partes. Portanto, o contato diário e permanente</p><p>entre políticos e jornalistas é básico. Uns dependem dos outros.</p><p>No caso dos comentaristas políticos, todo cuidado é pouco, pois as</p><p>relações, de tão estreitas, podem ser confundidas com imoralidade,</p><p>promiscuidade, despudor. O experiente jornalista Villas-Bôas Corrêa,</p><p>falecido em 2016, em várias passagens de seu livro Conversa com a memória,</p><p>conta que se viu envolvido por uma fonte que se tornou amigo, tão próximo</p><p>era o contato diário. E mais, diz ele: “Nos �ns de semana, pelo menos uma</p><p>ou duas vezes por mês, almoço ou jantar na casa de político ou de um de</p><p>nós, ampliava o relacionamento familiar”65. Mas é claro que, quando se</p><p>separa esse contato mais próximo do resultado �nal, na reportagem ou no</p><p>artigo,</p><p>a reportagem política de�niu os setores de cobertura e cunhou o modelo da</p><p>isenção, da análise interpretativa, da credibilidade baseada no distanciamento</p><p>partidário e ideológico, do compromisso ético com a imparcialidade66.</p><p>Os jantares promovidos por muitos jornalistas, com a presença de</p><p>políticos – e às vezes até em homenagem a eles – têm quase sempre o caráter</p><p>de uma grande coletiva, uma tentativa de aproximação, de manter certa</p><p>intimidade: os políticos estão ali para falar, e os jornalistas, para ouvir, sem</p><p>anotar. Isso se chama “cultivar a fonte”. E os nomes variam de acordo com o</p><p>cargo, não com as pessoas – portanto, não há amizade. Variam de acordo</p><p>com a importância, com a simpatia, com a ligação pro�ssional. Muitos já</p><p>passaram pelo estrelato, muitos caíram no esquecimento. Poucos</p><p>permaneceram.</p><p>No entanto, que ninguém se iluda. O alemão Max Weber, em seu livro</p><p>Ensaios de sociologia, no capítulo “A política como vocação”, vai direto ao</p><p>ponto. Em determinado momento, Weber explode em seu texto:</p><p>As exigências íntimas que se voltam precisamente sobre o jornalista de êxito são</p><p>especialmente difíceis. Não é, na verdade, problema pequeno frequentar os salões</p><p>dos poderosos em aparente pé de igualdade e, geralmente, ser lisonjeado por</p><p>todos, porque se é temido, sabendo porém durante todo o tempo que, mal</p><p>fechada a porta, o an�trião talvez tenha de se justi�car perante seus hóspedes pela</p><p>sua associação com os ‘lixeiros da imprensa’67.</p><p>Mas, diante de todo o cenário que se apresenta e de uma suposta</p><p>admiração por todos à sua volta, alguns jornalistas se deixam levar pelo</p><p>hipotético encanto da pro�ssão – e pelo fato de que, realmente, têm</p><p>in�uência nos fatos. Eles esquecem que, na sua essência, Jornalismo é fazer</p><p>perguntas e conseguir respostas, apesar de todas as de�nições que existem.</p><p>O escritor inglês Evelyn Waugh carrega nas tintas ao pintar o caráter do</p><p>jornalista emprenhado pela fama, pela popularidade, ou mesmo por sua</p><p>condição de ser o intermediário, por estar entre a notícia e o leitor. Pode-se</p><p>constatar isso em seu livro Furo!, de 1938, uma sátira aos correspondentes</p><p>estrangeiros. Na obra, ele mostra que, apesar de todos os pesares, de um</p><p>modo geral o jornalista se orgulha de seus privilégios e do acesso fácil que</p><p>pode ter às autoridades. Waugh disserta sobre como o jornalista preza esse</p><p>acesso e se vangloria de poder e como, invariavelmente, é recebido com</p><p>sorrisos, embora nem sempre sua presença seja algo prazeroso.</p><p>Fernando Lyra, político pernambucano que foi um dos alicerces da Nova</p><p>República de Tancredo Neves, muito espirituoso, sempre dizia que tinha</p><p>pena do pro�ssional que manejava a câmera do estúdio. E me con�denciou:</p><p>“Ele sempre �ca atrás do foco. Eu não aguentaria isso. Meu lugar é sempre na</p><p>frente da lente”.</p><p>Entre tapas e beijos</p><p>Essa miscelânea tem um caso padrão. Era a amizade entre o jornalista</p><p>Expedito Filho e o deputado (já falecido) Ricardo Fiúza, sempre</p><p>considerado um político de direita, ligado aos militares, líder do antigo PFL</p><p>e ministro de Fernando Collor, mas uma fonte jornalística exuberante. Em</p><p>determinado encontro, entre um uísque e outro, o amigo Fiúza, então</p><p>ministro da Ação Social de Collor, confessou ao amigo Expedito que, pela</p><p>vida, havia até ganhado um jet-ski e 100 mil dólares da construtora baiana</p><p>OAS, para sua campanha. O jornalista, que trabalhava na Veja, saiu dali e</p><p>não teve dúvida: na edição seguinte da revista, publicou a conversa. Logo</p><p>depois, Fiúza foi envolvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do</p><p>Orçamento – a dos “anões” – e seu mandato �cou por um �o.</p><p>O caso do jet-ski não foi determinante, mas compôs o quadro contra o</p><p>deputado-ministro, que quase abandonou a política. Isso aconteceu em 1991</p><p>e, na eleição seguinte, Fiúza não se candidatou. Sua vaga, na chapa do</p><p>partido, foi ocupada por Severino Cavalcanti. Deu no que deu.</p><p>O caso mais notório de preservação de fonte seguramente</p><p>é o escândalo</p><p>Watergate, que derrubou o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon,</p><p>em 1974. Benjamin Bradlee – então diretor do Washington Post – e Bob</p><p>Woodward e Carl Bernstein, repórteres, guardaram por mais de 30 anos o</p><p>segredo da fonte que deu as informações que levaram à deposição de Nixon,</p><p>porque prometeram revelá-la apenas depois de sua morte. Em 2005, aos 91</p><p>anos, o ex-número 2 do FBI, W. Mark Felt, preferiu acabar com o mistério</p><p>antes do tempo: ele se apresentou como o Deep roat (Garganta Profunda),</p><p>o personagem central do caso, a raiz de todas as reportagens da dupla de</p><p>repórteres. Nem por isso os dois se tornaram amigos de Felt, agora tratado</p><p>como herói e traidor.</p><p>O relacionamento de Carl, Bob e Felt é típico do jogo de interesses que</p><p>cerca a aproximação de fontes e repórteres: um lado querendo passar uma</p><p>informação, por qualquer motivo que seja – no caso de Felt, a tentativa de</p><p>preservar sua instituição e seu rancor por não ter sido indicado por Nixon</p><p>para número 1 do FBI; do outro, o repórter, louco por um furo de</p><p>reportagem, uma informação nova e importante, que possa abalar</p><p>estruturas, ou pelo menos contribuir para esclarecer fatos e abrir a cabeça da</p><p>opinião pública.</p><p>Nesse ponto, confessa Villas-Bôas em seu livro:</p><p>O tempo e a experiência ensinam a conhecer a fonte em que se pode con�ar de</p><p>olhos fechados. Perdão, com um dos olhos cerrados e o outro entreaberto para a</p><p>necessidade de testar cada informação. Sempre que possível. Nem sempre é68.</p><p>A comprovação mais clara de que jornalista e fonte se completam está,</p><p>mais uma vez, nos Estados Unidos, onde a imprensa é bastante ativa e</p><p>ferina. O ex-presidente Bill Clinton tentou viver sem os jornalistas,</p><p>praticamente fechando as portas de seu primeiro governo para a imprensa.</p><p>O re�exo foi imediato: a lentidão das primeiras ações do governo foi</p><p>consequência de uma operação-tartaruga de�agrada pelos jornalistas, bem</p><p>como motivo da queda de Georges Stephanopoulos, o homem de</p><p>comunicação do governo. Um providencial churrasco nos jardins da Casa</p><p>Branca amenizou o clima tenso.</p><p>Aqui no Brasil, o respeito é mútuo. Foi-se formando assim ao longo do</p><p>tempo. A televisão, com sua difusão mais profunda, seu alcance popular</p><p>imediato, só fez aumentar esse respeito, que às vezes chega ao</p><p>temor. Temor esse principalmente em relação aos telejornalistas, que têm</p><p>acesso direto ao veículo e mais empatia com o público. Isso ocorre a tal</p><p>ponto que há mesmo certa confusão sobre o papel do jornalista. Ele não</p><p>seria apenas a ponte entre a notícia e a sociedade, mas um elemento de</p><p>interferência no fato, com poderes maiores dos que realmente têm.</p><p>Em Brasília, a aproximação entre jornalistas e políticos é marcante. Os</p><p>jornalistas que cobrem o Congresso certamente vivem mais tempo lá dentro</p><p>do que os próprios deputados e senadores, que chegam no meio da semana e</p><p>se vão antes de chegar o sábado. Normalmente, os políticos vêm sozinhos,</p><p>deixam suas famílias nos estados onde moram, onde têm suas bases</p><p>eleitorais. Na capital da República, sofrem com a solidão e frequentam</p><p>diariamente os bares da cidade.</p><p>E não é raro um jornalista promover uma festa, em sua própria casa, e</p><p>convidar os políticos – com segundas intenções, é claro: com a intenção de</p><p>ganhar mais intimidade, o que leva a notícias exclusivas, a possibilidade de</p><p>abertura de caminhos para obter informações de bastidor. Porque o que o</p><p>jornalista sério quer é isso: informação, e quanto mais exclusiva, melhor. A</p><p>sabedoria está em criar um divisor de águas perfeito, entre o particular e o</p><p>público, se bem que é muito difícil existir uma amizade franca entre político</p><p>e jornalista: o interesse de um sempre vai se chocar, ao �nal, com o interesse</p><p>do outro.</p><p>Na verdade, políticos, imprensa, governo e televisão são grupos siameses</p><p>que sempre viveram entre tapas e beijos. A de�nição de “siameses” foi dada</p><p>pelo ex-senador pernambucano – e ex-vice-presidente da República –</p><p>Marco Maciel, falecido em 2021, que acreditava que jornalistas e políticos</p><p>têm tudo a ver, desde o interesse pelos mesmos assuntos até o estresse.</p><p>Se os jornalistas sempre foram tratados com reverência pela classe política</p><p>– que sempre pôs à disposição cargos e mordomias para jornalistas, na</p><p>esperança de ter em troca já se sabe o quê –, com a chegada da televisão, o</p><p>relacionamento �cou mais complexo. Porém, o distanciamento é</p><p>fundamental para o trabalho de todos.</p><p>O meio de campo</p><p>Um caso exemplar dessa simbiose aconteceu com o jornalista Alexandre</p><p>Garcia, que, depois de trabalhar por longo tempo na imprensa privada,</p><p>assumiu uma Subsecretaria de Imprensa do governo João Figueiredo, em</p><p>1979. Quando deixou o Palácio do Planalto, foi ser funcionário de Adolfo</p><p>Bloch, na famosa revista Manchete. E os pontos de encontro e de</p><p>interferência começaram exatamente aí. Alexandre conta detalhes disso em</p><p>seu livro Nos bastidores da notícia, de 1990.</p><p>Em uma viagem de Figueiredo à Colômbia, lá estava Alexandre fazendo</p><p>seu trabalho para a Manchete. Junto com ele, Oscar Bloch, irmão de</p><p>Adolpho – que era o proprietário da empresa e muito ligado ao ex-</p><p>presidente Juscelino Kubitschek. Figueiredo, em determinado momento,</p><p>passou por Oscar e foi explosivo, como, aliás, era de seu estilo: “Assim eu</p><p>não vou dar a televisão para vocês. Eu estive vendo a Manchete, é uma</p><p>vergonha. Só dá bicha e mulher pelada e você vai botar isso na televisão”69.</p><p>Oscar �cou desesperado. A concessão de que falava o presidente era parte</p><p>da esquartejada e falida TV Tupi, a primeira emissora de televisão brasileira,</p><p>que tinha sido de Assis Chateaubriand, e cujo canal era agora cobiçado pelos</p><p>Blochs. Figueiredo queria dividir o sinal da Tupi entre duas empresas com</p><p>canais espalhados pelo país. Só que eram vários os grupos interessados:</p><p>Silvio Santos, Bloch, Abril (da família Civita), Grupo Visão (de Henry</p><p>Maksoud) e o Jornal do Brasil. Ainda havia incerteza sobre quem seriam os</p><p>futuros concessionários – naquele tempo, quem decidia, no �m, era a mão</p><p>do presidente da República.</p><p>De qualquer forma, Oscar não teve dúvida alguma e pediu para Alexandre</p><p>fazer esse meio de campo. O jornalista ligou para Carlos Átila, o porta-voz</p><p>da Presidência, seu colega de trabalho no começo do governo, e pediu um</p><p>encontro com o presidente. E eles realmente se encontraram no café da</p><p>manhã do dia seguinte, no Hotel Tequendama, em Bogotá. Alexandre fez</p><p>um discurso dramático e prometeu, em nome de Oscar, não mostrar na TV</p><p>mulheres nuas no Carnaval, como fazia na revista.</p><p>Figueiredo ouviu e amoleceu. Não por Oscar, mas por Alexandre, em</p><p>quem con�ava. Em março de 1981, o presidente assinou o decreto,</p><p>concedendo quatro canais a Silvio Santos (Tupi de São Paulo, Marajoara de</p><p>Belém, Piratini de Porto Alegre e Continental do Rio) e cinco à empresa</p><p>Bloch (Rádio Clube do Recife, Ceará de Fortaleza, Tupi do Rio, Itacolomi de</p><p>Belo Horizonte e Excelsior de São Paulo), para espanto da família Marinho,</p><p>dona da concessão da Globo, e da família Saad, dona da Bandeirantes.</p><p>A�nal, tinham ganhado não um, mas dois concorrentes de peso. Alexandre,</p><p>porém, jamais foi diretor de Jornalismo da Manchete; foi apenas seu diretor</p><p>em Brasília.</p><p>Bloch também teve ajuda de muitas pessoas, algumas inesperadas, como o</p><p>próprio Roberto Marinho, que, apesar de ganhar mais um concorrente,</p><p>sempre torceu para que ele conseguisse a concessão – acreditava que Bloch</p><p>era o mais fraco entre os outros pretendentes.</p><p>Conta Jorge Serpa, eterno auxiliar de Marinho, no livro que Pedro Bial</p><p>escreveu logo após a morte do presidente das Organizações Globo: todo o</p><p>projeto da Manchete foi feito pelo Grupo Globo, atendendo a um pedido</p><p>direto do dono da Bloch. “Quando se inaugurou a [Rede] Manchete, as</p><p>primeiras palavras do Bloch foram de agradecimento a Roberto Marinho”,</p><p>diz Serpa no livro de Bial70.</p><p>No entanto, foi o presidente João Figueiredo quem deu a Alexandre o</p><p>presente maior: sua última entrevista como chefe de governo, para a</p><p>televisão, que é citada como a despedida</p><p>do general de sua vida pública. No</p><p>�m da entrevista, quando perguntado se queria mandar alguma mensagem</p><p>para a população, no momento em que deixava a Presidência, Figueiredo</p><p>respondeu:</p><p>Bem, ao povo, povão, que será pelo menos 70% dos brasileiros que estão</p><p>apoiando Tancredo Neves [...] desejo que eles tenham razão e que o doutor</p><p>Tancredo consiga fazer um governo bom para eles. Desejo felicidades a eles. E</p><p>que me esqueçam71.</p><p>Não deixa de ser curioso que o ponto �nal de seu governo – que ele</p><p>deixou pela porta dos fundos, por não querer transmitir o cargo ao sucessor,</p><p>José Sarney (que assumiu o posto no lugar de Tancredo, doente) – tenha</p><p>deixado como referência uma entrevista para uma rede de televisão.</p><p>Figueiredo procurou sempre manter-se afastado da imprensa em geral e dos</p><p>telejornalistas em particular.</p><p>Eu mesmo presenciei um desses destemperos do general, antes mesmo de</p><p>ele assumir a Presidência, mas já ungido. O presidente foi a Campinas,</p><p>cidade a 100 quilômetros de São Paulo, visitar uma irmã. No aeroporto de</p><p>Viracopos, surpreendentemente havia poucos jornalistas. A Globo estava lá,</p><p>e eu, de plantão, com microfone em punho, encarei o virtual presidente.</p><p>“E então, presidente, quando o senhor anuncia o ministério?”.</p><p>“Quando eu quiser”.</p><p>“E quando o senhor vai querer?”.</p><p>“Quando eu quiser querer”.</p><p>Essa foi uma das principais matérias do Jornal Nacional e a manchete dos</p><p>jornais do dia seguinte, principalmente pelo estilo seco e pouco cortês do</p><p>futuro presidente, estilo que a imprensa começava a conhecer e teria de</p><p>aguentar pelos próximos seis anos. Mas as emissoras de televisão sempre</p><p>foram pacientes com as truculências de Figueiredo. Era um estilo que</p><p>agradava de certa forma os meios de comunicação, pelo inusitado das</p><p>atitudes de um presidente que dizia, no meio da rua, que “prendia e</p><p>arrebentava” quem se opusesse à abertura democrática. Ou mesmo quando</p><p>saiu no braço com estudantes, em Florianópolis.</p><p>Contudo, a inexistência de críticas por parte dos meios de comunicação</p><p>de massa à �gura do presidente tinha como motivo principal o poder do</p><p>Executivo para liberar e proibir concessões, além de manter a censura sob</p><p>controle, por meio do DCDP. A troca do temor pelo respeito só aconteceria</p><p>efetivamente na Nova República, com o governo Tancredo-Sarney, quando o</p><p>ministro Fernando Lyra pôs um �m de�nitivo à censura. Também mais</p><p>tarde, quando o processo de concessão de canais de rádio e televisão</p><p>começou a mudar. Eram os novos ares da liberdade.</p><p>Papéis trocados</p><p>Diante dessa simbiose, é curioso observar a quantidade de jornalistas que</p><p>passam para o outro lado e se jogam de cabeça na política. Talvez</p><p>contagiados pelo cotidiano político, pela proximidade com o poder. As</p><p>tentativas são várias, e os exemplos, inúmeros. A credibilidade de alguns</p><p>telejornalistas, por exemplo, fez com que fossem sondados para ocupar</p><p>alguma cadeira no Parlamento. Falou-se muito que Boris Casoy, o então</p><p>apresentador do TJ Brasil, da TV Record, partiria para a vida pública, pela</p><p>postura indignada que demonstrava diante das mazelas políticas. E os</p><p>rumores �caram ainda mais acentuados quando, certa vez, Boris deu uma</p><p>banana aos políticos durante o jornal. Foi uma atitude grotesca, mas popular</p><p>– uma vez que todos gostariam de fazer o mesmo.</p><p>Ferreira Netto, outro jornalista experiente, já falecido, ousou mesmo se</p><p>candidatar a senador, nas eleições de 1990, pelo PRN de Fernando Collor,</p><p>mas sem sucesso – perdeu para Eduardo Suplicy, do PT. Ferreira se</p><p>considerava amigo do ex-presidente e fazia questão de dizer que a entrevista</p><p>que realizou com o candidato, em seu programa noturno da TV Record,</p><p>dois dias antes do segundo turno, em 1989, ajudou na vitória de Collor. Na</p><p>entrevista, o candidato disse pela primeira vez que Lula, se fosse eleito,</p><p>congelaria a poupança dos brasileiros, o que na realidade ele próprio faria</p><p>como primeiro ato de governo.</p><p>Outros jornalistas arriscaram e venceram. Como o falecido Prisco Viana</p><p>(que chegou a ministro no governo Sarney), Ibsen Pinheiro (que foi</p><p>presidente da Câmara, depois cassado), Milton Temer, Miro Teixeira (que</p><p>chegou a ministro no governo Lula), Albérico Cordeiro, Edison Lobão</p><p>(primeiro diretor da TV Globo, em Brasília, e quem conseguiu, junto ao</p><p>governo do Distrito Federal, o terreno onde está instalada a emissora, na W3</p><p>Norte, na capital federal) e Ana Amélia Lemos (que foi durante décadas</p><p>chefe do escritório da RBS em Brasília).</p><p>É o caso também do jornalista Hélio Costa, que durante anos foi</p><p>correspondente da Rede Globo nos Estados Unidos, aparecendo todos os</p><p>domingos no Fantástico – foi por meio de uma de suas reportagens que o</p><p>Brasil tomou conhecimento de uma doença que viria marcar o século XX: a</p><p>Aids. Ele foi deputado federal, senador, candidato a governador de Minas</p><p>Gerais em 1994, e alcançou, em meados de 2005, um de seus objetivos:</p><p>tornou-se ministro das Comunicações do governo Lula. Uma de suas</p><p>medidas mexeu com um dos objetivos importantes da telecomunicação</p><p>nacional. Hélio Costa descartou a possibilidade de o Brasil ter seu próprio</p><p>padrão de TV digital. Esse era o desejo de um dos últimos ministros da</p><p>pasta, o também jornalista Miro Teixeira, que teve carreira semelhante à de</p><p>Costa. O senador mineiro a�rmou que o Brasil não tinha condições porque</p><p>não possuía recursos �nanceiros para isso. Naquela ocasião (julho de 2005),</p><p>o país dispunha de apenas 80 milhões de reais para as pesquisas nessa área,</p><p>enquanto o custo médio para uma empreitada assim estava em torno de 3</p><p>bilhões de dólares, como �zeram Japão e Estados Unidos.</p><p>Outros tantos jornalistas foram parar em câmaras municipais, assembleias</p><p>estaduais e no Congresso Nacional, pelo caminho dos programas populares</p><p>de rádio e televisão. Em 1990, Afanásio Jazadji, repórter policial, foi eleito</p><p>deputado estadual em São Paulo com votação recorde; em 1992, Nelo</p><p>Rodolfo, com um programa de rádio, foi o mais votado para a Câmara</p><p>Municipal de São Paulo; e em 1994, Celso Russomanno, repórter do Aqui</p><p>Agora, do SBT, foi eleito o deputado federal mais votado por São Paulo, e por</p><p>três vezes quase conquistou a prefeitura de São Paulo.</p><p>O mesmo aconteceu com Antônio Britto, repórter e comentarista político</p><p>da Rede Globo, que chegou a diretor de Jornalismo da emissora, em Brasília.</p><p>Tancredo Neves deu o pontapé inicial em sua carreira política, quando o</p><p>convidou para ser assessor de imprensa da Presidência da República. Cargo</p><p>que não chegou a exercer efetivamente: ele atuou mesmo como porta-voz da</p><p>agonia de Tancredo. Por suas aparições diárias nas televisões de todo o país,</p><p>durante 40 dias, dando notícias sobre a saúde do presidente, Britto ganhou</p><p>notoriedade, foi eleito deputado, brilhou na Assembleia Constituinte e</p><p>tornou-se governador do Rio Grande do Sul.</p><p>Curioso é notar que a televisão era o principal veículo que informava ao</p><p>Brasil sobre o calvário do presidente doente – tanto pelos boletins frequentes</p><p>em frente ao Instituto do Coração, em São Paulo, onde ele estava internado,</p><p>como pelos brie�ngs de Britto. E foi pela televisão, no �nal da noite de um</p><p>domingo, no Fantástico, que o porta-voz Antônio Britto anunciou a morte</p><p>do presidente, no dia 21 de abril de 1985.</p><p>Um caso notório de passagem do Jornalismo para a política foi o do</p><p>jornalista Fidélis dos Santos Amaral Neto, que jamais negou sua simpatia</p><p>pelos militares. Nos anos 1970, ganhou um programa semanal na TV Globo</p><p>– Amaral Neto, o Repórter – onde colocava no ar as belezas do país e as</p><p>realizações do regime militar (“Esse é um país que vai pra frente”), como se</p><p>fossem grandes reportagens. Chegou a deputado estadual pelo Rio de</p><p>Janeiro e a deputado federal, líder de partido e um dos mais polêmicos</p><p>parlamentares, a favor da pena de morte. Entrevistei-o várias vezes, em</p><p>Brasília, e ele sempre mostrava sua mágoa com os militares, que impunham</p><p>restrições – e mesmo censura – a seu trabalho: todas as cores favoráveis com</p><p>que ele pintava o quadro político nacional não eram su�cientes.</p><p>Amaral</p><p>Neto foi um dos últimos baluartes explícitos da direita política no país.</p><p>Ainda não existia o bolsonarismo.</p><p>Na verdade, o Jornalismo sempre foi pródigo em fornecer à política</p><p>pro�ssionais brilhantes, como Carlos Lacerda, Pompeu de Souza, Hermano</p><p>Alves, Márcio Moreira Alves e Carlos Castelo Branco, que deixaram marcas</p><p>na história do Brasil, não apenas se dedicando diretamente à política, mas</p><p>também assessorando políticos.</p><p>Em Brasília, sede do poder federal, é muito grande o número de</p><p>jornalistas que ainda deixam os jornais ou televisões para trabalhar em</p><p>assessorias. Cada ministério tem um departamento ou uma secretaria de</p><p>Comunicação ou Imprensa, cada deputado ou senador pode ter um, assim</p><p>como as lideranças, as presidências da Câmara e do Senado, todos os órgãos</p><p>da administração direta e indireta, sem contar os pro�ssionais que atuam na</p><p>Câmara Distrital (uma espécie de Assembleia Legislativa, como há nos</p><p>estados). Hoje, até o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)</p><p>tem um assessor de imprensa. O elo entre política e Jornalismo é uma</p><p>realidade cada vez mais palpável.</p><p>A profusão de cargos de assessoria de imprensa – e o gordo salário que</p><p>eles carregam – faz com que muitos jornalistas se instalem ali</p><p>de�nitivamente. Além disso, foram criadas outras brechas o�ciais, com o</p><p>aparecimento de TVs estatais, na Câmara, no Senado, no Judiciário. E se nos</p><p>estados isso acontece com frequência, em Brasília o panorama é ainda mais</p><p>corriqueiro. Na capital da República, por sua concepção urbanística, é</p><p>natural encontrar-se com ministros na farmácia, presidentes de tribunais na</p><p>banca de jornal, deputados fazendo caminhadas.</p><p>Ou seja, nesse mar onde navegam políticos e jornalistas, é difícil evitar</p><p>uma aproximação fora dos corredores do Congresso, dos gabinetes, dos</p><p>plenários. Praticamente toda semana tem festa promovida por algum</p><p>jornalista, com a presença de políticos das mais variadas tendências, espécies</p><p>e hierarquias. Líderes de bancada, ministros, deputados, senadores, até</p><p>presidentes da Câmara e do Senado. Normalmente são aquelas pessoas que</p><p>vivem sozinhas em Brasília, que precisam se aproximar da imprensa, a qual</p><p>também necessita de suas informações. É a intimidade de uma festa que faz</p><p>a notícia brotar no dia seguinte. Ou na outra semana. Algum dia ela aparece</p><p>e é publicada.</p><p>Inimigos íntimos</p><p>No entanto, da mesma forma que existe esse amor intrínseco do jornalista</p><p>especializado por sua área especí�ca de atuação, existe também o temor de</p><p>quem atua na política pela caneta ou pelo microfone do jornalista. Não há</p><p>semana em que um político não reclame da imprensa, como o próprio ex-</p><p>presidente Lula salientou. E, nos casos extremos, há sempre um deputado ou</p><p>senador apontando suas mágoas para as câmeras. O ex-senador José</p><p>Roberto Arruda, que renunciou ao mandato depois de confessar que</p><p>bisbilhotou o voto secreto dos senadores no painel de votações, deu como</p><p>uma das causas de sua renúncia os comentários cáusticos e impiedosos dos</p><p>jornalistas.</p><p>E não há como deixar de citar, mais uma vez, a experiência norte-</p><p>americana. Se aqui no Brasil o brie�ng à imprensa e mesmo a criação de um</p><p>comitê no edifício em que o presidente despacha são coisas recentes, nos</p><p>Estados Unidos elas datam do começo do século XX. Por incrível que</p><p>pareça, foi somente no regime militar brasileiro que apareceu a �gura do</p><p>porta-voz, via Assessoria de Relações Públicas. Normalmente, a tarefa de</p><p>porta-voz era comandada por um general. Depois, vieram os diplomatas.</p><p>Isso não quer dizer, porém, que os presidentes norte-americanos viviam</p><p>sempre às mil maravilhas com os jornalistas. Ao contrário. Lyndon Johnson,</p><p>sucessor de John F. Kennedy, lia todos os jornais pela manhã, escutava as</p><p>notícias pelo rádio e tinha três aparelhos de TV e dois teletipos – na época,</p><p>não havia computador, muito menos internet – em seu gabinete. Chegou a</p><p>dizer: “Con�o tanto na imprensa quanto con�o em minha mulher”72.</p><p>Em seguida, veio o desencanto. Em um país que vive a plenitude</p><p>democrática, a investigação e a crítica são sempre impiedosas. Meses depois</p><p>de ter declarado seu amor aos jornalistas, Johnson se corrigiu: “A imprensa é</p><p>o setor da sociedade dos Estados Unidos menos orientado, menos</p><p>disciplinado”73. E ele foi um dos presidentes que mais atenderam os</p><p>repórteres, tanto na Casa Branca como em seu rancho particular. O que não</p><p>impediu que um dos jornalistas certa vez sentenciasse: “Os presidentes são,</p><p>em geral, péssimos em suas relações com a imprensa. Johnson é muito pior</p><p>que isso”74.</p><p>Nem Kennedy escapou. Tanto ele quanto sua esposa Jackie pensavam que</p><p>iriam dominar o ofício, já que haviam trabalhado na área: ela no Washington</p><p>Times Herald, e ele na agência International News Service, antes da fusão</p><p>com a United Press. Mas, já na campanha, os dois viram que a parada não</p><p>seria fácil: apenas 17% dos diários davam apoio à candidatura JFK – 208</p><p>jornais apoiavam Kennedy, enquanto 731 apoiavam Nixon.</p><p>Logo depois de sua posse, em 1961, as relações �caram mais tensas, em</p><p>função do episódio da Baía dos Porcos – a tentativa de invasão a Cuba</p><p>orquestrada pelo governo norte-americano. Uma semana depois do fracasso,</p><p>Kennedy lançou a ideia da “autodisciplina”, que nada mais era que a</p><p>supressão das notícias que pudessem trazer prejuízos à segurança nacional.</p><p>Ou seja, as ideias de censura, como as lançadas por George W. Bush diante</p><p>da ameaça de ataques terroristas ao país em seu governo, não são novas. A</p><p>liberdade, no país chamado de mais democrático do mundo, também tem</p><p>seus limites, e de uma forma constrangedora: banindo-se a liberdade de</p><p>imprensa. E �ca a pergunta: quem está habilitado a de�nir o que é “interesse</p><p>nacional”?</p><p>Com Donald Trump, as relações �caram ainda mais estressadas. Trump</p><p>xingou a imprensa de tudo e até mesmo impediu determinados jornalistas –</p><p>que ele pensa fazerem perguntas inoportunas – de frequentarem seus</p><p>brie�ngs na Casa Branca. E foi ele, ainda durante a campanha, que tornou</p><p>popular a expressão fake news. Para ele, toda notícia que não lhe agrada,</p><p>sendo verdadeira ou não, é notícia falsa.</p><p>Marvin Kalb, jornalista norte-americano que era considerado inimigo</p><p>pelo ex-presidente Richard Nixon, lançou em 2018 o livro Inimigo do povo,</p><p>no qual desvenda a artimanha dos governantes de tratar os jornalistas como</p><p>desafetos. Em entrevista à repórter Beatriz Bulla, do Estado S. Paulo, Kalb</p><p>alertou para o fato de que atacar a imprensa é uma tática política. Mais que</p><p>isso: “Se você ataca a imprensa, está atacando as bases da liberdade de</p><p>expressão e do jogo democrático”, disse ele75.</p><p>A ira de Trump contra a imprensa veio desde a campanha. Quando</p><p>assumiu a presidência, a bolha explodiu. A tal ponto que quali�cou toda a</p><p>mídia norte-americana de “partido de oposição”, assim que 350 jornais –</p><p>com movimento comandado pelo Boston Globe – publicaram ao mesmo</p><p>tempo, em seus editoriais, uma defesa contundente da liberdade de</p><p>imprensa. O desabafo de Trump veio de bate-pronto: “A imprensa das fake</p><p>news é o partido de oposição. É muito ruim para o nosso grande país... Mas</p><p>estamos ganhando”76.</p><p>Não é preciso ir muito longe – há também vários exemplos de tal</p><p>comportamento aqui no Brasil. Nos governos do PT, um tema que jamais</p><p>saiu da pauta – e, felizmente, �cou por ali mesmo – foi a tal regulação dos</p><p>meios de comunicação, que nada mais é do que a tentativa de segurar as</p><p>chamadas “maquinações” da mídia. Em outras palavras, controlar as críticas</p><p>ao governo. Qualquer governo. Ou seja, jornalista só é bom quando está do</p><p>lado do governante.</p><p>O governo Bolsonaro é pródigo nessas especulações. Foram dezenas,</p><p>centenas as ocasiões em que o presidente e seus �lhos partiram para a</p><p>guerra contra determinada parte da mídia, exatamente aquela que não</p><p>comunga com seus propósitos. O lema parece ser “criticou, é meu inimigo”,</p><p>quando se sabe que o eixo central do Jornalismo é questionar as ações do</p><p>poder, colocar na roda as atitudes dos governantes, ir a fundo em questões</p><p>sensíveis e cobrar medidas que muitas vezes não agradam quem governa o</p><p>país. Tenha ele a posição política que tiver.</p><p>A jornalista Patrícia Campos Mello disserta em seu livro, com clareza e</p><p>destemor, toda essa situação que opõe os desejos do governante às</p><p>revelações que ele não quer que venham à tona. O livro é A máquina do</p><p>ódio, e ele deixa claro, com todas as letras, que a internet e as redes sociais</p><p>podem prejudicar, desmoralizar, mentir e derrubar reputações com apenas</p><p>um clique. Ou em vários cliques, comandados por robôs.</p><p>A máquina do ódio, publicado em 2020, decifra a estrutura montada para</p><p>destruir os jornalistas e os jornais que criticam o governo, operada por</p><p>apoiadores da ideologia em vigor, como se só ela pudesse subsistir e como se</p><p>tudo que não compactuasse com ela pertencesse a um gênero classi�cado</p><p>como “extrema-imprensa”. E a carga mais pesada das agressões vem sendo</p><p>direcionada preferencialmente às jornalistas, pro�ssionais mulheres que são</p><p>hoje o principal esteio do Jornalismo crítico.</p><p>Patrícia não �ca apenas no governo Bolsonaro e seus asseclas. Ela põe o</p><p>dedo nas várias feridas que circulam pelo mundo afora, em países</p><p>comandados por dirigentes que odeiam que sua vida real e suas negociatas</p><p>sejam expostas e combatidas. Odeiam críticas a suas ideias e a seus atos. E</p><p>descreve o que acontece na Venezuela, na Hungria, na Turquia, não</p><p>importando se o governo é de direita ou de esquerda – é o governo que se</p><p>instala, tenta se eternizar e usa essa pretensão com mão de ferro.</p><p>E como funciona essa mão de ferro? O caminho mais curto é calar a</p><p>oposição, via meios de comunicação e, para isso, o governo usa as redes</p><p>sociais sem discriminação nem pudor, com mentiras, fake news,</p><p>linchamentos morais. Em seguida, vêm as prisões de jornalistas e por aí vai.</p><p>Isso já acontece em países como Hungria e Venezuela – com governo de</p><p>ideologias opostas – e há ameaças no ar em outros lugares. Essas ações são</p><p>recorrentes em todos os países onde o populismo viceja. Nós, jornalistas</p><p>brasileiros, vivemos isso na pele e nos empregos – e não é de hoje, mas as</p><p>redes sociais e os novos aparatos da internet estão potencializando as</p><p>agressões, algumas delas insuportáveis.</p><p>Vamos aos exemplos, e eles são muito parecidos entre todos os países que</p><p>primam por debochar da democracia, sejam governos de direita, de centro</p><p>ou de esquerda, ou seja lá o nome que se queira dar a esses governantes</p><p>inábeis que, antes de qualquer coisa, são modelos estereotipados de puro</p><p>narcisismo. Tanto na Venezuela como na Hungria, o roteiro básico é sempre</p><p>solapar as empresas de comunicação independentes do governo, tirando-</p><p>lhes a publicidade, depois a concessão e, em seguida, ofertando seus canais</p><p>para amigos do poder. Essa é uma realidade indiscutível.</p><p>A cartilha é tão banal que uma medida tomada ou sugerida por um</p><p>déspota logo é seguida por outros. Bastou Trump anunciar que cortaria</p><p>assinaturas de jornais pouco simpáticos a ele que Jair Bolsonaro avisou que</p><p>cancelaria a assinatura da Folha de S. Paulo, que fustiga seu governo. É</p><p>muito cansativo.</p><p>As TVs Câmara e Senado, aqui no Brasil, também funcionam como facas</p><p>de dois gumes. A TV Senado chegou primeiro e trouxe com ela várias</p><p>consequências. Uma delas foi a maior assiduidade dos parlamentares nas</p><p>sessões e nas comissões, para aparecer e se mostrar aos eleitores. Resultado:</p><p>sessões que terminavam às 6 da tarde, agora se arrastam noite adentro. Os</p><p>senadores também passaram a se vestir melhor e agora procuram falar um</p><p>português mais correto, quando é possível.</p><p>Temos o exemplo de um ex-senador, Ney Suassuna, do PMDB da Paraíba,</p><p>que criticava e aplaudia, ao mesmo tempo, o nascimento da televisão no</p><p>Senado. Dizia ele que não podia errar uma concordância que choviam</p><p>críticas. E que recebia reclamações até pela roupa que usava. “Virei refém da</p><p>TV”, dizia ele. “Tenho de escolher uma gravata diferente a cada dia”.</p><p>O efeito CPI</p><p>A in�uência da TV, porém, é sentida em temas mais sérios. Quando o</p><p>deputado Roberto Jefferson foi convocado a prestar depoimento no</p><p>Conselho de Ética da Câmara, em 2005, por suas denúncias de pagamento</p><p>de mesadas a parlamentares, por parte do PT, partido então do governo, ele</p><p>não queria que nada fosse feito em sigilo, como de costume. Ao contrário,</p><p>pediu que tudo fosse aberto. E “ser aberto” signi�cava transmitir seu</p><p>depoimento ao vivo, pela TV Câmara. E claro, ele sabia, pelas TVs a cabo,</p><p>principalmente a GloboNews, televisão por assinatura da Rede Globo.</p><p>Na ocasião, o deputado estaria exposto, poderia fazer suas denúncias,</p><p>bater forte em quem quisesse, exercitar seus dons de oratória e seus gestos</p><p>teatrais. Jefferson é advogado criminalista e conquistou seu primeiro</p><p>mandato depois de apresentações espalhafatosas em um programa</p><p>popularesco, ainda nos primeiros anos do SBT. E aí poderia também criticar</p><p>a própria imprensa, já que ele não fugiu à regra: como sempre, nesses casos,</p><p>a defesa é o ataque, como se os órgãos de imprensa – jornais, revistas, canais</p><p>de TV – fossem culpados pelos desatinos da política. Foram quase sete horas</p><p>de Roberto Jefferson no ar, usando equipamentos, tempo, energia e pessoal</p><p>da Câmara dos Deputados, em proveito próprio. Nasceu aí o caso do</p><p>“Mensalão”, que começou a abalar a estrutura política do Partido dos</p><p>Trabalhadores. (É bom que se diga que Roberto Jefferson só foi convocado</p><p>pela CPI por sua entrevista bombástica à jornalista – até a publicação deste</p><p>livro atuando na TV Globo – Renata Lo Prete, quando ainda estava na</p><p>Folha.)</p><p>Na tática do advogado que gosta de irritar a plateia, ao colocar pimenta</p><p>nas declarações, não faltaram farpas e tiros em cima das revistas Veja – “e</p><p>tucana”, quer dizer, controlada pelo PSDB – e Época (do Grupo Globo), do</p><p>jornal O Estado de S. Paulo e das Organizações Globo em geral: jornal, rádio</p><p>e televisão.</p><p>Ao mesmo tempo que seu depoimento recebia tratamento pro�ssional e</p><p>cobertura farta, como sempre acontece nesses casos, Roberto Jefferson</p><p>aproveitou as luzes e a atenção de todo o país para pôr para fora seu</p><p>desagrado quanto à maneira como vinha sendo tratado pela imprensa:</p><p>estava incomodado com as notícias que não falavam bem dele – ao</p><p>contrário, mostravam coisas que ele não gostaria que viessem a público.</p><p>Jefferson falou outras tantas horas no depoimento à Comissão</p><p>Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, no �nal de junho de 2005, e</p><p>mais uma vez criticou e zombou dos veículos de comunicação. O mais</p><p>curioso, porém, é que um de seus acusados preferidos, o então tesoureiro do</p><p>PT, Delúbio Soares, dias depois, ao receber uma honraria em Goiânia, sua</p><p>terra natal, assim como Jefferson, bateu nos mesmos órgãos de informação,</p><p>alegando que o que eles pretendiam era derrubar o governo.</p><p>Ou seja, não é a mídia que incomoda a vida das pessoas, mas os fatos</p><p>revelados, as verdades escondidas nos porões, nas salas dos palácios.</p><p>Ninguém gosta de ver a própria vida devassada. Ainda mais se aí forem</p><p>encontrados erros, falcatruas, questões mal explicadas. Jefferson reagiu com</p><p>fúria, com dentes cerrados; Delúbio, com vergonha, com lágrimas nos olhos.</p><p>Reações contrapostas, mas com apenas um alvo: a imprensa, que somente</p><p>cumpriu com seu dever – o dever de repassar à sociedade os fatos que</p><p>emergem de lugares ocultos da política.</p><p>Contudo, nesse caso da crise do governo e do PT – que também pode ser</p><p>chamada de “caso das malas de dinheiro”, “do carequinha” etc. – há três</p><p>curiosidades sobre a relação con�ituosa entre TV e políticos. A primeira é</p><p>que um dos envolvidos seriamente no episódio, o empresário Marcos</p><p>Valério Fernandes de Souza, sócio – na verdade, sócia é a mulher dele – de</p><p>empresas de publicidade (SPM&B e DNA), usou pelo menos duas vezes a</p><p>televisão (TV Globo) para dar explicações à sociedade sobre a dinheirama</p><p>que correu sem contabilidade para os cofres do Partido dos Trabalhadores.</p><p>Assim como o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, utilizou a Globo para</p><p>dar as mesmas explicações.</p><p>E mais: o próprio ex-presidente</p><p>Lula, econômico ao extremo em dar</p><p>entrevistas em solo brasileiro, não vacilou ao conceder entrevista em Paris, a</p><p>uma desconhecida jornalista brasileira (Melissa Monteiro), que trabalhava</p><p>em uma produtora francesa. Foi aí que apontou os erros do PT e disse que o</p><p>que o partido havia feito – tomar dinheiro no mercado e não registrar no</p><p>Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chamado “caixa dois” – era comum entre</p><p>os partidos. Ou seja, todos odeiam e se afastam da TV, de acordo com seus</p><p>interesses.</p><p>Esse episódio da CPI dos Correios, que estarreceu o país, consolidou</p><p>de�nitivamente as duas TVs do Poder Legislativo. O Instituto QualiBest,</p><p>que realiza pesquisas para o mercado publicitário, revelou, no �nal de julho</p><p>de 2005, que a TV Senado acabou superando em audiência os noticiários</p><p>Bom Dia Brasil, da Globo, e Jornal da Noite, da Band. Naquele mês, dos dias</p><p>16 a 26, a pesquisa mostrou que 16% dos entrevistados assistiram à TV</p><p>Senado, enquanto 15% viram o Bom Dia e 11%, o Jornal da Noite. Mais</p><p>ainda: a TV Senado, que tem sinal fechado, apareceu até mesmo na frente de</p><p>outras TVs pagas. A GloboNews, que é o melhor e mais completo canal de</p><p>Jornalismo da TV por assinatura, �cou com apenas 13% da preferência de</p><p>quem assistia aos depoimentos.</p><p>Não apenas os telespectadores foram contagiados pela febre de CPIs que</p><p>tomou conta do noticiário, dos jornais e dos telejornais. O espírito</p><p>jornalístico baixou em praticamente todos os programas apresentados pelos</p><p>mais diversos canais de TV, por mais que eles nada tivessem a ver com</p><p>informação política. Mas esse é um �lão generoso, que trata em especial da</p><p>vida e do futuro do país – uma oportunidade única para se discutir política</p><p>em horário nobre, o que raramente acontece. Há um consenso nas che�as de</p><p>todas as TVs de que política não dá audiência, o que aos poucos vem sendo</p><p>desmentido pelos fatos.</p><p>Pode-se dizer que as TVs do Congresso já fazem parte da vida dos</p><p>parlamentares. A tal ponto que, em uma das últimas sessões de 2001, o</p><p>vetusto Senado presenciou uma cena inusitada. O falecido senador Artur da</p><p>Távola, que também era jornalista e se dizia conhecedor de televisão, pediu à</p><p>direção da Casa que o posicionamento da câmera frontal do plenário (são</p><p>três câmeras) fosse mudado. Motivo do senador: ela estava instalada na</p><p>parte superior do plenário e pegava os senadores de costas, dando destaque</p><p>especial às suas... carecas. Nada a ver com o brilho dos discursos, tudo a ver</p><p>com os cuidados da vaidade.</p><p>Esse é o lado bem-humorado da história. O lado produtivo é que as</p><p>emissoras do Congresso também funcionam como pressão sobre os</p><p>parlamentares, na hora de tomarem decisões impopulares. O que</p><p>provavelmente pode acontecer também com os ministros do Judiciário,</p><p>expostos como nunca aos olhos da nação. Como �cam mais expostos e estão</p><p>diante das câmeras em tempo real, na hora do voto ou de um discurso</p><p>impopular, eles podem pensar duas vezes. E, com isso, tomar uma decisão</p><p>mais ao gosto do cidadão ou da pressão da mídia, que é o re�exo da voz das</p><p>ruas. Há controvérsias quanto ao assunto, principalmente no Judiciário.</p><p>Há, contudo, políticos que tratam a mídia como gênero de primeira</p><p>necessidade. O ex-ministro da Justiça de José Sarney, o falecido ex-deputado</p><p>Fernando Lyra, era convidado frequente nos primeiros anos do Bom Dia</p><p>Brasil, por sua atuação parlamentar e por ter contribuído com as leis que</p><p>puseram �m à censura. Ali, ele aprendeu a falar e a gostar de televisão.</p><p>A presença das câmeras em plenário seguramente mudou também a</p><p>atitude de deputados e senadores. Tanto no aspecto físico como no discurso.</p><p>Eles passaram a ser menos ambíguos e complicados na hora de expor um</p><p>tema, principalmente para explicar decisões que ferem os interesses da</p><p>população.</p><p>Contra e a favor</p><p>Ao perguntar a Boni qual político deu mais trabalho para os pro�ssionais</p><p>da Globo, no tempo em que dirigiu a emissora, ele não titubeou em dizer</p><p>que foi o ex-presidente João Figueiredo, pela proximidade que sempre teve</p><p>com Roberto Marinho, até o momento da ruptura. Essa ruptura, na verdade,</p><p>foi um dos casos mais estranhos ocorridos entre um jornalista – mesmo que</p><p>ele seja patrão – e um governante, e um exemplo claro de como o</p><p>temperamento de quem governa pode determinar o rumo dos</p><p>acontecimentos e, talvez, até mesmo da história.</p><p>Quem conta o episódio é Luiz Eduardo Borgerth, falecido, e que foi</p><p>diretor da Globo durante décadas, em seu livro Quem e como �zemos a TV</p><p>Globo. Diz ele que, depois de uma visita de João Figueiredo às instalações da</p><p>Globo, no Rio, o dr. Roberto Marinho �cou de enviar ao presidente suas</p><p>considerações do que acreditava ser, com sinceridade, “uma política correta</p><p>para a televisão brasileira (e era), e que o presidente tomou como uma</p><p>ofensa, um atrevimento”77. O rompimento foi imediato, e acabou jogando</p><p>Marinho nos braços de Tancredo Neves. Foi o tempero mais forte para o</p><p>decreto �nal da ditadura e para a instalação da Nova República.</p><p>Foi também o �m de uma amizade, de uma estima que um tinha pelo</p><p>outro, amizade que vinha dos tempos em que ambos praticavam equitação.</p><p>Essa ligação da autoridade com o dono da empresa signi�cou pressão de</p><p>todos os lados. Mas acabou de maneira burlesca.</p><p>Quando o contato é mais de temor do que de amizade, as coisas mudam.</p><p>Boni disse que entre o ex-presidente José Sarney e Roberto Marinho sempre</p><p>existiu um distanciamento respeitoso. Um tinha receio do outro. Marinho</p><p>prestava reverência ao poder presidencial, e José Sarney temia o poder do dr.</p><p>Roberto. As coisas �uíam melhor.</p><p>Nos anos 1950, as relações eram outras. São inúmeras as testemunhas da</p><p>maneira pouco convencional que o político paulista Ademar de Barros – que</p><p>foi prefeito, governador e candidato a presidente da República – tratava os</p><p>jornalistas. Um deles, de amizade estreita com Ademar, era José Carlos</p><p>Oliveira, o “Tico-Tico”, repórter esperto e furão, empregado de Assis</p><p>Chateaubriand, de quem herdou muitos vícios, como a busca incansável da</p><p>proximidade promíscua com o poder.</p><p>Pois bem: certa vez, em uma solenidade, Tico-Tico se preparava para</p><p>entrar no ar e acertava o equipamento de rádio, um mastodonte, quando</p><p>chegou o governador. Tico-Tico estava debruçado sobre o equipamento,</p><p>com o traseiro para cima. Ademar não vacilou: en�ou-lhe o polegar, na</p><p>frente de todos. O riso foi geral diante do fato inusitado.</p><p>Seguramente, não é essa a relação de que fala Boni. Ele se refere a um</p><p>relacionamento civilizado. E essa civilidade depende muito da intimidade</p><p>que se permite e que se exige. O distanciamento é importante, sem quebra</p><p>de ética e dentro dos limites de um contato pro�ssional. Há até quem</p><p>acredite que o jornalista não deve sequer visitar o bar frequentado por sua</p><p>fonte de notícias. Mas os políticos adoram e buscam esse tipo de</p><p>proximidade.</p><p>Se esse contato é delicado quando se trata de jornalistas da mídia</p><p>impressa, ao se falar dos jornalistas de televisão, a sutileza é maior ainda.</p><p>Poucos são os que conseguem esconder suas preferências políticas, e tudo se</p><p>confunde em um grande caldeirão de informações, opiniões e interesses.</p><p>O diretor de um canal de televisão de Washington, um dos poucos</p><p>jornalistas republicanos da capital dos Estados Unidos, saiu em defesa dos</p><p>repórteres, assegurando que eles não são ativistas políticos, mas, é claro,</p><p>buscam promover a agenda de um político ou de um partido em detrimento</p><p>de outra. E que são menos conservadores que os comentaristas.</p><p>Quando trazemos essa realidade para o Brasil, tudo se torna mais claro. O</p><p>exemplo mais próximo de nós é o do governo Fernando Collor. Logo no</p><p>início do mandato, recém-empossado, ele �cou chocado com a postura de</p><p>alguns repórteres, que cantavam baixinho, mas alto o su�ciente para que ele</p><p>ouvisse, o refrão da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, o “Lula-lá”. Em</p><p>contrapartida, nas redações, os comentaristas eram quase todos – há</p><p>exceções honrosas – favoráveis ao plano que o novo presidente acabava de</p><p>lançar, e que depois desembocou</p><p>intenso na minha cabeça, primeiro por eu tê-lo vivido tão fortemente, e isso</p><p>me dá um orgulho danado e uma sensação gostosa e estranha de ter</p><p>participado desse momento febril da história do Brasil; segundo, por ele ter</p><p>virado um documentário, e como é curioso e maravilhoso ver o que você</p><p>viveu com tanta intensidade registrado em �lme.</p><p>O documentário é Estranhos na noite, título inspirado exatamente no grito</p><p>de guerra do Gegê, com roteiro do jornalista José Maria Mayrink e direção</p><p>de Camilo Tavares, �lho do jornalista Flávio Tavares, que tinha sido preso,</p><p>torturado e banido do país – foi um dos 15 trocados pela liberdade do</p><p>embaixador norte-americano Charles Elbrick. É emocionante ver os</p><p>personagens que participaram diretamente dessa história, e com quem</p><p>convivi, reviver esse documentário que cheira a �lme pastelão e que serve de</p><p>exemplo para o que não deve mais acontecer.</p><p>Será que tínhamos noção do importante e delicado momento da história</p><p>que estávamos vivendo, que estávamos construindo? Duvido. Ninguém</p><p>pensava nisso, muito menos nos ensinamentos que muitos de nós tínhamos</p><p>aprendido na faculdade – a teoria muito longe da prática (na verdade,</p><p>poucos ali tinham cursado faculdade; eram jornalistas natos). Mas foram</p><p>momentos mágicos que atualmente fazem me emocionar demais.</p><p>A emoção de hoje, porém, foi a angústia de ontem. A censura nos</p><p>maltratava todos os dias, embora procurássemos levar a situação na base da</p><p>zombaria, porque sabíamos que um dia ela teria �m.</p><p>Um dos casos mais espantosos foi o da epidemia de meningite, que</p><p>avançava sobre o país – em 1974, já eram mais de 12 mil casos na cidade de</p><p>São Paulo, uma média de 33 casos por dia. Foram constatados 900 casos de</p><p>morte. Os governantes não queriam divulgar o caos na saúde pública, que</p><p>era uma demonstração clara de sua total incompetência. Resultado: nada se</p><p>publica.</p><p>Eu era copidesque – aquele pro�ssional que ajusta o texto ao tamanho que</p><p>a matéria deve ter na página diagramada, uma função que nem existe mais –</p><p>na redação do Estadão e fui designado para fechar uma página sobre a</p><p>epidemia que varria o país. Preparei todo o material, que incluía um</p><p>levantamento dos casos e a situação do Hospital Emílio Ribas, o único que</p><p>tratava a doença em São Paulo. Foram horas de trabalho, colhendo o</p><p>material, diagramando a página, redigindo o texto, fazendo os títulos. Até</p><p>que o editor veio até mim:</p><p>– Pode largar tudo. A censura proibiu.</p><p>Assim, curto e grosso. No mesmo dia, a tesoura do “Stranger” podou</p><p>ainda a reportagem do Reali Júnior, correspondente do Estadão em Paris,</p><p>que havia entrevistado os donos do Laboratório Mérieux, que revelaram que</p><p>a produção de vacinas não conseguia dar conta da demanda brasileira. Era</p><p>uma epidemia nacional que os generais de plantão queriam esconder da</p><p>população brasileira.</p><p>Essa não é uma atitude inteligente. E um exemplo disso vimos em 2019,</p><p>quando um médico chinês, Li Wenliang, alertou sobre a existência de um</p><p>novo e terrível vírus no ar, o novo coronavírus – depois batizado de SARS-</p><p>Cov2 –, e foi severamente repreendido pela polícia do país, que classi�cou</p><p>sua descoberta como boato. Vimos o que aconteceu: o crescimento de uma</p><p>pandemia que matou e continua matando milhões de pessoas – inclusive o</p><p>próprio Wenliang – e abalou o mundo. A censura nunca faz bem.</p><p>Entre versos e doces</p><p>Claro, não foi apenas o Estadão – além do Jornal da Tarde – que sofreu</p><p>com as excentricidades de uma ditadura, nos quase dois anos de censura</p><p>intensa – com mais de mil textos cortados. A Editora Abril foi outra empresa</p><p>que sangrou nas mãos do poder militar que governou o país durante mais de</p><p>20 anos. Pude assistir a isso – e me frustrar, por não encontrar nas bancas –</p><p>como leitor da revista Realidade, que teve números brilhantes apreendidos</p><p>pela neurose moralizante dos militares no poder.</p><p>Carlos Maranhão, que construiu toda sua carreira pro�ssional na Abril,</p><p>conta no livro Roberto Civita: o dono da banca as agruras enfrentadas pela</p><p>direção e pelos jornalistas diante da imposição dos censores. Pela citação de</p><p>nomes como o do arcebispo de Olinda, dom Hélder Câmara, e do cantor e</p><p>compositor Geraldo Vandré, a revista Veja foi advertida e depois punida</p><p>com a inclusão de um censor em sua redação – ou melhor, longe dela, já que</p><p>esse censor preferia receber os textos em casa, onde poderia amputá-los com</p><p>mais liberdade.</p><p>Outro que enfrentou a censura nos tempos duros da ditadura (não a de</p><p>1964, mas a de Vargas) foi o brilhante Carlos Castello Branco. Carlos Marchi</p><p>conta na biogra�a de Castelinho – Todo aquele imenso mar de liberdade – os</p><p>dissabores enfrentados por ele na redação do jornal O Estado de Minas,</p><p>quando teve de encarar frente a frente o censor que aniquilava as matérias. A</p><p>palavra democracia, por exemplo, era proibida em títulos. No �nal dos</p><p>tempos de censura, Castelinho simplesmente expulsou o censor da redação,</p><p>a pedido do dono do jornal, Assis Chateaubriand. Mas com delicadeza: ao</p><p>sentar à mesa, Ataliba, o censor, ouviu de Castelinho que, se quisesse ler o</p><p>jornal, comprasse na banca, que ali não iria ler mais.</p><p>Talvez a história mais extraordinária que a censura proporcionou ao</p><p>Jornalismo tenha ocorrido no Jornal do Brasil, dirigido pelo grande</p><p>jornalista Alberto Dines, falecido em 2018. A jornalista Belisa Ribeiro relata</p><p>pormenores da ópera em seu livro Jornal do Brasil: história e memória – os</p><p>bastidores das edições mais marcantes de um veículo inesquecível.</p><p>Era 11 de setembro de 1973 – 11/9 tem sido sempre uma marca</p><p>memorável para a humanidade. Tarde da noite, veio a notícia do golpe no</p><p>Chile, com a invasão do Palácio de La Moneda, a tomada do poder pelos</p><p>militares e a morte do presidente Salvador Allende. Por aqui, a censura fez</p><p>valer a sua força: estava proibido dar manchetes sobre a morte de Allende –</p><p>da mesma forma que não se podia escrever a palavra democracia, falar sobre</p><p>o surto de meningite, publicar demissão de ministro e tantos outros</p><p>absurdos.</p><p>Muito bem. A direção da redação se reuniu, e Dines teve a ideia: não pode</p><p>dar manchete, então não se dá manchete – a saída foi dar toda a primeira</p><p>página em corpo 18 (que é um tamanho de letra usado em pequenos títulos</p><p>dentro da página), e para isso utilizou a máquina de títulos Ludlow. Criou-se</p><p>uma edição histórica, foi cumprida a determinação da censura e a</p><p>informação não foi subtraída dos leitores. A genialidade contra a besta. E</p><p>esse é apenas um exemplo dos recursos usados pelos jornalistas para escapar</p><p>da fúria das restrições.</p><p>Em geral, a censura vinha por telefone e era sacramentada pelo tacão do</p><p>censor em pessoa. De 1972 a 1974, foram mais de 286 comunicações</p><p>impostas que tratavam dos mais diferentes assuntos: de especulações sobre a</p><p>sucessão do presidente da República – no caso, o general Médici – à</p><p>entrevista de dom Hélder Câmara; de notícias e comentários sobre a</p><p>explosão de uma bomba no consulado norte-americano em São Paulo a</p><p>notícias e críticas da peça Calabar, de Chico Buarque, entre tantas outras.</p><p>Claro, nessa época de brutalidades, a censura não pegou apenas a</p><p>chamada imprensa tradicional, que sofreu muito. Sofreram mais, porém, os</p><p>jornais menores, que militavam contra o regime, e que traziam oxigênio a</p><p>um ambiente sufocado. Eram jornais que traziam o humor e as informações</p><p>que o governo da hora não queria, mas que, pela teimosia, �zeram história.</p><p>A lista de jornais nessas condições não é pequena e se compõe de</p><p>alternativos, mas também clandestinos, parte deles produzida fora do país.</p><p>A história detalhada de cada um foi contada no livro As capas desta história,</p><p>organizado pelo saudoso jornalista e meu fraterno amigo Ricardo Carvalho.</p><p>Mas vamos nos restringir às publicações “permitidas” pela ditadura, que</p><p>seguiram a vida aos trancos e barrancos, a maior parte com duração</p><p>curtíssima. Falo do Pasquim, hoje venerado como tendo sido o melhor</p><p>semanário político de humor; do Opinião – do empresário nacionalista</p><p>Fernando Gasparian, ao lado do jornalista Raimundo Rodrigues</p><p>em fracasso.</p><p>Os norte-americanos são mais explícitos nesse tema. George W. Bush</p><p>sempre soube, desde o começo de seu governo – depois de uma eleição</p><p>tumultuada –, que iria enfrentar uma pedreira. Como disse aquele diretor de</p><p>TV de Washington, a maior parte dos repórteres que cobriam a Casa Branca</p><p>não havia votado em Bush, nem concordava com suas propostas. Porém, o</p><p>corpo de repórteres, mesmo não engrossando o coro das ideias do</p><p>presidente, não iria fazer campanha contra – só �caria mais atento aos</p><p>escândalos. Ninguém era tolo para ignorar que todos teriam de</p><p>compartilhar o momento político, pelos próximos anos.</p><p>O que existe, na verdade, é uma convivência con�ituosa, mas respeitosa.</p><p>Aqui e lá. Para o jornalista, visto sempre como um bicho-papão, beirando a</p><p>mitologia, a grande tarefa é preservar a fonte, obter as informações e manter</p><p>o respeito. O político, além de buscar o estreitamento das relações sem</p><p>bajular, tem de mostrar o melhor de si para seus eleitores. O recado �nal é</p><p>para ele. Assim, são duas as preocupações, ambas importantes.</p><p>Há algumas receitas para se encarar essa relação de amor e ódio entre</p><p>políticos e jornalistas. No primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, os</p><p>jornalistas, bem como a mídia em geral, se derramavam em elogios e</p><p>aplausos explícitos. O que contava aí? A trajetória da vida pública do</p><p>presidente, seu carisma, sua cultura e a empatia que sempre teve com os</p><p>meios de comunicação. Por ter os cacoetes de professor, FHC conseguia</p><p>explicar os fatos com clareza aos jornalistas, desde os tempos de Senado. O</p><p>desgaste por tanto tempo no poder é que esgarçou essa relação.</p><p>Segredo: o diálogo</p><p>Fernando Henrique, aliás, talvez tenha sido o político que mais cedo</p><p>percebeu uma das regras básicas de convivência com a imprensa: a troca de</p><p>informações. Na longa entrevista que concedeu ao jornalista Roberto</p><p>Pompeu de Toledo, e que depois virou livro (O presidente segundo o</p><p>sociólogo), FHC deixou escapulir uma frase: “Não adianta brigar – não com</p><p>o jornalista, ou com a mídia, mas com o mecanismo de poder no qual</p><p>estamos inseridos. Você tem que ganhar dele, não brigar”78. E isso ele – até</p><p>certo ponto e durante a maior parte do mandato – conseguiu: no papo, na</p><p>maneira de conduzir as relações, mantendo algumas regras.</p><p>O “estilo FHC” de ser surgiu ainda na campanha presidencial de 1994,</p><p>pela televisão, que não foi longa, mas quase gerou uma briga na equipe. É</p><p>que James Carville, marqueteiro de Bill Clinton, foi convidado para dar,</p><p>digamos, certa orientação aos rumos do trabalho. Os marqueteiros</p><p>brasileiros que trabalhavam na campanha sentiram o golpe e ameaçaram</p><p>abandonar o barco.</p><p>Nizan Guanaes e Geraldo Walter, da DM-9, é que acabaram dando o tom,</p><p>que teve muito da campanha de Clinton na TV. Buscou-se fazer a imagem</p><p>de Fernando Henrique como a de um Lula melhorado. E foi inventado o</p><p>papel do “homem preparado para resolver o problema dos pobres” – ideia,</p><p>aliás, nascida da cabeça de Carville.</p><p>A criação mais explícita dos marqueteiros foi a mão espalmada que</p><p>sugeria alegria e participação – Franco Montoro já tinha usado esse truque</p><p>na campanha de 1982. Era um contraponto ao punho fechado. Mas não</p><p>�cou só aí. O trecho do documento escrito pela área de marketing falava que</p><p>era preciso usar</p><p>roupa comum, a mais adequada a cada situação. Não ceder à tentação de querer</p><p>parecer popular [mas no �m cedeu ao jegue e à buchada]. Sempre que necessário,</p><p>usar terno e gravata, menos os escuros. Um pouco de solenidade não faz mal ao</p><p>candidato79.</p><p>Solenidade – e certo distanciamento – é a fórmula básica para uma</p><p>relação amistosa e pro�ssional. A troca de informações vem em seguida.</p><p>Cria-se, com isso, um ambiente de con�ança entre fonte e jornalista, sem</p><p>receios ou medos. Mais produtivo do que esconder a notícia é confessar que</p><p>se conhece determinado fato, mas que não se pode falar a respeito. A</p><p>franqueza é fundamental.</p><p>A con�ança nasce da reciprocidade de informações. E a fonte é como uma</p><p>�or que deve ser cuidada todos os dias. Aliás, essa lição é praticada pela</p><p>maior parte dos políticos e dos jornalistas. O repórter é um ser tenso,</p><p>ansioso. Vive espremido entre furo de reportagem e o tacão do chefe, que</p><p>quer diariamente uma notícia exclusiva e que chegue bem antes do gongo do</p><p>fechamento – que é o apito �nal do arremate da edição do dia.</p><p>Quando passei dois anos trabalhando atrás do balcão, no Departamento</p><p>de Comunicação da CNI, fazendo assessoria de imprensa, tive a</p><p>oportunidade de ver o mundo pro�ssional de outro ângulo. Pude sentir a</p><p>sede por notícias que brota dos jornais. E a diferença básica entre o trabalho</p><p>de jornalistas do dia a dia e o de colunistas. A maior parte deles com enorme</p><p>credibilidade.</p><p>O colunista busca o que há por trás da notícia, aquele “algo a mais”. Nunca</p><p>me esqueço da ocasião em que o saudoso jornalista Ricardo Boechat – com</p><p>quem eu havia trabalhado na TV Globo – me ligou procurando notas</p><p>exclusivas sobre a CNI e o mundo dos empresários. Cheguei a dar a ele duas</p><p>ou três, sobre algumas iniciativas da Confederação, de alguns projetos. Coisa</p><p>exclusiva, mas com pouca pimenta. Ele, claro, então repórter de coluna, não</p><p>�cou satisfeito: “Monforte, eu não quero nada disso – o que eu quero é</p><p>sangue”.</p><p>A notícia verdadeira, inteira e exclusiva – e, muitas vezes, oculta – é o</p><p>sangue que alimenta as veias do jornalista. O político que falta com a</p><p>verdade pode tropeçar, logo adiante, na perna curta da mentira – e cair na</p><p>descon�ança do eleitor. Esse é o verdadeiro pânico de quem habita o mundo</p><p>político.</p><p>63 O Estado de S. Paulo, 2005, p. A10.</p><p>64 Weiss, 2005.</p><p>65 Villas-Bôas Corrêa, 2002, p. 62.</p><p>66 Villas-Bôas Côrrea, 2002, p. 62.</p><p>67 Weber, 1963, p. 120.</p><p>68 Villas-Bôas Corrêa, 2002, p. 100.</p><p>69 Garcia, 1990, p. 188.</p><p>70 Bial, 2005, p. 323.</p><p>71 YouTube, 2016.</p><p>72 Burbage; Cazemanjou; Kaspi, 1973, p. 151.</p><p>73 Idem, ibid.</p><p>74 Burbage; Cazemanjou; Kaspi, 1973, p. 151.</p><p>75 Bulla, 2018, p. A12.</p><p>76 O Estado de S. Paulo, 2018.</p><p>77 Borgerth, 2003, p. 37.</p><p>78 Toledo, 1998, p. 173.</p><p>79 Dimenstein; Souza, 1994, p. 200.</p><p>S</p><p>11</p><p>Então, faça você a sua revista</p><p>. . .</p><p>eria ingênuo acreditar que as “opiniões” que saem da boca dos</p><p>chamados comentaristas de política ou economia das emissoras de</p><p>televisão expressam vivamente o que eles pensam – sem querer tirar</p><p>o valor pro�ssional de cada um.</p><p>Até pode ser que, em determinados casos, os comentários sejam expressão</p><p>da opinião dos ditos comentaristas. Há honrosas exceções e delas fazem</p><p>parte, principalmente, os jornalistas de notório saber, os que já</p><p>consolidaram sua marca e seu nome – aqueles em que os jornais não ousam</p><p>tocar, pois proporcionam a eles credibilidade e vasto conhecimento do</p><p>público. Mas eles não são muitos, tanto nos jornais como nas revistas.</p><p>Na televisão, são mesmo raros, raríssimos: a TV expõe mais, causa maior</p><p>impacto em quem assiste, além de hoje representar a forma mais e�ciente de</p><p>difundir uma notícia em que se possa con�ar. E mais: o comentarista de TV</p><p>precisa ser conciso, ir direto ao ponto. Isso dá mais força à informação.</p><p>Uma pesquisa do Ibope, encomendada pelo governo federal em 2017,</p><p>com mais de 15 mil pessoas acima de 16 anos, mostrou que 63% dos</p><p>brasileiros utilizam a TV para se informar. A internet �cou em segundo</p><p>lugar, com 26%. Jornais conseguiram apenas a quarta colocação, com 3%80.</p><p>Além disso, atualmente os comentários são mais informação do que</p><p>comentário, por exemplo. Mais notícia do que interpretação dos fatos. Na</p><p>verdade, o comentarista se tornou intérprete dos fatos, tendo como pano de</p><p>fundo somente bastidores, em geral inexpressivos, ou que representam</p><p>apenas penduricalhos da notícia principal. O repórter, a sangue quente, faz</p><p>melhor.</p><p>Mas quando “o bicho pega” para valer, prevalece a opinião, o</p><p>posicionamento político do dono da empresa. Foi sempre assim, sempre será</p><p>assim. Ou você pensa como o patrão, ou não diz o que pensa. Esse é o</p><p>eterno drama que atormenta a vida do jornalista.</p><p>José Hamilton</p><p>Ribeiro, um dos ícones do Jornalismo brasileiro, durante</p><p>um giro pelo país para lançar o livro Realidade re-vista (em conjunto com</p><p>José Carlos Marão), foi taxativo ao comentar o quadro que de fato existe nas</p><p>redações, tomando como base os três modelos de imprensa apontados em</p><p>um estudo pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva: o soviético, o</p><p>francês (de cooperativa) e o norte-americano (praticado no Brasil).</p><p>Re�ete José Hamilton:</p><p>Existe liberdade de imprensa em algum desses modelos? Eu digo: em nenhum.</p><p>Isso leva em conta o interesse da empresa, as briguinhas que o patrão teve com</p><p>outras empresas ou instituições, uma lista negra de pessoas que não devem ser</p><p>citadas etc. Essa censura, surda e paralela, é permanente81.</p><p>Isso me faz lembrar as palavras do jornalista Oswaldo Martins de Oliveira,</p><p>o Oswaldinho, que morreu de forma prematura e sempre teve, por sua</p><p>experiência, uma visão ampla da vida dos jornalistas como empregados.</p><p>Dizia ele que a primeira missão do jornalista, no seu dia a dia, era escrever</p><p>para os donos da empresa, para os patrões. Ou seja, escrever aquilo que os</p><p>empresários querem ler. Depois, vinha a vez dos leitores. Essa visão sempre</p><p>me impressionou muito – me chocou bastante, na verdade, mas foi a cruel</p><p>realidade que senti ao longo da carreira.</p><p>Oswaldinho, aliás, tinha uma visão curiosa da pro�ssão; ele, um jornalista</p><p>em estado puro, com suas idiossincrasias e ideias bem construídas. Ele fazia</p><p>uma grande diferença entre o que era Jornalismo e o que era Imprensa.</p><p>Jornalismo, para ele, fazíamos nós, os pro�ssionais, com a luta diária e a</p><p>tarefa permanente de colocar no papel ou no ar o que acontecia pela vida. A</p><p>imprensa era o outro lado da história: estava nas mãos dos patrões, que</p><p>decidiam sobre o conteúdo das informações, o que mais era de seu interesse</p><p>�nanceiro ou político. Pela tese de Oswaldinho, a imprensa sempre ganha a</p><p>parada.</p><p>Mesmo o grande jornalista e professor Oliveiros S. Ferreira, falecido no</p><p>�nal de 2017, e que dirigiu O Estado de S. Paulo durante anos, usava com</p><p>prudência suas opiniões. Quando fui seu subordinado – com muito orgulho</p><p>– na redação, pude sentir que ele seguia �elmente a orientação dos donos do</p><p>jornal e deixava a pauta correr solta, como se não houvesse censura prévia</p><p>na redação. Os censores que cortassem.</p><p>Pois bem, mesmo Oli, simpatizante da Vanguarda Socialista e �liado à</p><p>Esquerda Democrática – mais tarde Partido Socialista –, mesmo ele, quando</p><p>era escalado para escrever os famosos editoriais da página 3 do jornal,</p><p>encampava os conceitos sobre os quais discordava e interpretava com</p><p>�delidade a posição do jornal.</p><p>Mesma postura de Alberto Dines, um dos mais consagrados jornalistas</p><p>brasileiros. Em uma entrevista de 2012 à revista Negócios da Comunicação,</p><p>dirigida pelo não menos talentoso e bravo Audálio Dantas, Dines não mediu</p><p>palavras para defender os jornalistas e o Jornalismo impresso e falar de seu</p><p>orgulho em ter construído uma história sólida na pro�ssão. Mas fez a</p><p>seguinte ressalva:</p><p>Me gabo de ter criado editorias e designar meu cargo no JB. Desse jeito, me tornei</p><p>o que os americanos chamam de editor-chefe. Fazia questão de ser o homem da</p><p>redação, pois quem fazia a opinião do jornal era o dono do jornal82.</p><p>Assis Chateaubriand, o lendário empresário da comunicação no Brasil,</p><p>que não primava pela ética ou por atitudes empresariais ortodoxas, mas que</p><p>certamente revolucionou a imprensa e as comunicações no país, tem uma</p><p>passagem marcante, relembrada pelo jornalista e escritor</p><p>Fernando Morais na biogra�a Chatô, o rei do Brasil. Foi Chateaubriand</p><p>quem trouxe a TV para o país, além de cobrir com suas revistas e jornais</p><p>todo o território nacional.</p><p>Em uma discussão com Chateaubriand, o repórter David Nasser, estrela</p><p>da revista O Cruzeiro – a grande revista semanal da primeira metade do</p><p>século XX –, que sempre foi contra a construção de Brasília, peitou seu</p><p>chefe. Chateaubriand retrucou:</p><p>“Todo mundo já reconhece a grandeza de Brasília, de Furnas, de Três Marias. Só</p><p>você insiste em ser contra, turco maldito. Só você, com esse seu eterno</p><p>pessimismo. Por quê? Por que não muda de ideia, como eu mudei? Porque tenho</p><p>a minha opinião. Opinião? Se você quer ter opinião, compre uma revista”83.</p><p>Foi como se dissesse: quem manda aqui sou eu. Nasser pediu demissão,</p><p>Chateaubriand não aceitou, eles �zeram as pazes (“Um louco como o</p><p>Juscelino não merece o �m da nossa amizade”), mas os Diários Associados,</p><p>como instituição, continuaram sua campanha a favor da construção da nova</p><p>capital.</p><p>Isso é mais do que claro: é uma atitude que exempli�ca como agem os</p><p>donos dos meios de comunicação no país. O jornalista é sempre dominado</p><p>pelos pensamentos, pelas ideias do patrão.</p><p>Hoje, a força dos ventos sopra com menor dose de romantismo. José</p><p>Roberto Guzzo entrou para a Editora Abril em 1968, ano de criação da Veja,</p><p>foi um de seus chefes e escrevia artigos na revista até meados de 2019. Mas,</p><p>em outubro daquele ano, escreveu um artigo que não agradou a nova</p><p>direção da empresa, agora nas mãos de Fábio Carvalho, seu publisher. O que</p><p>disse Guzzo? Ele criticou acidamente os ministros do Supremo Tribunal</p><p>Federal, mas dizia basicamente ser otimista, na medida em que aos poucos</p><p>eles iam sendo substituídos. A direção vetou o texto, e Guzzo pediu o boné.</p><p>Veja perdeu mais uma parte de sua história.</p><p>“Meus comunistas”</p><p>Muitos empresários brasileiros acolheram em suas empresas pro�ssionais</p><p>que nada tinham a ver com suas ideias. Pessoas com posições políticas bem</p><p>marcadas e que foram recebidas com júbilo pelas empresas, por seus talentos</p><p>e qualidades intelectuais, morais e técnicas. E por transmitirem</p><p>credibilidade a seus negócios.</p><p>Os exemplos são inúmeros. Roberto Civita, herdeiro do Grupo Abril,</p><p>sempre deixou clara sua posição a favor da iniciativa privada, contra o</p><p>comunismo e toda forma de censura e repressão. Isso não impediu que ele</p><p>acolhesse em sua empresa os mais brilhantes jornalistas brasileiros, a maior</p><p>parte deles de esquerda, com posições políticas totalmente diferentes das</p><p>dele, o patrão, mas que produziram algumas das melhores revistas que o</p><p>Brasil já teve. Dizia ele: “A esquerda me dá ótimos jornalistas; a direita pode</p><p>me dar no máximo bons grá�cos”84. Essa passagem, que saiu da boca de</p><p>Civita, foi revelada por um desses bons jornalistas, Juca Kfouri – ele próprio</p><p>um ex-militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) –, no programa</p><p>Roda Viva, da TV Cultura. Ele entrevistava o jornalista Carlos Maranhão,</p><p>que acabara de lançar a biogra�a de Civita, Roberto Civita: o dono da banca</p><p>– a vida e as ideias do editor da Veja e da Abril. Nem Maranhão sabia da</p><p>passagem.</p><p>Mas nem por isso a Abril derivou para a esquerda. A empresa sempre</p><p>seguiu a orientação dos seus donos. Como faz até hoje, mesmo que a</p><p>empresa esteja em outras mãos – na verdade, de outra empresa, nem sempre</p><p>com o DNA do Jornalismo. Um caso revelador, na mesma empresa, foi o do</p><p>comando da revista Exame, quando foi entregue ao jornalista Rui Falcão,</p><p>que sempre se identi�cou com a esquerda brasileira, chegando a ocupar a</p><p>presidência do Partido dos Trabalhadores.</p><p>Roberto Civita nunca engoliu as posições políticas de Falcão, como conta</p><p>Maranhão em seu livro biográ�co. Porém, poucas vezes o jornalista</p><p>imprimiu na revista tais posições. Quando passou do limite, teve de deixar a</p><p>empresa, em uma demissão traumática. José Roberto Guzzo, a quem coube</p><p>demitir Falcão, tomou seu lugar, em março de 1988. (Roberto Civita não</p><p>gostava de demitir diretamente seus funcionários, como revela Carlos</p><p>Maranhão.)</p><p>Antes, a Abril e os Civitas já haviam recebido jornalistas brilhantes e com</p><p>posições diferentes da direção da empresa. Paulo Patarra – que dirigiu e</p><p>compôs o grupo que deu vida à Realidade, uma das melhores revistas que o</p><p>país já produziu – era militante do Partido Comunista Brasileiro. Assim</p><p>como Milton Coelho da Graça, inscrito no PCB, que dirigiu a revista</p><p>Intervalo; como Jacob Gorender, membro do Comitê Central do Partidão,</p><p>que fez as traduções para a coleção Os pensadores.</p><p>O Estado de S. Paulo, jornal de alma liberal, guerreiro a favor da liberdade</p><p>de imprensa e contra qualquer tipo de repressão, também defendeu</p><p>jornalistas que nada tinham a ver com a posição política dos Mesquitas. O</p><p>caso relevante foi a defesa intransigente do jornalista gaúcho Flávio Tavares,</p><p>que militou na luta armada e fez parte do grupo de presos trocado pelo</p><p>embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em 1969.</p><p>Flávio, durante seu exílio, trabalhou no jornal mexicano Excelsior e, a</p><p>partir de 1974, foi seu correspondente em Buenos Aires, quando também</p><p>passou a escrever para o Estadão, assinando como Júlio Delgado. Em 1977,</p><p>foi para o Uruguai e lá foi preso pelas forças de repressão. Passou quase 200</p><p>dias na cadeia e só foi solto pela campanha internacional lançada pelo</p><p>Excelsior e pelo Estadão.</p><p>Roberto Marinho, de O Globo, também mantinha seus funcionários</p><p>debaixo de suas convicções. É famosa – e lendária – sua frase: “Dos meus</p><p>comunistas, cuido eu”, dita em um suposto diálogo com o general-presidente</p><p>Emílio Garrastazu Médici, que questionava a existência de “pessoal de</p><p>esquerda” in�ltrado entre os funcionários da Rede Globo. E cobrava uma</p><p>atitude do dono da empresa.</p><p>Os jornalistas, de forma geral, defendem causas populares, na medida em</p><p>que vivem diante de uma realidade cruel, na qual o mais forte é quase</p><p>sempre o vencedor. E também abominam qualquer atitude que cheire a</p><p>censura, a opressão, a repressão. Isso não quer dizer que todos sejamos</p><p>comunistas, socialistas etc. Até porque ser comunista não é sinônimo de ser</p><p>democrático. Assim como estar na outra ponta do espectro ideológico. Nós</p><p>defendemos a liberdade de expressão, para que todos possam exprimir ao</p><p>mundo seus pontos de vista. Todos têm direito a isso.</p><p>Roberto Marinho sempre comandou suas empresas com suas ideias. Certa</p><p>vez, saiu em um crédito de telejornal que o jornalista Ronald de Carvalho,</p><p>um dos diretores-executivos de Alberico Sousa Cruz – então diretor de</p><p>Jornalismo da emissora –, seria o editor de Política de tal telejornal.</p><p>Marinho chiou e cobrou com força.</p><p>“Eu sou o editor de Política”, teria dito Marinho. Ou seja, quem apontaria</p><p>os rumos do noticiário político seria sempre ele, o dono da empresa.</p><p>Natural que fosse assim, na ótica de quem tinha construído praticamente</p><p>um império de comunicação, seguindo sempre sua própria orientação, a que</p><p>tinha transformado O Globo em um dos principais e mais respeitados</p><p>jornais do país. Não seria diferente com a sua rede de TV.</p><p>Aliás, Ronald e Alberico – antes de se tornar diretor de Jornalismo da</p><p>emissora – foram parte central de um episódio que marcou os debates</p><p>eleitorais de 1989 entre Lula e Collor. O segundo debate entre eles teve</p><p>edições distintas nos telejornais da Casa – uma no Jornal Hoje, outra no</p><p>Jornal Nacional. A primeira foi equilibrada e dava peso igual para os dois</p><p>candidatos. A segunda seguiu a orientação de Roberto Marinho, pelas mãos</p><p>de Ronald.</p><p>O jornalista Paulo Henrique Amorim, falecido em 2019, em seu livro O</p><p>quarto poder: uma outra história, conta que questionou Ronald, logo após a</p><p>apresentação do Jornal Nacional, e mostrou seu estarrecimento pelo</p><p>desequilíbrio entre as duas edições. Respondeu Ronald: “A ordem era dar o</p><p>‘bom’ do Collor e o ‘mau’ de Lula. Carreguei a mão para �car ainda mais</p><p>grotesco...”85</p><p>Quem deu a ordem? O dono, Roberto Marinho. Esse episódio teve</p><p>consequências drásticas na equipe: editores foram afastados ou pediram</p><p>demissão, e o próprio diretor de Jornalismo, Armando Nogueira, sairia da</p><p>emissora poucos meses depois. Entrou Alberico.</p><p>O próprio Paulo Henrique, que era uma espécie de editor especial do</p><p>Jornalismo, sofreu alguns perrengues com Roberto Marinho, com relação a</p><p>temas que o dono da empresa considerava “seus”, como questões que</p><p>envolviam a Petrobras. Em certa ocasião, ele chegou a ser demitido, mas</p><p>Alice-Maria e Armando Nogueira conseguiram driblar Roberto Marinho, e</p><p>o jornalista �cou mais algum tempo na emissora.</p><p>Presos pela concessão</p><p>Na longa conversa que tive com Boni, em 2001, o homem que criou o</p><p>“padrão Globo de qualidade” me contou que o zelo e o afeto que Roberto</p><p>Marinho mantinha com suas prerrogativas tinham relação direta com as</p><p>condições que moldaram a concessão de seu canal. Disse Boni:</p><p>Toda concessão foi dada dessa maneira [informalmente]. Acostumou-se a manter</p><p>um vínculo entre o poder e o vínculo. Esse vínculo fez com que os pro�ssionais</p><p>tivessem de sofrer todos os tipos de pressão, não só do poder, mas também os</p><p>proprietários, porque eles eram devedores de favores. Foi muito difícil à televisão</p><p>se libertar disso86.</p><p>E Boni contou mais:</p><p>Os canais eram concedidos em troca de promessas de favores políticos. A história</p><p>da televisão está baseada nisso. Por exemplo, o Canal 4 da Rede Globo foi dado</p><p>pelo Juscelino Kubitschek ao dr. Roberto Marinho, num guardanapo de um</p><p>restaurante, onde estava escrito: ‘Canal 4, Rio de Janeiro, TV Globo, e assinava</p><p>embaixo: Juscelino Kubitschek’. Aquilo não era dado nem pelo Congresso, nem</p><p>pelo Ministério. Era uma coisa pessoal, um poder pessoal do presidente. Quanto</p><p>à TV Bandeirantes, o João Saad também conseguiu sua concessão numa conversa</p><p>com o Ademar de Barros: qual é o canal que sobrou em São Paulo? Tem o 13</p><p>sobrando. Então, num papel, escrito à mão, estava ali a concessão87.</p><p>Mas Roberto Marinho só colocou a Globo de pé em 1965, graças a um</p><p>acordo com o Grupo Time-Life, que lhe rendeu dores de cabeça, uma CPI</p><p>no Congresso e o ódio dos concorrentes e adversários políticos. Ele</p><p>conseguiu, no entanto, se livrar de tudo e montar seu canal, com a ajuda</p><p>fundamental de dois executivos brilhantes – Walter Clark e Boni.</p><p>Mais perto do nosso momento histórico, o empresário, apresentador,</p><p>animador de auditório e dono de canal de televisão Silvio Santos – que</p><p>nunca foi político, mas que até já �ertou com uma candidatura a presidente</p><p>da República, em 1989 – mostrou há pouco tempo o que pensam esses</p><p>proprietários de meios de comunicação.</p><p>Na entrega do Troféu Imprensa de 2017, um dos prêmios que as emissoras</p><p>de televisão inventam para prestigiar seus próprios funcionários, ele rebateu</p><p>a fala de uma de suas apresentadoras, a jornalista Rachel Sheherazade, que</p><p>recebeu o prêmio de melhor apresentadora do ano – do SBT, é claro.</p><p>Após elogios, Silvio começou as críticas e mandou, ao vivo, na frente de</p><p>todo mundo, que ela parasse de dar opinião no ar. Rachel reagiu:</p><p>– Quando você me contratou, você me contratou para opinar.</p><p>– Não, eu contratei você para continuar com sua beleza e com sua voz para ler as</p><p>notícias do teleprompter. Se você quiser fazer política, compra uma estação de</p><p>televisão e faz por sua conta88.</p><p>Ou seja, na mesma linha de Chateaubriand.</p><p>Aliás, Silvio Santos sempre levou ao pé da letra o seu papel como dono de</p><p>sua emissora: ele é quem manda na empresa, e quem manda nele é o dono</p><p>da concessão, ou seja, o governo, mesmo que essa ideia sofra de um</p><p>estrabismo �agrante.</p><p>Em uma sessão em sua homenagem, com a presença do presidente Jair</p><p>Bolsonaro e do genro, Fábio Faria, ministro das Comunicações (até a data de</p><p>fechamento desta obra), Silvio disse ao presidente o seguinte sobre a</p><p>concessão e sobre as opiniões que são emitidas em seu canal:</p><p>“Minha concessão de televisão pertence ao governo federal e eu jamais me</p><p>colocaria contra qualquer decisão do meu ‘patrão’. Nunca acreditei que um</p><p>empregado �casse contra o dono: ou aceita a opinião do chefe, ou então</p><p>arranja outro emprego”89.</p><p>Um canal de televisão é um serviço de utilidade pública e não é</p><p>propriedade de presidente algum, que não pode retirar a concessão de uma</p><p>hora para a outra. Isso só acontece em regimes ditatoriais, como se vê em</p><p>alguns países que se dizem democratas, mas disso nada têm.</p><p>Não faz muito tempo, outro caso chamou atenção e mostrou claramente a</p><p>relação dos jornalistas com as redes sociais e a pressão que é exercida sobre</p><p>eles, dentro e fora da emissora. Um</p><p>áudio atribuído ao jornalista Chico</p><p>Pinheiro, um dos apresentadores do Bom Dia Brasil, da TV Globo, postado</p><p>– como se diz – nas redes sociais, criticava o juiz federal Sergio Moro e</p><p>defendia o ex-presidente Lula.</p><p>Falso ou verdadeiro? Na dúvida, o diretor responsável pelo Jornalismo da</p><p>Globo, Ali Kamel, disparou uma nota de advertência aos jornalistas da</p><p>empresa. Na nota, o re�nado Ali a�rmava que o jornalista não pode</p><p>expressar essas preferências publicamente nas redes sociais [...] pois, uma vez que</p><p>se tornem públicas [...] é impossível que os espectadores acreditem que tais</p><p>preferências não contaminam o próprio trabalho jornalístico, que deve ser</p><p>correto e isento90.</p><p>Ali foi mais longe, ao falar que</p><p>cada vez que isso acontece, o dano não é apenas de quem se comportou de forma</p><p>inapropriada nas redes sociais. O dano atinge a Globo. E minha missão é zelar</p><p>para que isso não aconteça. Portanto, peço a todos que respeitem o que está em</p><p>nossos Princípios Editoriais: e dos jornais sérios de todo o mundo91.</p><p>Ali Kamel está errado? Ele estava apenas cumprindo seu papel de editor</p><p>(ou diretor) responsável: responsável pelo que é publicado; responsável pelos</p><p>gestos e falas de seus comandados; responsável pela credibilidade do</p><p>Jornalismo da emissora; e, principalmente, responsável por resguardar o</p><p>pensamento – ou a ideologia – dos donos da empresa. Mas ele não é o</p><p>único: todos os jornalistas responsáveis, em todas as emissoras, têm o</p><p>mesmo papel e levam a sério o contrato que assinaram. Ocorre que na TV</p><p>Globo tudo aparece mais, já que é a líder, a de maior audiência, a mais</p><p>polêmica, a que ainda mantém viva as ideias de Roberto Marinho – o</p><p>controvertido empresário da comunicação, por toda a vida.</p><p>(Ali também é o responsável pelas contratações e pelas demissões. São</p><p>famosas as suas cartas de demissão, todas elas bem escritas, escorreitas, mas</p><p>que não escondem uma amargura muito grande, que apenas re�ete aquilo</p><p>que a empresa determina, ainda mais nos tempos bicudos em que vivemos.</p><p>Pelos elogios que dedica ao demitido, não haveria razão para a dispensa.)</p><p>Tanto Ali estava no caminho correto do pensamento da empresa que João</p><p>Roberto Marinho, um dos acionistas da empresa e presidente do Conselho</p><p>Editorial do Grupo Globo, semanas depois do primeiro alerta, divulgou</p><p>diretrizes sobre o uso das redes sociais por jornalistas. Dessa forma,</p><p>claríssimo.</p><p>No texto, João Roberto explicita o que é “fundamental para a cobertura</p><p>jornalística”. Para ele, “é evidente que, em aplicativos de mensagens, como</p><p>WhatsApp e outros, [...] todos têm o inalienável direito de discutir o que bem</p><p>entender com grupos de parentes e amigos de con�ança”.</p><p>Mas ele faz a ressalva de que “é preciso que o jornalista tenha em mente</p><p>que, mesmo em tais grupos, o vazamento de mensagens pode ser danoso à</p><p>sua imagem de isenção e à do veículo para o qual trabalha”. “Tal</p><p>vazamento”, completa a nota, “o submeterá [o pro�ssional envolvido] a todas</p><p>as consequências que a perda de reputação de que é isento acarreta”92.</p><p>Ou seja, você pode até pensar, mas não diga.</p><p>Certa vez, o colunista Ricardo Feltrin revelou que Silvio Santos escalou</p><p>um funcionário para espionar as postagens de seus funcionários (artistas,</p><p>jornalistas, executivos) nas redes, para saber se estão passando por cima dele</p><p>com relação às ações de merchandising. Quer dizer, a preocupação do dono</p><p>do SBT extrapola a ideologia: ele vai atrás é do dinheiro.</p><p>O pensamento de Silvio é pragmático: se artistas e jornalistas ganham</p><p>dinheiro porque são do SBT, é muito natural que a empresa receba parte</p><p>desse valor. Se ocorrer um deslize, pode ser que quem tentou passar a perna</p><p>no patrão tenha de repassar parte do que recebeu. É a “rachadinha”</p><p>institucionalizada. E isso atinge funcionários também das emissoras</p><p>a�liadas.</p><p>Em resumo, nenhum jornalista pode fazer comentários sobre política ou</p><p>economia na televisão que não estejam de acordo com o que pensa o dono</p><p>do canal (ou do jornal, ou da revista), seja dentro, seja fora da empresa. Ele</p><p>ou ela é um funcionário 24 horas por dia. Temos a impressão de que cada</p><p>um tem sua opinião, mas não podemos nos enganar. O comentarista de</p><p>televisão (ou de jornal, ou de revista), a não ser que tenha a mesma opinião</p><p>do dono, não tem opinião própria: �ca apenas relatando fatos objetivos –</p><p>como um repórter – ou revelando bastidores de importância discutível.</p><p>E se isso acontece com a iniciativa privada, a questão se aprofunda com</p><p>relação aos governos. Jamais teremos uma BBC, uma TV pública nos</p><p>moldes da rede britânica, como já se tentou aqui no Brasil. Nossa cultura é</p><p>outra. Jamais se verá aqui uma empresa de comunicação bancada pelo</p><p>governo com amplo direito de opinião, aberta a todas as tendências e</p><p>ideologias. Isso é inimaginável.</p><p>Por isso, eu digo: seria simples demais pensar que algum dono de meio de</p><p>comunicação deixaria nas mãos de alguém que não pensa como ele os</p><p>rumos ideológicos (ou gerenciais) de sua empresa. Por mais competente que</p><p>seja esse pro�ssional. O que o patrão quer é dar credibilidade a seu veículo –</p><p>que, no fundo, é o esteio para sua venda ou para sua audiência – e que,</p><p>tecnicamente, tudo siga da melhor maneira possível: que venham os lucros e</p><p>que o negócio se mantenha vivo. E, mais uma vez, que a credibilidade –</p><p>dentro do seu ponto de vista – seja mantida.</p><p>80 G1, 2017.</p><p>81 Hebmüller, 2011.</p><p>82 Pereira, 2012, p. 10.</p><p>83 Morais, 1994, p. 18.</p><p>84 Intervenção de Juca Kfouri durante a entrevista de Carlos Maranhão no programa Roda Viva, de</p><p>26 de dezembro de 2016 (TV Cultura, 2016).</p><p>85 Amorim, 2015, p. 300.</p><p>86 Conforme gravação da entrevista que Boni concedeu a mim, em 2001.</p><p>87 Idem.</p><p>88 Stycer, 2017.</p><p>89 Padiglione, 2020.</p><p>90 Veja.com, 2018.</p><p>91 Idem.</p><p>92 Feltrin, 2018.</p><p>N</p><p>12</p><p>Ladeira abaixo</p><p>. . .</p><p>ão é de hoje que se fala que o jornal impresso já era. É uma verdade</p><p>difícil de aceitar, que muitos rejeitam com veemência, mas que será</p><p>realidade por um tempo ainda não determinado. Não apenas o</p><p>jornal está fadado a um triste ocaso, mas também revistas e similares. É um</p><p>processo caro demais, lento demais para os novos padrões de informação, de</p><p>comunicação. Tudo que é impresso está virando digital; está passando do</p><p>papel para as telinhas do computador, do celular, dos tablets, que são mais</p><p>rápidos e envolventes.</p><p>Até mesmo as TVs estão em xeque. A revista Info, por exemplo, estampou,</p><p>em sua edição de dezembro de 2012, a manchete “A TV está morta”,</p><p>referindo-se ao avanço de tablets e celulares, e ao engajamento das</p><p>audiências nas redes sociais. Na verdade, a reportagem dizia que a televisão</p><p>estava mudando, e não morrendo. Ou seja, um truque de título para chamar</p><p>a atenção.</p><p>Em 2014, o Ibope realizou uma pesquisa para a Secretaria de</p><p>Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e constatou que a</p><p>televisão continua sendo o meio de comunicação mais utilizado pela</p><p>população brasileira. Segundo essa pesquisa, 65% dos brasileiros estão</p><p>expostos à televisão por três horas e meia por dia.</p><p>Se bem que, atualmente, a concorrência está grande. Reed Hastings, chefe</p><p>da Net�ix, a�rmou em uma conferência, no México, também em 2014, que</p><p>“a era da transmissão da TV vai durar provavelmente até 2030”93. Hoje, já</p><p>mudou bastante em comparação ao que era há décadas. E ele tem razão</p><p>diante do quadro que se nos apresenta: a chegada do streaming, com os</p><p>vídeos carregados na nuvem, e do on demand, pelo qual o cidadão vê o que</p><p>quer, quando quer, em uma espécie de locadora virtual. O noticiário dos</p><p>telejornais vem no mesmo pacote, junto com �lmes, séries e o que mais se</p><p>queira.</p><p>Tragédia maior acontece com as livrarias. Os livreiros do Brasil estão</p><p>sentindo isso na pele. Na Europa, esse fenômeno já ocorre há décadas. Na</p><p>Espanha, desde 2009, mais de cem espaços fecharam as portas. No Reino</p><p>Unido, em 2012, a falência atingiu 400 estabelecimentos. O mesmo</p><p>acontece, em proporções variadas, em Lisboa, em Roma, em Paris. É, sem</p><p>dúvida, a chegada da internet ocupando o</p><p>seu lugar.</p><p>Na realidade, o que vai existir – já está existindo – é uma convergência</p><p>dos meios de comunicação, e não a morte de um ou de outro. A tecnologia</p><p>proporciona isso. A televisão não matou o rádio – ela dividiu o espaço com</p><p>ele. Todos os meios de comunicação estão convergindo e interagindo e não é</p><p>possível mais tratá-los separadamente, como ensina o jornalista Ethevaldo</p><p>Siqueira, especialista na área.</p><p>Mas há quem a�rme com convicção que a morte da TV é um fato</p><p>inexorável. Claro que os anunciantes, a publicidade em geral, ainda contam</p><p>muito com esse meio eletrônico. O fenômeno do sumiço da televisão, como</p><p>o veículo que conhecemos hoje, e como querem os visionários, parece</p><p>distante, ainda mais que é uma forma de entretenimento pouco dispendiosa</p><p>para as famílias e com largo alcance.</p><p>Os visionários de hoje, porém, estão atrasados pelo menos 40 anos. Já em</p><p>1972, o empresário e jornalista francês Jean-Louis Servan-Schreiber dava</p><p>um passo à frente na análise, ao lançar o famoso livro Le pouvoir d’informer</p><p>(O poder de informar, em tradução livre), no qual anunciava uma nova era</p><p>na comunicação. Não havia naquele momento nada do que temos hoje</p><p>(como smartphones, internet, blogs, Facebook etc.), e a televisão apenas</p><p>engatinhava, se compararmos com o que ela é hoje.</p><p>Em seu livro, Servan-Schreiber colocava em xeque tudo o que havia no</p><p>reino das comunicações, tomando como base os avanços na área, naquela</p><p>época. E criticava a própria imprensa, que pouco difundia e ampliava esse</p><p>debate, como se considerasse indecoroso e inoportuno abrir a questão ao</p><p>grande público.</p><p>O fato é que, já em 1972, morria um tradicional jornal francês, o Paris-</p><p>Jour, e só com esse desaparecimento é que o público pôde notar que havia</p><p>algo errado com a imprensa. Ao desenvolver o capítulo “O enterro das folhas</p><p>mortas”, o jornalista pontuou todos os eventos que o levaram à sua</p><p>conclusão de que havia uma grave crise no ar. E constatou que os problemas</p><p>vinham acontecendo há décadas: em 1956, desapareceu o semanário</p><p>Collier’s, que tirava 4 milhões de exemplares; em 1969, sumiu o Saturday</p><p>Evening Post, que vendia outros 4 milhões; em 1971, sucumbia a lendária</p><p>revista Look. Todas as publicações editadas nos Estados Unidos.</p><p>Não parou aí. Pouco a pouco, os velhos e tradicionais jornais e revistas –</p><p>muitos deles, centenários – iam desaparecendo das bancas e da vida dos</p><p>norte-americanos. E, claro, o fenômeno dessa leucemia generalizada não se</p><p>restringiu apenas aos Estados Unidos. O mesmo aconteceu em vários locais</p><p>da Europa, como França e Grã-Bretanha, que perderam títulos importantes,</p><p>como Paris Match e Picture Post.</p><p>A causa dessas mortes em sequência é frequentemente apresentada como</p><p>o crescimento da televisão. Contudo, seria simplista demais. Foi isso, mas</p><p>não apenas isso. Os analistas acentuam que o ponto central talvez tenha sido</p><p>mesmo a gestão, a maneira de conduzir os negócios, ao se gastar muito mais</p><p>dinheiro do que as empresas poderiam. Como acontece com os governos</p><p>atuais, que gastam muito mais do que arrecadam. Matemática banal.</p><p>Da mesma forma que os jornalistas, também as empresas precisam se</p><p>adaptar aos novos tempos e, com isso, levar com elas a nova safra de</p><p>pro�ssionais, sem deixar de contar com a experiência equilibrada dos mais</p><p>tarimbados – é uma combinação que pode dar certo, pelo menos por algum</p><p>tempo.</p><p>Há, claro, quem lute com unhas e dentes, principalmente os donos das</p><p>corporações, para manter os jornais impressos em pé, apesar de toda pressão</p><p>que sofrem das novas mídias, da nova tecnologia que invade o dia a dia dos</p><p>indivíduos. Os jornais vêm perdendo terreno, quanto a isso não há a menor</p><p>dúvida. Basta olhar para o número de publicações notáveis que encerraram</p><p>suas atividades, diminuíram sua tiragem ou vêm encontrando grandes</p><p>di�culdades para sobreviver.</p><p>Por isso, foi surpreendente a a�rmação de Nizan Guanaes, do Grupo</p><p>ABC, um dos mais importantes e conceituados publicitários brasileiros, em</p><p>um seminário sobre comunicação – o Summit de Comunicação, a Força da</p><p>Mídia Impressa, realizado em dezembro de 2015, em São Paulo. Disse</p><p>Nizan:</p><p>Nada substitui um grande anúncio em jornal e revista. [...] A mídia impressa é</p><p>hoje uma das melhores oportunidades de mercado e, globalmente, alcança uma</p><p>receita maior do que as indústrias de música e de educação. Seu desa�o é se</p><p>modernizar e se �exibilizar para novas soluções, como anúncios de todos os</p><p>formatos94.</p><p>Nizan foi seguido por outros publicitários – havia no seminário 300</p><p>pro�ssionais de publicidade, propaganda e marketing –, como Luiz Lara, da</p><p>Lew Lara/TBWA:</p><p>A mídia impressa não é apenas um pilar da democracia. Ela é a democracia. É a</p><p>mídia de maior credibilidade e pauta todas as outras. Jornais inspiram uma maior</p><p>con�ança e a transferem inclusive para os anúncios95.</p><p>Eu mesmo sou fã ardoroso da imprensa escrita, dos jornais, do calor das</p><p>redações. Nasci ali para a pro�ssão, desde A Tribuna, de Santos, e essas</p><p>raízes não podem ser ignoradas. Nesse mundo complexo, apaixonante e</p><p>maravilhoso, conheci pessoas interessantes, pro�ssionais excelentes, de alto</p><p>gabarito, com conhecimento profundo da vida e do mundo, com</p><p>pensamento cheio de liberdade.</p><p>Mas temos de reconhecer que a tecnologia avança, o mundo gira, e a</p><p>tendência é que as fontes de informação sejam cada vez mais repartidas</p><p>entre as diversas plataformas criadas em todos esses anos. Digamos, de 40</p><p>anos para cá.</p><p>Temos de admitir, com uma ponta de conservadorismo, que a velocidade</p><p>com que as novidades vêm aparecendo, atropelando velhas inovações, deixa</p><p>um ponto de interrogação na cabeça de todos. Nenhuma invenção é tão</p><p>genial que não possa desaparecer em seguida. Quem ainda se lembra do</p><p>Second Life, que já teve 4 milhões de seguidores; ou do My Space, uma das</p><p>estrelas das redes sociais lá pelo ano 2000?</p><p>E é bom lembrar que uma instituição centenária, como o telégrafo,</p><p>também sumiu do mapa, na Índia e em outros tantos países, abatido pelos</p><p>SMS, e-mails, celulares e redes sociais. Quem se lembra dele? (Hoje se</p><p>questiona até mesmo a existência dos correios estatais, em eterna crise de</p><p>identidade.)</p><p>Que diremos, então, das grandes revistas e dos grandes jornais, que</p><p>simplesmente desapareceram ou foram reduzidos a meros apêndices de</p><p>outras corporações?</p><p>Que dizer da Newsweek, esse ícone do Jornalismo norte-americano, que já</p><p>vendeu milhões de exemplares semanais? Ela era propriedade do</p><p>Washington Post e foi vendida em 2010 pelo valor simbólico de um dólar.</p><p>Depois de 80 anos de vida auspiciosa, deixou de ser publicada em papel e se</p><p>fundiu com a empresa de informação on-line e Daily Beast. Seu �m está</p><p>próximo.</p><p>E o Boston Globe, rico em história e em prêmios, que pertencia ao New</p><p>York Times e foi vendido por 70 milhões de dólares a um investidor que é</p><p>dono de um time inglês de futebol? O NYT não iria se desfazer do Globe por</p><p>nenhum motivo. O Globe, é bom lembrar, é aquele jornal que fez um</p><p>brilhante trabalho de investigação e descobriu abusos sexuais contra</p><p>menores perpetrados pela Igreja católica dos Estados Unidos.</p><p>Aliás, é bom que se diga: demorou, mas o Vaticano, pela voz do Papa</p><p>Francisco, reconheceu, em 2021, todo o trabalho consumido pelo Boston</p><p>Globe para trazer à luz os escândalos de abuso sexual por parte do clero. Ele</p><p>chamou esse trabalho de “missão do Jornalismo” e disse ser vital que</p><p>repórteres saiam das redações e descubram o que está acontecendo no</p><p>mundo exterior, para frear a desinformação encontrada on-line. Disse o</p><p>Papa: “Agradeço a vocês pelo que nos dizem sobre o que está errado na</p><p>Igreja, por nos ajudar a não esconder isso debaixo do tapete, e pela voz que</p><p>vocês deram às vítimas de abuso”96.</p><p>O trabalho, que havia ganhado um prêmio Pulitzer, virou até �lme e</p><p>ganhou o Oscar de 2016, com um elenco de primeira e uma história que</p><p>comoveu. Atingiu profundamente a Igreja, abalada até hoje. E o Jornalismo</p><p>investigativo ganhou pontos. “Spotlight” é o nome da seção do Boston – e do</p><p>�lme –, a área investigativa,</p><p>e cuja tradução do inglês é “holofote”, que</p><p>procura jogar luz sobre fatos ocultos de interesse público. Ou seja, o Boston</p><p>Globe não é qualquer jornal, e mesmo assim o NYT livrou-se dele.</p><p>E o britânico Independent, fundado em 1986 e que vinha acumulando</p><p>prejuízos em seus últimos anos? Em 1990, sua tiragem chegou a 423 mil</p><p>exemplares, superando até mesmo o Times, do empresário Rupert Murdoch.</p><p>Em seus momentos �nais, vinha tirando 40 mil, mas nem isso compensava o</p><p>custo. Em 26 de março de 2016, 30 anos depois do nascimento, tornou-se</p><p>um jornal on-line.</p><p>O Independent foi o primeiro grande jornal britânico a passar de impresso</p><p>a exclusivamente digital, o que já havia ocorrido com o espanhol Público e</p><p>com o francês La Tribune – que sai em papel uma vez por semana.</p><p>Atualmente, em 2022, o site do Independent atrai 70 milhões de visitantes</p><p>por mês, já é rentável e espera crescer ainda mais – em torno de 50% em um</p><p>ano.</p><p>O jornalista e sociólogo galego Ignacio Ramonet que, entre outros postos,</p><p>foi diretor de redação do Le Monde, informa em seu livro A explosão do</p><p>jornalismo que, em apenas um ano, de 2008 a 2009, a difusão da imprensa</p><p>escrita caiu aproximadamente 11% e abalou até os chamados “jornais diários</p><p>de referência”, como Le Monde, El País e Corriere della Sera. Entre 2003 e</p><p>2008, a circulação mundial de jornais diários pagos desabou 7,9% na Europa</p><p>e 10,6% na América do Norte. Enquanto isso, a televisão continuou sendo a</p><p>maior receptora de publicidade, absorvendo 39% do mercado97.</p><p>A jornalista argentina Inês Hayes publicou no site ODiario.info um artigo</p><p>cujo próprio nome retrata a gravidade da situação: os principais diários do</p><p>mundo estão falidos. Nele, a autora passeia pela condição de várias</p><p>organizações, de várias empresas, e pinta um quadro tenebroso,</p><p>principalmente dos regionais norte-americanos, mas também de grandes</p><p>conglomerados. Fala da queda de circulação dos jornais, das demissões, das</p><p>falências.</p><p>O artigo é de 2009 e cita, por exemplo, o caso da empresa editorial</p><p>McClatchy Company, que edita 30 diários, entre eles o Miami Herald, e que</p><p>anunciou o �m de 1.600 postos de trabalho, o que representava 15% de sua</p><p>força laboral. Menciona ainda a gigante EW Scripps Company, proprietária</p><p>de 15 jornais diários e 10 canais de televisão. A Scripps despediu 400</p><p>funcionários e fechou o Rocky Mountains News, que iria completar 150</p><p>anos98.</p><p>A jornalista viaja também pelo que acontece na Europa. O grupo Prisa,</p><p>um dos maiores complexos midiáticos da Espanha, que edita o El País, tem</p><p>uma dívida de 5 bilhões de euros. O administrador do grupo, o jornalista</p><p>Juan Luís Cebrián, pediu até mesmo a intervenção do governo e do</p><p>parlamento para evitar a ruína do conglomerado99.</p><p>Aqui pela América Latina, a situação não é melhor. Vimos nos últimos</p><p>anos grandes ícones da imprensa brasileira desaparecerem no ar, em um</p><p>processo doloroso e decepcionante. É o caso do Jornal do Brasil e do Jornal</p><p>da Tarde, que marcaram a história da imprensa, por tudo que trouxeram de</p><p>novo no campo editorial e de estilo, pela revelação de novos e talentosos</p><p>jornalistas, e pela luta em favor da liberdade de expressão.</p><p>De tempos em tempos, tomamos um susto. No �nal de 2020, ele veio da</p><p>Gazeta do Povo, de Curitiba. Sua direção tomou uma decisão drástica e</p><p>resolveu jogar todo o futuro da empresa no meio virtual. Ou seja, o jornal</p><p>saiu das bancas e passou a morar na tela de computadores, tablets e</p><p>smartphones. Apenas uma vez por semana sai de forma impressa. A empresa</p><p>vai investir na ideia 23 milhões de reais, mas seus donos dizem que estão</p><p>seguindo uma tendência mundial: nos Estados Unidos, já são 81% os</p><p>cidadãos que consomem unicamente notícias on-line.</p><p>Há alguns números que explicitam essa tendência: em 2017, o site Poder</p><p>360 divulgou uma pesquisa informando que a tiragem impressa dos maiores</p><p>jornais brasileiros perdeu 520 mil exemplares em 3 anos. Enquanto isso, o</p><p>acesso a sites de notícias cresceu 547%100.</p><p>A pesquisa de 2014 realizada pelo Ibope para a Secom também traz um</p><p>dado alarmante. O levantamento mostra que a maioria dos brasileiros (75%)</p><p>não costuma ler jornal impresso. Na verdade, apenas 6% da população tem o</p><p>hábito de leitura diária dos jornais. Enquanto isso, 65% estão expostos</p><p>diariamente à televisão, embora o meio que mais cresce entre a população</p><p>seja a internet: 26%101.</p><p>Uma briga boa</p><p>Quais são as razões de tudo isso? São inúmeras, mas talvez a mais forte</p><p>seja a di�culdade que a imprensa escrita tem de enfrentar de peito aberto a</p><p>concorrência das novas plataformas. Como conseguir sobreviver nessa</p><p>guerra insana e que só tende a se agravar? Como obter o alimento</p><p>fundamental da publicidade nesse ambiente desfavorável, no qual o campo</p><p>de batalha é o imediatismo da informação e a falta de tempo para se ler uma</p><p>notícia?</p><p>No entanto, há quem defenda com veemência a permanência do papel.</p><p>Roberto Civita, herdeiro do império da Abril, tinha paixão pelas revistas.</p><p>Nada o entusiasmava mais do que elas. E, quando tentou adentrar outros</p><p>caminhos, outras mídias, deu com os burros n’água. Foi assim com sua vã</p><p>tentativa de entrar na área dos audiovisuais. Mas os herdeiros de Civita não</p><p>conseguiram segurar a barra e levaram a empresa para um glorioso brejo – a</p><p>Abril já não pertence mais à família.</p><p>João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, em uma</p><p>conversa com seus diretores de redação, publicada na edição de julho de</p><p>2012 de O Globo, con�denciou que, apesar de todos os desa�os,</p><p>o papel ainda é a melhor mídia, a melhor plataforma de suporte para você ter um</p><p>conjunto de informação organizada e estruturada. O papel, como apresentação</p><p>do noticiário do dia, do que você precisa estar informado quando sai de manhã</p><p>para o seu dia de trabalho, ou de estudo, ainda é uma plataforma sensacional102.</p><p>Certamente o �lho de Roberto Marinho, que orienta o lado editorial do</p><p>grupo, herdou o carinho profundo que o pai tinha pelo jornal que foi do avô</p><p>Irineu, a pedra basilar do grupo, e que nunca deixou de ser sua empresa</p><p>preferida. Mesmo com a televisão bombando na sociedade e dando tanto</p><p>retorno �nanceiro. Só que Roberto Marinho começou sua aventura na TV</p><p>quando tinha 60 anos e já era um dos grandes empresários de comunicação</p><p>do país.</p><p>Mas João Roberto terá de reinventar permanentemente seu querido</p><p>produto. E ele sabe disso. Evgeny Lebedev, dono do Independent, já caiu na</p><p>real. Em um comunicado no qual anunciou o �m da edição impressa de seu</p><p>jornal, ele disse que “a indústria de jornais está mudando, e essa mudança</p><p>está sendo conduzida pelos leitores. Eles nos mostram que o futuro é</p><p>digital”103.</p><p>É uma situação peculiar: o empresário precisou deixar o saudosismo de</p><p>lado e partir para a nova realidade, mas, ao mesmo tempo, ainda sabia</p><p>pouco sobre como enfrentar o desa�o e garantir o suporte do novo</p><p>empreendimento. De qualquer forma, sua ousadia deu certo: seis meses</p><p>depois de suprimir a edição impressa, como já disse linhas antes, e se</p><p>concentrar nas versões digitais, o Independent voltou a ser lucrativo, depois</p><p>de mais de 20 anos. A receita com publicidade digital cresceu 45% em 12</p><p>meses104.</p><p>Lebedev foi radical no corte de custos de impressão, distribuição e</p><p>redação, no que, aliás, foi acompanhado por outros empresários ingleses e</p><p>em todo o mundo: o número de jornalistas passou de 200 para 100,</p><p>permaneceram apenas os principais pro�ssionais, como alguns</p><p>correspondentes fundamentais.</p><p>O time dos que ainda apostam no impresso e torcem por uma vida mais</p><p>longa dos jornais é forte. Walter Robinson, que che�ou aquela equipe do</p><p>Boston Globe, que denunciou os abusos sexuais cometidos por padres</p><p>católicos, acredita – disse isso em uma entrevista à Folha, em 2016 – que os</p><p>jornais ainda são a principal fonte de informação e reportagens de fundo. O</p><p>problema é que demos de graça o nosso produto por tanto tempo [na internet]</p><p>que é difícil convencer o público de que, se você de fato quer notícias com</p><p>profundidade, tem de pagar por elas105.</p><p>Mas parece que este é mesmo o �m dos jornais: cobrar pela credibilidade.</p><p>O vice-reitor da Universidade de Navarra, na Espanha, professor Alfonso</p><p>Sánchez-Tabernero, a�rmou, em uma entrevista ao Estadão, já em 2011, que</p><p>os veículos impressos têm de investir em análise e interpretação, valendo-se</p><p>de sua credibilidade.</p><p>Disse ele:</p><p>O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um</p><p>suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não podem: a</p><p>seleção de notícias, Jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso</p><p>que o público está disposto a pagar106.</p><p>Em resumo, por mais que os terroristas de plantão façam alarde, os jornais</p><p>não morrerão tão cedo, mas terão de mudar seu enfoque, seus objetivos, a</p><p>maneira de chegar ao leitor. As análises estão vivas; as manchetes com</p><p>notícias de ontem já não existem mais.</p><p>O jornalista Alberto Dines, um dos ícones do Jornalismo brasileiro, já</p><p>mencionado neste livro, comandou grandes jornais, mudou a forma de</p><p>colocar a notícia no papel e foi um ser perdidamente apaixonado pelo</p><p>impresso. “O ser humano é muito avarento, não abre mão das coisas boas</p><p>que inventou. As pessoas aprimoram o uso, mas não largam. Gostamos de</p><p>jornais impressos periódicos durante os últimos 400 anos, e não vamos abrir</p><p>mão disso”107. Disse isso em uma entrevista à revista Plug, do Curso Abril de</p><p>Jornalismo.</p><p>Outro remanescente do Boston Globe, Martin Baron, que está no</p><p>Washington Post, confessou em entrevista à Folha, em 2016, que</p><p>estamos diante de uma situação inevitável, vivemos numa sociedade que é digital</p><p>e mobile, e precisamos acolher essa mudança com entusiasmo e esforço, por mais</p><p>que sintamos saudade do antigo modo de trabalhar108.</p><p>Otávio Frias Filho, na abertura de um seminário que seu jornal promoveu,</p><p>em comemoração aos 95 anos da Folha de S. Paulo, em fevereiro de 2016,</p><p>apontou as causas dos problemas que a�igem os jornais impressos:</p><p>Os pilares de sustentação econômica do Jornalismo foram abalados pela</p><p>transformação tecnológica. Bom Jornalismo é atividade dispendiosa. Embora</p><p>exista um público muito promissor disposto a remunerar o trabalho jornalístico</p><p>na forma de assinatura digital, a perspectiva publicitária nesse campo tem se</p><p>mostrado mais problemática109.</p><p>João Roberto, do Globo, também sabe disso. Disse ele na conversa com</p><p>seus editores:</p><p>O desa�o mais forte, onde está a maior competição na internet, é no comercial. É</p><p>nos anúncios. O papel não tem problema, não terá problema. O difícil para o</p><p>jornal vai ser atuar com inteligência com relação aos anúncios e ser e�ciente para</p><p>os anunciantes110.</p><p>Clay Shirky, professor da Universidade de Nova York, a�rmou em um</p><p>artigo para a Revista de Jornalismo ESPM, em 2013, que é preciso rever</p><p>conceitos e questionar o famoso tripé veículo-leitor-anunciante. E que ler</p><p>informação, hoje, mudou de patamar: “Lemos o que os amigos mandam,</p><p>não importa qual a fonte [amigos deles, provavelmente]. Já não escolhemos</p><p>essa ou aquela publicação. Escolhemos links”111.</p><p>De fato, é algo com o que se preocupar – e preocupar principalmente os</p><p>empresários de comunicação. O Museu da Imprensa, em Washington, revela</p><p>que mais de 2,3 mil jornais norte-americanos faliram com o surgimento da</p><p>internet. Um desses jornais tinha mais de cem anos. Eles não conseguiram</p><p>se adaptar aos novos tempos, nem encontraram a fórmula para sobreviver</p><p>na terrível guerra contra as novas tecnologias. O segredo é usá-las, não ir de</p><p>encontro a elas.</p><p>E é por isso que os especialistas não entenderam nada – e continuam sem</p><p>entender – quando Jeff Bezos – dono da Amazon, um dos revolucionários</p><p>da internet e um dos homens mais ricos do mundo – comprou por 250</p><p>milhões de dólares o histórico e Washington Post. Seria em busca de mais</p><p>prestígio, já que o Post é um dos ícones do Jornalismo mundial? Vamos ter a</p><p>imensa paciência de Bezos para entender, a qualquer momento, quais são</p><p>seus objetivos.</p><p>Uma dica para seus propósitos talvez seja a permanência de Martin Baron</p><p>como editor principal do Post. Disse ele, naquela entrevista à Folha de S.</p><p>Paulo de 2016, que os velhos jornalistas precisam “passar logo por um</p><p>período de luto e olhar para a frente, porque o Jornalismo que eles</p><p>conheciam acabou, mas há vida adiante”112.</p><p>Baron disse ainda que a chave do bom Jornalismo é a imparcialidade, uma</p><p>“imprensa independente, justamente a que não está aliada nem com a</p><p>esquerda, nem com a direita, nem com nenhum partido”. Talvez Bezos esteja</p><p>preparando alguma novidade na área113.</p><p>Há um deadline?</p><p>Os fatos, porém, são incontestáveis, e nem sempre o otimismo está</p><p>presente nessa questão. O jornalista Ethevaldo Siqueira – com quem tive a</p><p>honra de dividir a mesma redação em O Estado de S. Paulo e, como já disse,</p><p>foi quem criou a editoria de “Ciência e tecnologia” do jornal –, vem</p><p>acompanhando o movimento dos jornais no mundo e contou em sua coluna</p><p>do Estadão, em março de 2012, que viu em um grá�co instalado em um</p><p>grande diário norte-americano uma projeção da circulação dos jornais, nos</p><p>últimos 20 anos, e notou uma curva descendente que chega a zero por volta</p><p>de 2043. Sobre o grá�co, uma frase declara de modo categórico: “O jornal</p><p>está morrendo”. No rodapé do quadro, os jornalistas escreveram: ‘Mas o</p><p>Jornalismo, não’”114.</p><p>As previsões não param aí. Francis Gurry, chefe da Organização Mundial</p><p>da Propriedade Intelectual, em entrevista ao jornal Tribune de Génève,</p><p>calculou que os jornais no formato como os conhecemos hoje vão</p><p>desaparecer até 2040. A partir daí, segundo ele, todos os países terão de fazer</p><p>a transição do papel para o meio digital115.</p><p>O jornalista Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o</p><p>Jornalismo nas Américas, é franco quando diz que o jornal já está morto. No</p><p>entanto, o que ocorre, para ele, é que</p><p>outro jornal já nasceu, que continua sendo relevante pra sociedade, cumprindo</p><p>um papel importante, mas não tem mais a operação monomídia. É multimídia.</p><p>Nunca o velho jornal sonhou em chegar a tanta gente como chega atualmente116.</p><p>Rosental também diz:</p><p>A TV tem texto, o jornal tem áudio, a rádio tem vídeo. Mas cada um tem o seu</p><p>ponto forte, e vai continuar tendo. [...] O que a internet fez foi transformar o</p><p>mundo de tal maneira que todos se tornaram um meio de comunicação. A gente</p><p>passou de uma comunicação dominada por meios de massa para uma</p><p>comunicação dominada por uma massa de meios, onde cada um de nós pode</p><p>expor suas ideias nas redes sociais ou onde quer que seja117.</p><p>Pessoalmente, não acredito que a morte dos jornais impressos esteja tão</p><p>próxima, mas alguma coisa terá de acontecer. O jornalista e doutor em</p><p>comunicação e semiótica pela PUC de São Paulo, Leão Serva, em seu livro A</p><p>desintegração dos jornais, aponta alguns movimentos que as empresas</p><p>jornalísticas estão fazendo, como cortes de custos generalizados – que</p><p>incluem jornalistas – e a fusão de equipes de conteúdo. E, nesse ponto, ele vê</p><p>perigo nas fusões de equipes on-line e off-line, que nada têm a ver uma com</p><p>a outra.</p><p>O desespero dos empresários em realizar essa integração maluca parte do</p><p>fato de que, por enquanto, quem vem alimentando a empresa é o grupo off-</p><p>line, embora todos sintam que a audiência vem baixando. Mas, por outro</p><p>lado, quem vem crescendo vertiginosamente é o grupo on-line, embora isso</p><p>não se traduza em receita. Diz Leão Serva: “É a área impressa que até o</p><p>momento paga suas contas”118.</p><p>Então, como sair desse imbróglio?</p><p>Não é fácil. Em 2013, o jornalista Caio Túlio Costa passou meses cursando</p><p>um pós-doutorado na Columbia University Graduate School of Journalism,</p><p>em Nova York, onde estudou qual deve ser a saída para que as empresas</p><p>jornalísticas tenham um modelo rentável na era digital.</p><p>O estudo gerou um trabalho de 107 páginas e chegou a uma conclusão</p><p>drástica: “É preciso partir do zero, porque a cadeia de valor é outra”119.</p><p>Aliás, antes mesmo de Caio Túlio, Don Tapscott, uma das maiores</p><p>autoridades no tema do impacto dos meios digitais nas empresas e na</p><p>sociedade, escreveu na introdução do livro Rede, do jornalista Juan Luis</p><p>Cebrián, que “à medida que o comércio se transfere para a rede, todo o</p><p>conceito de empresa se transforma”120. O jogo da internet é outro.</p><p>O estudo de Caio Túlio só con�rma isso. Mas não é um estudo capaz de</p><p>agradar aos donos dos jornais e revistas, ainda que o que esteja pela frente</p><p>sejam questões de mudança.</p><p>No seu artigo para a Revista da ESPM, Clay Shirky dá a receita para os</p><p>meios de comunicação tradicionais enfrentarem seus problemas nos</p><p>próximos anos: “encolher, reestruturar ou desaparecer”121. Nenhuma saída é</p><p>fácil. (E, aqui, vem a pergunta: será que uma redação menor vai entregar um</p><p>produto com a mesma qualidade?) O recomeço é um desa�o,</p><p>principalmente para quem está estabelecido há séculos no mercado. Ocorre</p><p>que, hoje, o mercado é outro.</p><p>No seu trabalho “Um modelo de negócio para o Jornalismo digital: como</p><p>os jornais devem abraçar a tecnologia, as redes sociais e os serviços de valor</p><p>adicionado”, Caio Túlio, de larga experiência em redações, sugere o chamado</p><p>“paywall poroso” (liberar parte das notícias e cobrar pelas demais), não o</p><p>fechamento do conteúdo. Parece que os jornais impressos estão caminhando</p><p>por aí. O New York Times é o melhor exemplo.</p><p>Mais do que isso, Caio Túlio a�rma que os grandes jornais, que precisam</p><p>encarar os novos tempos, devem enfrentar o desa�o de recomeçar do zero.</p><p>Deixar de lado as velhas fórmulas de gerenciar seus negócios e partir para o</p><p>século XXI. Para ele, é preciso esquecer um modelo de negócios que vigorou</p><p>por quase seis séculos, desde Johannes Gutenberg, e entrar de fato na nova</p><p>era. Como vem tentando o Times, sobre o qual, mais uma vez, recaem todas</p><p>as esperanças de sucesso.</p><p>Aqui no Brasil, um exemplo a ser citado são as Organizações Globo, que</p><p>desde 2018 vem pondo em prática seu projeto de reorganização, com o</p><p>objetivo de tornar-se uma media tech. A ideia é uni�car quatro companhias</p><p>– TV Globo, Globosat, Globoplay e Globo.com – e mais a diretoria de gestão</p><p>corporativa, atuando em áreas que vão da TV aberta e fechada até internet e</p><p>streaming. Quem comanda o projeto é Jorge Nóbrega, que foi presidente-</p><p>executivo do Grupo Globo até 2021, que prega a valorização de produtos e</p><p>marcas por meio de parcerias e “chegar a um novo patamar para somar</p><p>economia da atenção com a da transação. [...] Isso é algo que pode ser</p><p>remunerado. Trata-se de um ativo imenso que temos de monetizar</p><p>melhor”122.</p><p>A palavra é: ruptura</p><p>Várias tentativas já têm sido realizadas para se alcançar um caminho</p><p>diferente do fracasso. Um desses caminhos é romper o padrão de</p><p>relacionamento das empresas de comunicação com o mercado. A</p><p>Associação Nacional dos Jornais (ANJ) lançou uma ferramenta que procura</p><p>mudar a forma de o mercado publicitário encarar o investimento nesse tipo</p><p>de mídia. A ANJ quer negociar, por meio de uma plataforma na internet, os</p><p>anúncios nos sites de suas 130 publicações. É uma forma de inovar.</p><p>A TBWA – uma agência de publicidade, com sede em Manhattan – criou,</p><p>ainda em 1991, uma proposta que busca soluções diferentes para resolver os</p><p>problemas do setor. O presidente mundial da TBWA, Jean Marie Dru,</p><p>acredita que a ruptura do método pode ser utilizada para o desenvolvimento</p><p>de novas estratégias, para a criação de projetos de inovação e para</p><p>reformulações de modelos de negócios, a �m de se enfrentar um novo</p><p>cenário competitivo.</p><p>Diz ele: “Acredito que as empresas estão cada vez mais apostando na</p><p>ruptura [dos antigos modelos]. Está claro que tentar fazer mudanças passo a</p><p>passo é uma estratégia menos e�ciente”123.</p><p>Philip Meyer, pesquisador e professor da University of North Carolina, em</p><p>seu livro Os jornais podem desaparecer?, cita o economista alemão (radicado</p><p>nos Estados Unidos e falecido em 2006) eodore Levitt, que popularizou a</p><p>expressão “tecnologia de ruptura”. Meyer diz o seguinte sobre as teorias de</p><p>Levitt: “Esse modelo convida a repensar a qual tipo de negócio os jornais</p><p>pertencem ou deveriam pertencer”124. Ele faz uma analogia com as</p><p>comparações de Levitt, que citou o exemplo das empresas ferroviárias, que</p><p>se agarraram a uma de�nição estreita do empreendimento e não se</p><p>atentaram para o fato de pertencerem à indústria de transportes.</p><p>Meyer se vale de outro especialista, Hal Jurgensmeyer – que foi vice-</p><p>presidente da Knight Ridder, empresa norte-americana de mídia que chegou</p><p>a ser o segundo maior grupo editorial dos Estados Unidos, com 32 jornais</p><p>diários, e saiu do mercado em 2006 –, para expor suas ideias. Para</p><p>Jurgensmeyer, o grupo pertencia não ao setor de Jornalismo ou de</p><p>informações, mas ao “setor de in�uência”.</p><p>“A in�uência social de um meio de comunicação”, analisa Philip Meyer,</p><p>pode aumentar sua in�uência comercial. Se o modelo funcionar, um jornal</p><p>in�uente terá leitores que con�am nele e, portanto, mais valor para os</p><p>anunciantes. [...] A beleza deste modelo é que ele fornece uma justi�cativa</p><p>econômica para a excelência em Jornalismo125.</p><p>As bravas tentativas do NYT parecem estar dando certo. O segundo</p><p>semestre de 2018 mostrou um avanço vigoroso das assinaturas digitais, com</p><p>mais de 109 mil assinantes on-line. Com isso, as receitas cresceram,</p><p>contrabalançando a queda da publicidade do jornalão impresso. O Times</p><p>tem em 2022 quase 3 milhões de assinantes digitais. Esses assinantes</p><p>representam dois terços das receitas da companhia. Mesmo assim, ocorreu</p><p>um declínio de 10% nas receitas de publicidade. Os anúncios do impresso</p><p>caíram 11,5%.</p><p>Em resumo, jornais e jornalistas precisam encontrar novos caminhos</p><p>diante do novo mundo que se abre. Os jornais devem encontrar outro</p><p>modelo para seu negócio; e os jornalistas, tanto do impresso como do</p><p>digital, novas formas para se adequarem a esse novo cenário – sempre</p><p>estando alerta para o fato de que cada plataforma tem sua linguagem</p><p>própria. E tudo isso terá sucesso apenas quando houver um clima de</p><p>liberdade total, de expressão e de pensamento, e uma variação grandiosa de</p><p>ideias. Que assim seja.</p><p>93 La�oufa, 2014.</p><p>94 Logweb, 2015.</p><p>95 Idem.</p><p>96 Balmer, 2021.</p><p>97 Ramonet, 2012, p. 31.</p><p>98 Hayes, 2009.</p><p>99 Idem.</p><p>100 Poder 360, 2018.</p><p>101 Peres, 2014.</p><p>102 Rocha et al., 2012.</p><p>103 Valor Econômico, 2016.</p><p>104 Dennis, 2016.</p><p>105 Ninio, 2016.</p><p>106 Balmant, 2011.</p><p>107 Butti, 2011.</p><p>108 Colombo, 2016.</p><p>109 Frias Filho, 2016.</p><p>110 Rocha et al., 2012.</p><p>111 Shirky, 2013.</p><p>112 Colombo, 2016.</p><p>113 Idem.</p><p>114 Siqueira, 2010a.</p><p>115 Gugelmin, 2011.</p><p>116 Matsuura, 2016.</p><p>117 Idem.</p><p>118 Serva, 2014, p. 12.</p><p>119 Costa, 2014.</p><p>120 Cebrián, 1998, p. 15.</p><p>121 Shirky, 2013.</p><p>122 Rosa, 2021.</p><p>123 Scheller, 2014.</p><p>124 Meyer, 2004, p. 17.</p><p>125 Idem, p. 18.</p><p>S</p><p>13</p><p>Fim ou começo de papo</p><p>. . .</p><p>erá que podemos tirar alguma conclusão de tudo que foi discutido? A</p><p>única que vejo é a de que o Jornalismo, com “J” maiúsculo, sempre</p><p>terá um papel importante na vida de qualquer país, com a condição</p><p>de que se leve a democracia a sério, que seja um regime no qual todos</p><p>tenham a possibilidade de opinar, de fazer escolhas, de lutar por seus</p><p>direitos. Sem ela, nada feito.</p><p>Tenho sérias dúvidas quanto ao futuro do jornalista pro�ssional, afogado</p><p>por uma legislação que não lhe é favorável, pela situação dramática das</p><p>empresas de comunicação, pela pressão sistemática que vem de todos os</p><p>lados e, sobretudo, pelos interesses mesquinhos de boa parte dos órgãos de</p><p>informação.</p><p>Jornalistas, empresas, cidadãos – a sociedade, en�m – terão de se adaptar</p><p>aos novos tempos, aos novos inventos, ao novo. O ser humano é bom nisso.</p><p>A famosa frase dita pelo professor Leon C. Megginson, quando, em um</p><p>discurso, procurava interpretar a obra de Charles Darwin, cabe bem aqui:</p><p>não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor</p><p>se adapta às mudanças. Se a essência do Jornalismo não muda, a forma de</p><p>fazê-lo, sim. O mesmo ocorre com a forma de ler, de buscar uma</p><p>informação. Os laboratórios do Vale do Silício estão aí para expandir suas</p><p>novidades.</p><p>Vamos</p><p>dar uma chance para a esperança em melhores dias. Com certeza,</p><p>as informações vão circular entre nós com mais intensidade e rapidez, pelas</p><p>redes sociais, pelos computadores, por equipamentos portáteis, como os</p><p>smartphones, mas também pelos noticiários de TV, principalmente nos</p><p>canais fechados, pagos – e torcendo para que novos canais cheguem,</p><p>oferecendo empregos e outras visões da realidade, sem deixar os fatos de</p><p>lado.</p><p>Os canais abertos de televisão continuarão a ter in�uência, porque são</p><p>mais baratos, mas precisam mudar sua cara. É angustiante assistir a um</p><p>telejornal às 8 horas da noite, dando uma informação que correu o dia todo</p><p>pela internet, pelas redes sociais, pelos sites de notícias ou pelo próprio</p><p>canal, sem acrescentar nem uma vírgula à informação.</p><p>Os jornais impressos vão desaparecer? Vão, mas isso não ocorrerá tão</p><p>cedo. Nos países mais desenvolvidos, isso provavelmente acontecerá de</p><p>modo mais rápido. O Brasil chegará atrasado mais uma vez. É preciso que se</p><p>diga, porém, que o papel ainda é abundante, até em demasia, nos países mais</p><p>ricos e nos que se destacam na corrida tecnológica. Esse é um sinal de que a</p><p>marcha ainda será longa.</p><p>Mas os donos dos jornais, ou daqueles instrumentos ou plataformas que</p><p>fazem a comunicação, sabem que precisam mudar seu modo de encarar o</p><p>negócio. O “fazer comunicação” (captar o fato, exercer a tarefa de contar a</p><p>história e distribuí-la) mudou, e é preciso acompanhar essa mudança – para</p><p>que seja uma atividade mais livre, leve e solta, verdadeira, sem preconceitos</p><p>e idiossincrasias.</p><p>Quem precisa mudar, modernizar seus métodos de ensino, são as</p><p>faculdades de comunicação, de Jornalismo. O ensino padrão da pro�ssão</p><p>necessita de um upgrade para acompanhar seus próprios alunos, muitas</p><p>vezes mais antenados do que os professores, mais ligados nas novas</p><p>tecnologias, mais habilitados a operar os novos meios de encarar o mundo e</p><p>a vida. A base é a educação – essencial para que o cidadão possa dirimir</p><p>incertezas, levantar questões, duvidar.</p><p>Haverá cada vez mais a interação dos indivíduos interferindo nessas</p><p>formas de comunicação, no tráfego dessas informações. Cada um tem sua</p><p>visão de mundo, não necessariamente a visão com a qual todos concordam,</p><p>e é preciso saber escolher em quem acreditar.</p><p>A diferença entre o que é verdade e o que é pura especulação ou paixão</p><p>�ca por conta da credibilidade. E a disputa pelo espaço no coração dos</p><p>clientes – se é que podemos chamar assim todos nós, receptores dessas</p><p>informações – é um caso que está nas mãos da qualidade do Jornalismo, da</p><p>fonte da informação.</p><p>A credibilidade é o xis da questão. E todas as paixões devem ser</p><p>assimiladas, decantadas e separadas com respeito.</p><p>Por isso, a formação dos pro�ssionais deve ter maior atenção. O ensino e a</p><p>imparcialidade devem ser prioridades nos veículos chamados</p><p>independentes, que são aqueles que lutam por uma informação sem</p><p>contágio.</p><p>E, com todas as ameaças e todos os obstáculos, o que deve valer na vida</p><p>do jornalista é que sua tarefa, para ser cumprida à risca, precisa ter como</p><p>fonte inspiradora a vontade de que toda a verdade seja exposta – para todos</p><p>e por todos os ângulos. Não há meias verdades, embora cada um tenha a</p><p>sua.</p><p>Então, como alimento para que o pro�ssional possa, com sangue e suor,</p><p>retratar toda essa verdade, e fazer com que ela chegue a todos os cantos, o</p><p>que não lhe pode faltar é o tesão, que tem como sinônimos intensidade,</p><p>valentia e coragem. Ele ou ela também deve passar por cima de todas as</p><p>agruras e ameaças – venham elas da che�a, da concorrência interna e</p><p>externa, do Estado, do tempo ou da consciência. Sem essa fúria intensa, sem</p><p>esse vigor, sem essa vontade avassaladora de contar para todos o que se viu e</p><p>ouviu, acaba-se o encantamento e a sedução vira pó.</p><p>D</p><p>14</p><p>Bibliografia e sugestões</p><p>bibliográficas</p><p>. . .</p><p>esde o momento em que eu pus os pés em uma redação de jornal e</p><p>depois em uma emissora de televisão – e lá se vão mais de 50 anos</p><p>–, até o instante em que escrevo estas linhas, todos os dias aprendi</p><p>alguma coisa, muitas coisas. Chega até a ser meio irresponsável o quanto a</p><p>gente aprende trabalhando ao vivo, colocando a cara no vídeo, cometendo</p><p>gafes e erros bisonhos. Mas é assim que se constrói um telejornalista, ou</p><p>escrevendo e revisando textos. Somos eternamente aprendizes. Não era à toa</p><p>que o lendário apresentador Flavio Cavalcanti (1923-1986) dizia: “Na TV</p><p>brasileira não há escola. Somos todos autodidatas”.</p><p>Na realidade, fazer televisão no Brasil sempre foi uma espécie de aventura,</p><p>na qual o que vale mais é a busca da novidade, a vontade incontida e o</p><p>talento de quem se arrisca, se lança na batalha. Basta lermos ou ouvirmos</p><p>depoimentos de Armando Nogueira, Fernando Barbosa Lima, José</p><p>Bonifácio de Oliveira Sobrinho e de todos aqueles que participaram dessa</p><p>epopeia que vem dos anos 1950 até meados dos anos 1970, quando a</p><p>televisão, além de ter se tornado mais experiente, se viabilizou tecnicamente.</p><p>Pro�ssional ela sempre foi, embora os primeiros que trabalharam diante</p><p>daquelas pesadas câmeras apenas tivessem ouvido falar o que seria a tal</p><p>televisão, e foram experimentando, improvisando, aqui e ali. Talvez por isso,</p><p>hoje, a televisão brasileira seja tão versátil e criativa.</p><p>O curioso é que nós sempre nos deparamos com a política caminhando ao</p><p>lado da TV – política por fora e por dentro da telinha. Embora ela aparente</p><p>ser uma atividade essencialmente privada, a televisão teve, desde o início, as</p><p>bênçãos do governo e, por longos anos, seria na prática amparada por ele.</p><p>Daí, o vínculo tão forte. Foi o governo que instalou as torres de transmissão,</p><p>lançou os satélites e regulamentou a atividade. Mas foi também o governo</p><p>que inventou o Departamento Nacional de Telecomunicações e que aplicou</p><p>a censura aos órgãos de comunicação.</p><p>Todos nós, que trabalhamos nesse métier, conhecemos apenas o mínimo</p><p>para o nosso trabalho, tão jovem é a televisão. Aos poucos é que vamos</p><p>sabendo do que se trata, quais são os recursos de que dispomos, que tipo de</p><p>imagem é boa ou não para a televisão – às vezes, um simples botão ou uma</p><p>pequena chama tomam uma dimensão fantástica na telinha –, qual é a</p><p>linguagem adequada. Até porque, a cada dia surgem novidades.</p><p>Apesar de tudo que já se escreveu e se falou, de todas as grandes</p><p>reportagens e coberturas nacionais e internacionais, não há manual que nos</p><p>ensine sobre os mistérios insondáveis da televisão. O que se pode fazer é</p><p>mostrar os caminhos que levam ao erro e aproveitar ao máximo as</p><p>experiências de sucesso. Com base no cotidiano. Foi isso que me levou a este</p><p>livro: pegar a experiência vivida e repassá-la da melhor maneira para quem</p><p>vai usar o veículo. A�nal, são mais de 50 anos de Jornalismo, 70% deles</p><p>dedicados à televisão.</p><p>Bibliogra�a</p><p>AGÊNCIA BRASIL. Repórteres sem fronteiras: 67 jornalistas morreram no exercício da pro�ssão. 29</p><p>dez. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2021.</p><p>ALVES DE ABREU, A. Mídia e política no Brasil: jornalismo e �cção. Rio de Janeiro: Editora FGV,</p><p>2003.</p><p>AMORIM, P. H. Entrevista. Trip, São Paulo, n. 134, jun. 2005.</p><p>AMORIM, P. H. O quarto poder: uma outra história. São Paulo: Hedra, 2015.</p><p>AMORIM, P. H.; PASSOS, M. H. Plim-plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral. São Paulo:</p><p>Conrad Editora, 2005.</p><p>BALMANT, O. 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Ele, o censor, obediente a seus chefes, impiedoso em sua tarefa de</p><p>impedir a impressão de qualquer fato que estivesse no cardápio diário dos</p><p>governantes.</p><p>Se a notícia ou reportagem já havia descido para a o�cina, ela era retirada</p><p>da página já montada e substituída pelos versos de Os Lusíadas, de Luís de</p><p>Camões. O poema – colossal – foi publicado repetidas vezes. O Jornal da</p><p>Tarde, a outra publicação do grupo, resolveu ser mais leve no protesto e</p><p>publicava receitas de bolo, todas elas sem pé nem cabeça.</p><p>Eram tempos difíceis, em que íamos ao trabalho com a certeza de que o</p><p>dever não seria totalmente cumprido. Havia a mão pesada e violenta da</p><p>censura sobre as nossas cabeças. Mas havia também certo comodismo, um</p><p>leve relaxamento, porque sabíamos que, em última análise, a</p><p>responsabilidade do que saía ou não era do funcionário censor. E havia</p><p>também um acordo tácito e silencioso entre os jornalistas e a direção do</p><p>jornal: todos, pelo bom senso, a favor da liberdade de expressão, pelo</p><p>inimigo comum, éramos contra aquele ambiente sufocante e marchávamos</p><p>juntos. Mas, é bom que se diga, nem sempre foi assim.</p><p>Quando foi interpelado certa vez pela polícia para explicar sua posição</p><p>política contra o governo, Júlio de Mesquita Neto respondeu com ironia, ao</p><p>lhe perguntarem quem era o responsável pelo que era publicado no Estadão.</p><p>Disse ele: “Alfredo Buzaid, ministro da Justiça”, que era quem mandava no</p><p>chefe do Departamento de Diversões Públicas, que cuidava da censura.</p><p>Depois que a censura deixou de existir, veio à luz um fato mais grave</p><p>ainda, que também rondava a cabeça dos jornalistas e das publicações que</p><p>conseguiam subsistir e não recebiam a visita dos censores: a autocensura.</p><p>Enquanto ela não havia tomado conta das empresas de comunicação, a</p><p>brincadeira era enganar a censura e os censores, como Alberto Dines fez</p><p>com genialidade no Jornal do Brasil. Depois veio a cruel realidade, que</p><p>atingiu várias publicações.</p><p>No Estadão, a mais hilária tentativa de burlar, ou pelo menos ludibriar a</p><p>censura, foi com a notícia da demissão do ministro da Agricultura de</p><p>Ernesto Geisel, o gaúcho Cirne Lima. Ele havia pedido demissão depois de</p><p>uma briga feia com o ministro-czar Del�m Netto – Del�m nega. O jornal foi</p><p>proibido de dar a notícia e divulgar sua carta de demissão. Mas a página, a</p><p>primeira página, já estava diagramada, tinha descido para a o�cina e estava</p><p>pronta para ser impressa. O que se fez?</p><p>Oswaldo Martins de Oliveira Filho, o Oswaldinho, junto com</p><p>Ludembergue Góes, dois editores que fechavam a primeira página, desceram</p><p>à o�cina, sacaram a foto do ministro e colocaram em seu lugar um “calhau”</p><p>– um clichê (foto) de chumbo que era usado quando havia um “buraco” na</p><p>página (ausência de notícia ou anúncio). O tal “calhau” era uma propaganda</p><p>da Rádio Eldorado, que pertencia ao Grupo Estado, e que anunciava um</p><p>novo programa, apenas com música brasileira. Resultado: a primeira página</p><p>do Estadão saiu estampada com o clichê do anúncio, bem no alto, enorme,</p><p>gritando a todos que algo muito estranho estava acontecendo. Dizia o</p><p>anúncio: “AGORA É SAMBA”.</p><p>Lá estava a nossa vingança, estampada na capa do jornal: havíamos</p><p>passado a censura para trás. Valeu a pena. Provavelmente, foram os últimos</p><p>capítulos românticos da história do Jornalismo brasileiro.</p><p>A</p><p>3</p><p>Do bloquinho à touchscreen</p><p>. . .</p><p>censura não impediu os avanços nem a vontade de melhorar a qualidade</p><p>dos jornais, tanto na parte do conteúdo como da apresentação da</p><p>notícia. Apesar da censura, a busca sempre foi a do aperfeiçoamento, de uma</p><p>diagramação mais limpa, mais leve, que pudesse atrair a atenção do leitor.</p><p>Essa não era apenas a preocupação dos jornalistas de O Estado, enquanto eu</p><p>estive lá, de 1973 a 1978. As redações dos grandes jornais brasileiros</p><p>pensavam assim, dentro dos padrões da época. Não havia ainda a</p><p>concorrência feroz das TVs, muito menos das TVs a cabo e das mídias</p><p>sociais, que fazem concorrência direta com a chamada “mídia tradicional”.</p><p>Vivíamos ainda os tempos do papel: ele era o nosso principal instrumento</p><p>de trabalho. O papel do bloco de anotações do repórter; o papel da lauda</p><p>que receberia a matéria; o papel da impressão. O papel jorrava dos teletipos,</p><p>do telex, do material da rádio-escuta, dos correspondentes das cidades mais</p><p>próximas de São Paulo. Aos poucos, toda essa papelada foi sendo substituída</p><p>pelo gravador, enquanto os mais espertos não usavam nada, apenas a</p><p>memória. Sempre usei bloquinhos ou folhas esparsas a �m de anotar as</p><p>informações para compor a reportagem.</p><p>Vamos a um exemplo. O jornalista norte-americano Gay Talese, ao</p><p>explicar sua famosa reportagem sobre Sinatra (“Frank Sinatra está</p><p>resfriado”), contou que jamais usava gravador. Diz ele que se interessava</p><p>“menos pelas palavras exatas que saem da boca das pessoas que pela</p><p>essência do que elas dizem”. Quando dava, anotava uma frase ou outra que</p><p>achava importante para costurar o texto.</p><p>Talese é um gênio e não se dedicava, de preferência, ao Jornalismo diário.</p><p>Ele fez seu trabalho famoso para a revista Esquire, em 1965, e para isso</p><p>dedicou meses, mas seus méritos são inegáveis. A reportagem sobre Sinatra</p><p>é antológica, e a revista a republicou em 2003, por considerá-la sua melhor</p><p>matéria – e isso porque Talese não conseguiu falar com Sinatra, apenas com</p><p>as pessoas que o cercavam.</p><p>Como copidesque – como já disse, função que nem existe mais, e que era</p><p>exercida pelo jornalista que tinha como trabalho colocar as matérias dos</p><p>repórteres ou comentaristas no tamanho da página, tentar melhorar o texto,</p><p>cortar o que considerava supér�uo e dar a ele um título – passei anos</p><p>dedilhando as velhas Remington Rand pretas, estrepitantes, algumas dos</p><p>anos 1950, outras dos anos 1940, usadas com vigor, mas com terna alegria.</p><p>Usávamos cartuchos de tinta que, de tão gastos, precisavam ser trocados</p><p>toda semana, e o texto era feito em cópia, com papel carbono – que o tempo</p><p>também praticamente eliminou da face da Terra. Quando chegaram as</p><p>máquinas elétricas, menos barulhentas, de cara mais modernas, houve até</p><p>certa rejeição: o jornalista sempre resistiu – e muitos continuam resistindo –</p><p>bravamente às inovações da tecnologia.</p><p>Foi um sacrifício pessoal imenso passar do impresso para o eletrônico,</p><p>porque o modo de contar a notícia é outro – além do que, o repórter dessa</p><p>forma participa da informação, está no meio dela, não é apenas seu</p><p>narrador. Você se mostra de corpo e alma, de forma pouco natural, mas tem</p><p>de aparentar ao mesmo tempo credibilidade, seriedade, descontração e farta</p><p>informação, narrada aos borbotões. É ser quase um artista. Para mim, foi</p><p>como sair da zona de conforto para uma grande aventura.</p><p>Antes de chegar à TV Globo, em 1978, passei por dois diários</p><p>importantes: A Tribuna, de Santos, e O Estado de S. Paulo. Foi neles que</p><p>exerci de fato a pro�ssão, pratiquei a forma e o conteúdo e até me aventurei</p><p>em reportagens mais profundas. Junto com Carlos Manente e Ouhydes</p><p>Fonseca, ganhamos até mesmo um Prêmio Esso Regional, em A Tribuna,</p><p>uma distinção pretendida por todos os jornalistas.</p><p>Naquele tempo, A Tribuna abrigava jornalistas do porte de Juarez Bahia,</p><p>Geraldo Ferraz, Rubens Ewald Filho, Chico Santa Rita e Oscar Barbosa,</p><p>pro�ssionais que aos poucos foram saindo para voos mais altos, mas que</p><p>conseguiram fazer história importante no jornal.</p><p>Desenvolvi e aperfeiçoei a técnica de escrever em</p><p>em: 22 ago. 2021.</p><p>GARCIA, A. Nos bastidores da notícia. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1990.</p><p>GENESTRETI, G. “e Post” trata de quando jornalista era visto como herói, diz Clóvis Rossi. Folha</p><p>de S. Paulo, São Paulo, 23 jan. 2018. Disponível em:</p><p>. Acesso em: 5 out. 2021.</p><p>GILDER, G. A vida após a televisão. 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O que estava mais à mão, graças</p><p>à indicação de companheiros que haviam trabalhado comigo tanto em</p><p>Santos como em São Paulo – como o brilhante Oswaldinho –, era a vaga de</p><p>repórter na TV Globo de São Paulo, onde o diretor era um dos meus ídolos</p><p>na pro�ssão: Luiz Fernando Mercadante. Junto com ele, Woile Guimarães e</p><p>Dante Matiussi.</p><p>Hoje, lembrando-me daqueles tempos, me pergunto: como as notícias</p><p>chegavam, sem um sistema de telefonia decente, sem internet, sem uma</p><p>comunicação leve e rápida? O fato é que elas chegavam. Em profusão. Eram</p><p>longas tripas de telegrama, que líamos com avidez, para marcar as que</p><p>realmente deveriam ser maiúsculas – o telex vinha todo em caixa-alta –,</p><p>para pontuar, cortar o que devia ser cortado. No Estadão, fui copy da “Geral”,</p><p>da “Política” e da “Primeira”, e por minhas mãos inexperientes passaram</p><p>artigos, reportagens, material de jornalistas consagrados, considerados</p><p>estrelas, velhos redatores, colunistas e repórteres em quem todos con�avam</p><p>e reverenciavam. E também de novos e promissores jornalistas.</p><p>Havia o telex, mas também havia a rádio-escuta – um jornalista com fone</p><p>no ouvido captava notícias das rádios e, ao telefone, escrevia os textos</p><p>narrados pelos correspondentes que trabalhavam no interior do país; era</p><p>mais rápida e mais barata a ligação do que o envio do material pelo correio –</p><p>e os telegramas, que chegavam de todas as partes do país e do mundo, pelos</p><p>correspondentes, pelas agências de notícias. Era outro mundo, que foi</p><p>mudando aos poucos, com a chegada da impressão a frio (as impressoras</p><p>off-set ou ofset, mais limpas do que as velhas e barulhentas rotativas), da</p><p>fotocomposição (no lugar das gigantescas linotipos, que faziam das o�cinas</p><p>de jornais um verdadeiro inferno), e principalmente da internet. Foi – na</p><p>verdade, ainda está sendo – uma revolução.</p><p>No jornal diário, naquele tempo, o repórter chegava à redação, sentava à</p><p>mesa, batia sua reportagem nas velhas Remington – ou Olivetti –, depois</p><p>passava ao copidesque, ia para o editor, para o revisor e seguia seu caminho.</p><p>No diário, é praticamente impossível perder tempo em desgravar o que se</p><p>tem no gravador, embora haja o perigo de não se expressar o que o</p><p>entrevistado disse.</p><p>O novo Jornalismo</p><p>As evoluções no jornal sempre esbarraram nos limites do impresso.</p><p>Aumentar o corpo (o tamanho da letra), mudar o padrão, abrir mais as</p><p>colunas, dar mais branco, tudo foi testado para melhorar o interesse do</p><p>leitor, além, claro, de se aprimorar a técnica dos títulos, por onde os leitores</p><p>são pescados. Simpli�car o texto. Várias mudanças provocaram renovações</p><p>importantes, beirando a revoluções, a genialidades.</p><p>O Jornal da Tarde inovou na redação das matérias. Era o oposto de seu</p><p>irmão mais velho, o Estadão, preso a tradições. O JT liberou a reportagem, a</p><p>informação, o texto. Acabou com o lead tradicional e foi na linha do New</p><p>Journalism, um gênero praticado por jornalistas norte-americanos, como</p><p>Lillian Ross, Truman Capote, Norman Mailer, Tom Wolfe, Gay Talese. E que</p><p>chegou às bancas praticamente junto com outro ícone da imprensa</p><p>brasileira: a revista Realidade.</p><p>Enquanto isso, a televisão começava a nascer, baseada no que se fazia nos</p><p>Estados Unidos. A Globo passou a funcionar em abril de 1965, mas outras</p><p>emissoras já vinham fazendo sua gloriosa trajetória, como a pioneira Tupi</p><p>(de Assis Chateaubriand), a Record (dos Machado de Carvalho) e a</p><p>Excelsior (que foi desmantelada pela ditadura). Todas elas contribuíram um</p><p>pouco para o que temos hoje, mas o Jornalismo “pra valer” – apesar de</p><p>�guras marcantes da área, como Maurício Loureiro Gama, Carlos Spera, e o</p><p>polêmico “Tico-Tico” (José Carlos de Morais) – foi se desenvolvendo aos</p><p>poucos, com a migração de jornalistas poderosos da imprensa escrita para a</p><p>televisão e, claro, com a evolução das tecnologias.</p><p>E esta é a verdade: o Jornalismo de televisão foi se desenvolvendo,</p><p>ganhando corpo, graças às contribuições dos jornalistas que vieram</p><p>principalmente da imprensa escrita. Jornalistas de sucesso ajudaram</p><p>fortemente para dar credibilidade, e até mesmo para criar um padrão ao</p><p>texto da televisão. Fora o impulso muitas vezes dado pelos pro�ssionais de</p><p>rádio, que estiveram muito tempo à frente dos que trabalhavam na TV. Um</p><p>exemplo destes é Vicente Leporace – que eu ouvia diariamente, tomando</p><p>café da manhã com minha mãe, em Santos –, que desenrolava a notícia e</p><p>batia em todo mundo, principalmente nos políticos. Era a fala sempre</p><p>incisiva d’O Trabuco, de saudosa memória, pelas ondas da Rádio</p><p>Bandeirantes.</p><p>“Seu Leporace, agora com o Trabuco,</p><p>Vai comentar as notícias dos jornais.</p><p>Seu Leporace, agora com o Trabuco,</p><p>Vai dar um tiro nos assuntos nacionais.”</p><p>(Nada sutil, nada politicamente correto. Mas o que importa? Era um</p><p>sucesso, e o jeito descontraído do velho jornalista, apresentador, poeta,</p><p>sempre severo com os desmandos políticos, caberia muito bem nos dias de</p><p>hoje. Se deixassem.)</p><p>Se essa realidade atingiu em cheio os jornais impressos, o que dizer da</p><p>televisão? Ocorreu um salto gigantesco do começo do século para cá, que só</p><p>faz diminuir o tempo entre o que acontece e o conhecimento de todos.</p><p>Ainda que, muitas vezes, o fato claro se torne uma horripilante mentira,</p><p>distorcida ou recriada por gente mal-intencionada.</p><p>Até mesmo a jornalista – misto de atriz e apresentadora – Monica Iozzi,</p><p>que vem buscando seu lugar ao sol, em uma entrevista à Folha de S. Paulo,</p><p>no começo de 2016, soltou uma frase – talvez casual, talvez sem querer –</p><p>sobre a horizontalidade dos meios de comunicação. Disse ela que a</p><p>linguagem audiovisual da internet “democratizou tudo de tal maneira que</p><p>algumas formas de fazer TV começam a �car ultrapassadas”.</p><p>Acertou em cheio. Só que não aprofundou a questão. De fato, as notícias</p><p>têm chegado com maior rapidez e aos borbotões, de forma pouco sistêmica,</p><p>tudo sendo colocado no ar, de preferência ao vivo, no calor do fato, que é</p><p>consumido rapidamente. Isso requer um novo tipo de postura, de</p><p>linguagem, em que é necessário o uso das novas tecnologias – uma</p><p>comunicação mais ágil com o repórter, um som mais preciso, uma imagem</p><p>em alta de�nição, um equipamento mais moderno no switcher (cabine de</p><p>onde se coloca a programação no ar), um satélite de última geração –, além</p><p>de uma nova linguagem por parte de quem usa todos esses meios, ou seja, o</p><p>repórter, o apresentador.</p><p>O voo do beija-�or</p><p>Se cientistas e engenheiros conseguiram e conseguem produzir novidades</p><p>tão fantásticas para integrar o dia a dia da comunicação, por que os</p><p>jornalistas ainda não encontraram novas formas de contar suas histórias?</p><p>O jornalista é sempre o atrasado nessa história de inovação. Enquanto as</p><p>grandes conquistas vêm e se vão, o jornalista �ca apegado às suas tradições,</p><p>ao bloquinho de mão, com saudade das velhas máquinas de escrever. Falo, é</p><p>claro, dos velhos jornalistas, dos que nasceram logo depois da Segunda</p><p>Guerra Mundial, como eu, os baby boomers, que vêm lutando</p><p>desesperadamente por uma atualização rápida. Apesar da boa vontade,</p><p>jamais vamos alcançar essas novas gerações, os que estão chegando aos</p><p>novos tempos, com um chip digital diferenciado, implantado na cabeça.</p><p>Caberá a esses cidadãos dar uma forma nova à maneira de contar uma</p><p>história no Jornalismo. E eles não poderão ter medo de fazer isso – farão, se</p><p>deixarem. A imaginação deles estará a serviço da evolução da linguagem do</p><p>Jornalismo.</p><p>Regina E. Dugan, que foi diretora da Agência de Projetos de Pesquisa</p><p>Avançada de Defesa (Darpa, em inglês) dos Estados Unidos, realizou uma</p><p>notável palestra há alguns anos, falando das pesquisas e descobertas de sua</p><p>agência. Foi a Darpa, por exemplo, que imaginou a internet, em 1969.</p><p>Nessa palestra (“Do planador Mach-20 ao zumbido do beija-�or”), Dugan</p><p>tratou dos avanços da ciência e das descobertas proporcionadas pelos</p><p>cientistas da Darpa, e estimulou a todos que tentassem sempre buscar novos</p><p>caminhos para o aprimoramento</p><p>da humanidade.</p><p>Ela disse, por exemplo, que o começo da pesquisa relacionada à internet</p><p>emperrou nas duas primeiras letras da palavra login, porque faltou energia</p><p>elétrica no prédio no momento dos testes, e tudo foi paralisado. Um</p><p>obstáculo inacreditável para uma experiência tão importante. Mas hoje</p><p>vemos que aquele primeiro contato entre a Universidade da Califórnia e o</p><p>Stanford Research Institute foi apenas o início do sucesso mundial que é a</p><p>internet, que envolve mais de 3 bilhões de pessoas em todo o planeta.</p><p>Para chegar às conquistas, disse Regina Dugan – e talvez esteja aí o seu</p><p>principal recado –, o que vale é que não se tenha medo das tentativas na</p><p>busca pela inovação. “A falha é parte da criação de coisas novas e</p><p>interessantes”, disse ela. Não estimulou a falha, mas condenou o medo que se</p><p>tem de falhar. Ou, como diria o gênio Albert Einstein, já faz bastante tempo:</p><p>“A falha é o sucesso em andamento”.</p><p>Em Israel, país conhecido por ser “uma nação de startups”, as pessoas</p><p>(coaches) que selecionam candidatos para novos cargos fazem questão que</p><p>esses novatos incluam no currículo suas iniciativas que não deram certo.</p><p>Eles acreditam que se aprende muito com os erros, e é a partir deles que</p><p>novos projetos podem ser construídos e levados adiante. A experiência faz</p><p>parte do negócio.</p><p>O que eu quero dizer com isso? Que os jornalistas, novos ou experientes,</p><p>não precisam temer o erro, ou tentativas frustradas, para alcançar algo novo.</p><p>Só aí vamos chegar a uma nova linguagem, mais apropriada às novas</p><p>tecnologias que fazem com que ela chegue a todos os ouvidos e a todos os</p><p>olhos, ao entendimento.</p><p>E a quem cabe o papel de tocar essa tarefa? Fora o talento inato, cabe em</p><p>primeiro lugar aos usos e costumes da vida em família, ao estímulo à</p><p>leitura; depois, à escola; em seguida, às próprias empresas.</p><p>É difícil prever como seria a vida em família, porque apenas a educação</p><p>pode fazer com que tenhamos certa previsão do que poderia ser um lar com</p><p>instrução mais consistente. Isso faz parte de um projeto de país. Parece que o</p><p>amor pelos livros não vem sendo muito cultivado. Hoje, as novas formas de</p><p>aprendizado têm outro per�l.</p><p>A escola é que precisa mudar. Pelo que senti, em todos os meus anos de</p><p>redação – e aí vão para lá de 50 –, os que chegam vêm com pouco</p><p>conhecimento prático do que é o chão de fábrica do Jornalismo. Os mais</p><p>interessados têm apenas uma leve noção a respeito. Assim, caberia às escolas</p><p>dar um banho de realidade na vida desses jovens pro�ssionais. E, para isso, é</p><p>necessário ter mais realismo e menos fantasia.</p><p>Isso já acontece em várias partes do mundo. Desde a Columbia Journalism</p><p>School até a Amsterdam School of Communications Research, que faz parte da</p><p>Universidade de Amsterdã, considerada a melhor faculdade de comunicação</p><p>pelo ranking universitário elaborado pela Quacquarelli Symonds – empresa</p><p>britânica especializada na análise de instituições de ensino superior, e que</p><p>criou o chamado QS Ranking.</p><p>Várias escolas de Jornalismo estão surgindo pelo mundo, mas é preciso ter</p><p>bastante cuidado com elas. David Klatell, responsável pela área de estudos</p><p>internacionais da Columbia Journalism School, alerta para o surgimento</p><p>dessas escolas de Jornalismo porque, no fundo, elas são criadas por governos</p><p>interessados em aplicar um verniz de liberdade de expressão ao que, na</p><p>verdade, é um regime regulatório feito para coibir a imprensa livre.</p><p>O que se propõe aqui é vislumbrar a criação de escolas que estejam aptas a</p><p>atrair um corpo de docentes capacitado e que consiga manter um currículo</p><p>sem amarras ideológicas, com equipamentos modernos que possam</p><p>realmente colocar o futuro jornalista diante do mundo. Assim, é preciso ter</p><p>condições �nanceiras, um currículo robusto e moderno, liberdade de ação,</p><p>professores e�cientes e tecnologia de ponta. Difícil? Claro que é. Mas só</p><p>assim poderemos ter um Jornalismo deste século.</p><p>Tudo cada vez mais rápido</p><p>Pode-se questionar: em que momento começou essa transformação? A</p><p>história é antiga, cheia de mudanças rápidas e inesperadas, além de muito</p><p>conhecida. Também é sabido que, no �m do século XX, as tecnologias de</p><p>informação sofreram uma in�exão profunda, que levou a alterações</p><p>complexas, a ponto de transformar os meios de comunicação de um modo</p><p>geral – tanto no Jornalismo quanto na área da cultura e do entretenimento.</p><p>Foi um movimento paulatino, mas que ocorreu de forma consistente. Na</p><p>medida em que as transformações tecnológicas iam acontecendo, o</p><p>Jornalismo – ou a maneira de se fazer Jornalismo, que é o que nos interessa</p><p>– também foi mudando. E os jornalistas, de maneira geral, são seres</p><p>conservadores na essência. É claro que isso vem mudando com o correr do</p><p>tempo, mas as transformações sempre foram recebidas com forte ceticismo e</p><p>resistência. Elas, porém, inevitavelmente aconteceram e foram incorporadas</p><p>– com certa má vontade – pelos pro�ssionais.</p><p>Como a base do Jornalismo é a descon�ança, assimilar a internet foi</p><p>difícil. Alguns jornalistas começaram a usá-la de imediato, sem preconceito,</p><p>atirando-se de cabeça no invento. Logo, outros foram atrás, e hoje somam</p><p>centenas, milhares os que usam e abusam das mídias sociais, na ânsia de</p><p>captar o que pensa o mundo sobre os assuntos os mais variados e, muitas</p><p>vezes, deixando lá suas próprias impressões, o que não podem fazer em seus</p><p>veículos tradicionais.</p><p>O panorama é de mudança, dentro e fora das redações, nos jornais, nas</p><p>revistas, nos telejornais. Mudança de postura, de linguagem, de apelo. Todos</p><p>sabem disso. Quem não mudar, dança. Mas é difícil mudar, acreditar na</p><p>mudança, no caminho certo. Como diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho,</p><p>o Boni, ex-todo-poderoso da TV Globo – e por que não dizer da televisão</p><p>brasileira? – durante 30 anos, em suas recordações de vida que explicitou em</p><p>O livro do Boni:</p><p>O caminho da televisão aberta, a meu ver, será, prioritariamente, o da notícia</p><p>imediata, ao vivo, substituindo os telejornais burocráticos para os quais ainda são</p><p>guardadas informações que já deviam ter sido transmitidas no ato3.</p><p>Algum devaneio? Nada – acho é pouco. A televisão a cabo, ou por satélite,</p><p>é muito mais ligeira do que a velha rede aberta, só que tem menos dinheiro.</p><p>Tem mais inteligência e menos grana, mas isso vai passar, porque as</p><p>assinaturas obrigatoriamente �carão mais baratas, devido à concorrência, e</p><p>o acesso ao cabo se tornará mais fácil. O universo da informação vai se</p><p>expandir, e as redes tradicionais, se não mudarem a maneira de realizar suas</p><p>tarefas, vão �car “no sal”. Seus níveis de audiência irão se diluir e terão de</p><p>correr atrás. E essa realidade nunca esteve tão próxima.</p><p>A internet é que vem empurrando o Jornalismo para a frente. E não é de</p><p>hoje. Os inventos sempre deram gás, uma luz nova ao Jornalismo. O</p><p>jornalista Ethevaldo Siqueira, que se especializou em tecnologia e</p><p>acompanha de perto os avanços cientí�cos no mundo, há anos vem tratando</p><p>do tema: a internet está mudando o Jornalismo.</p><p>Como? Diz ele em seu blog “Mundo Digital”, em 2013, que esses novos</p><p>aparatos tecnológicos vêm criando uma espécie de “escola da democracia”.</p><p>“Com a abertura de espaços cada dia maiores à grande massa de leitores,</p><p>caem os mitos, as ideias preconcebidas, os estereótipos maliciosos sobre a</p><p>imprensa e sua função social, e sai de cena a atitude de alguns colunistas e</p><p>editorialistas que se comportavam como verdadeiros donos da verdade”, diz</p><p>Siqueira4.</p><p>E essa é a linguagem que vai nascer do encontro das novas tecnologias</p><p>com o Jornalismo: não haverá mais a mídia unidirecional, ela será interativa,</p><p>com a participação do leitor ou internauta. E aí, claro, temos as duas faces da</p><p>novidade: 1) a colaboração, o debate interativo e positivo; e 2) o lado feroz</p><p>de quem não respeita a opinião alheia e trata, de forma hidrófoba, a posição</p><p>divergente como inimiga mortal.</p><p>Para chegarmos a esse ponto, o caminho vai se tornando mais veloz.</p><p>Vamos começar por um período mais próximo, o século XX. Pela ordem</p><p>natural das coisas,</p><p>a cômoda situação da imprensa começou a mudar a</p><p>partir do lugar onde deveria mesmo acontecer, os Estados Unidos, que</p><p>sempre praticaram, nos tempos modernos, o Jornalismo mais avançado, em</p><p>termos de linguagem mais direta – embora os norte-americanos não tenham</p><p>criado o lead, como sempre nos foi ensinado, mas isso nós veremos adiante.</p><p>Tinha chegado a hora de nos desvencilharmos dos velhos métodos de</p><p>confeccionar jornais, que ainda tinham a mesma cara dos antigos pan�etos</p><p>de séculos atrás.</p><p>Um dos pontapés iniciais mais marcantes partiu do diário Los Angeles</p><p>Times, que começou a utilizar, em 1962, �tas perfuradas para tornar mais</p><p>ágil a composição em linotipos. Foi naquele mesmo ano que subiu ao espaço</p><p>o Telsat I, satélite de comunicações que inaugurou a era dessas máquinas</p><p>usadas especi�camente para a mídia.</p><p>É dessa época, apenas sete anos depois, a transmissão ao vivo da chegada</p><p>da missão Apolo XI à Lua. Foi um tempo de grandes transformações, no</p><p>Brasil e no mundo. Estávamos emborcados na ditadura e apenas</p><p>acompanhávamos de longe a evolução do mundo tecnológico. Antes de</p><p>tudo, queríamos respirar liberdade.</p><p>Desde os anos 1950, as empresas jornalísticas procuravam se modernizar,</p><p>variar seus produtos. Muitos jornais começaram a produzir publicações</p><p>semanais, parecidas com revistas, com conteúdo geral. Assim, bateram de</p><p>frente com as revistas tradicionais. A Life deixou de ser publicada em 1972;</p><p>por aqui, morreram O Cruzeiro e Realidade, duas revistas que marcaram a</p><p>vida dos brasileiros.</p><p>A tecnologia nas redações começou a aparecer timidamente a partir de</p><p>1973, com os terminais de computador. Os pioneiros foram O Globo e a</p><p>Folha. A tradicional linotipia foi aos poucos sendo substituída pela</p><p>fotocomposição. Um dos primeiros passos que mexeram com a vida dos</p><p>jornalistas partiu do jornal norte-americano Minneapolis Star, e poucos de</p><p>nós tomamos conhecimento disso: em sua redação, começou a ser testado</p><p>um sistema de diagramação eletrônica, que enviava as páginas diretamente</p><p>para a impressão.</p><p>Na área das mídias eletrônicas, a revolução explodiu a partir de 1980, com</p><p>as transmissões da rede norte-americana Cable News Network (CNN), que</p><p>em dez anos tornou-se a principal referência no Jornalismo internacional. A</p><p>rede bombou pra valer em 1991, na cobertura ao vivo da Guerra do Golfo e</p><p>suas balas traçantes, tornando famosos os jornalistas Peter Arnett e Bernard</p><p>Shaw.</p><p>A bela história da CNN é contada em detalhes por Sidney Pike, que</p><p>trabalhou 25 anos para Ted Turner, em seu livro Nós mudamos o mundo, no</p><p>qual narra a ousadia de se criar um canal de notícias a cabo que permanece</p><p>24 horas no ar e que, sem dúvida, é o pai de tudo o que vemos hoje na área.</p><p>A ideia foi tomando corpo aos poucos, usando o que havia de avançado</p><p>naquele momento. No começo, o canal servia os Estados Unidos e a</p><p>América Central, e só a partir de 1984 foi para o resto do mundo. Mudou a</p><p>maneira de se fazer Jornalismo, ao vivo, “a quente” – um tapa na cara do</p><p>planeta.</p><p>Apenas um ano depois, chegavam ao Brasil os canais internacionais de TV</p><p>por assinatura, assim como a televisão a cabo e a internet.</p><p>Agora, a hora é outra. É a hora do digital, da alta de�nição, de tornar a</p><p>imagem ainda mais nítida e real, e o Brasil mergulhou de cabeça na nova</p><p>era, ainda que a passos de tartaruga. Embora a hora seja também da rapidez,</p><p>da instantaneidade, do fato imediato, ao vivo, é isso o que se busca, o que</p><p>sempre se buscou. Essa é a parte material, a parte das inovações, das</p><p>bugigangas eletrônicas, tornadas essenciais no dia a dia dos jornalistas, e</p><p>mais ainda dos telejornalistas.</p><p>Contudo, em termos de comportamento dos jornalistas, a postura deve</p><p>ser a mesma. Ou melhor, tem de ser mais sensível, mais grave e delicada. O</p><p>compromisso do pro�ssional é com a verdade. Disso ele não poderá fugir.</p><p>Vamos ser claros: a cada ano, para não dizer a cada mês, surgem novos</p><p>inventos, novas ideias tecnológicas – as feiras norte-americanas de</p><p>tecnologia sempre trazem novidades incríveis –, mas o modo de se fazer</p><p>Jornalismo continua o mesmo, rastejando atrás da modernidade. Não falo</p><p>de conteúdo, pois isso sofre in�uências de todo tipo (a cara do patrão, o</p><p>gosto do público, as tendências do momento, até os regimes políticos e o</p><p>humor dos governantes), mas, sim, da forma de apresentar o produto ao</p><p>público.</p><p>Não precisamos ir muito longe, é só �carmos de olho em um evento</p><p>chamado Consumer Electronics Show (CES), que acontece todos os meses de</p><p>janeiro em Las Vegas. É o encontro anual e mundial dos que se interessam</p><p>pelo que vai rolar no futuro, quando se fala de tecnologia de consumo. Isso</p><p>acontece desde os anos 1970, e no evento já foram apresentadas ao mundo</p><p>inovações como o videocassete (VCR), o compact disc (CD), o digital video</p><p>disc (DVD), a TV de alta de�nição, tablets, notebooks e toda a parafernália</p><p>que invadiu – e, até certo ponto, mudou – nossas vidas.</p><p>Muitos dos produtos revolucionários lançados nessa grande feira já nem</p><p>existem mais. Mas a pergunta que se coloca agora é: qual dos novos vai</p><p>morrer primeiro? E outra: o que vem por aí e que vai chacoalhar o nosso dia</p><p>a dia? Em breve os interruptores de parede não vão existir mais, assim como</p><p>as câmeras fotográ�cas são hoje produtos apenas para os apaixonados por</p><p>esse invento do século XIX. Os smartphones acabaram com elas.</p><p>Mas nem os smartphones estão livres do fuzilamento digital. Já se fala, e</p><p>não é de hoje, dos implantes reticulares, dos fones de ouvido implantados e</p><p>de outras invenções, fazendo do homem comum o ciborgue imaginado em</p><p>�lmes de �cção. Enquanto isso, o Jornalismo continua seu pobre caminho</p><p>de pouca criatividade.</p><p>Como já disse, o jornalista tem na sua raiz alguma coisa que o prende à</p><p>tradição. É difícil sair dela. Mas estamos tentando, com as novas gerações.</p><p>Será possível?</p><p>3 Oliveira Sobrinho, 2011, p. 458.</p><p>4 Siqueira, 2010b.</p><p>O</p><p>4</p><p>O futuro é o passado</p><p>. . .</p><p>professor omas Pettitt, da Universidade do Sul da Dinamarca,</p><p>inventou uma teoria tão polêmica quanto fascinante: a teoria do</p><p>parêntese de Gutenberg, pai da imprensa. Um parêntese de cinco séculos.</p><p>Por esse pensamento, a humanidade estaria voltando à transmissão oral de</p><p>informação e conhecimento, como acontecia antes da invenção da imprensa,</p><p>no século XV.</p><p>Ou seja, estaríamos seguindo rumo ao futuro, voltando ao passado,</p><p>quando a comunicação era feita basicamente na base da conversa, da fofoca,</p><p>do efêmero. Como são hoje as redes sociais e o tiroteio diário dos que têm</p><p>um pensamento e acham que todos devem seguir a mesma cartilha – e de</p><p>maneira pouco cortês, para dizer o mínimo.</p><p>O professor Yuval Noah Harari, em seu grande livro Sapiens, lembrou que</p><p>nós, Homo sapiens, somos um animal social e que</p><p>essa teoria da fofoca pode parecer uma piada, mas vários estudos a corroboram.</p><p>[...] É tão natural para nós que é como se a nossa linguagem tivesse evoluído</p><p>exatamente com esse propósito. [...] A fofoca normalmente gira em torno de</p><p>comportamentos inadequados. Os que fomentam os rumores são o quarto poder</p><p>original, jornalistas que informam a sociedade sobre trapaceiros e aproveitadores</p><p>e, desse modo, a protegem5.</p><p>No século XV, o centro de interesse era o entorno do essencial, e a</p><p>invenção de Gutenberg tratou de imprimir as verdades e difundi-las pelo</p><p>mundo. Gutenberg quebrou isso. Tornou a palavra sólida, impressa, que</p><p>podia ser lida e relida. Os novos meios de comunicação, as redes sociais,</p><p>trouxeram a intimidade de volta. A palavra tornou-se líquida, passageira,</p><p>para ser moldada, difundida e esquecida.</p><p>O Jornalismo seguiu o mesmo caminho, uma vez que tem como</p><p>inspiração o mesmo princípio do livro: a matéria impressa. E pode estar aí a</p><p>sua redenção ou o seu �m. Como disse o professor Pettitt em uma entrevista</p><p>de 2010, para O Globo: como as pessoas preferem pensar em categorias de</p><p>mídia, “a escrita é mais verdadeira que a fala; e a imprensa, mais verdadeira</p><p>que um manuscrito”6.</p><p>Para omas Pettitt, o futuro da imprensa é a saída digital.</p><p>Poucos</p><p>discordam disso. Ele acredita que logo, logo, os grandes jornais serão</p><p>veiculados apenas nesse formato e antevê o sucesso dessa nova “imprensa”,</p><p>apenas na “reputação do mensageiro”. Ou seja, tudo será uma questão de</p><p>credibilidade. Quer dizer, os jornais terão de convencer as pessoas de que</p><p>sua mensagem é a mais con�ável e que vale a pena pagar por ela.</p><p>Em outras palavras, todos os jornais deixariam de ser diários para serem</p><p>instantâneos. Já sentimos isso na pele. Será que podemos chamar os jornais</p><p>digitais de “jornais”? Jornais são peças diárias, e os digitais mudam a cada</p><p>minuto.</p><p>Pessoalmente, não acredito que jornais e revistas impressos estejam a</p><p>caminho do �m tão rapidamente, apesar das mortes em sequência de vários</p><p>periódicos importantes pelo mundo. Vai demorar um pouco, mas é</p><p>inexorável. É a evolução natural das coisas, nesse mundo em que tudo muda</p><p>em uma velocidade alucinante.</p><p>A televisão e o rádio também podem entrar nesse balaio. Muitos teóricos</p><p>comungam a tese de que a televisão tem seus dias contados, como George</p><p>Gilder, um dos mais respeitados especialistas quando se trata do impacto</p><p>das tecnologias da informação nas empresas e nas pessoas. Para ele, a era</p><p>agora é do telecomputador. Em seu livro A vida após a televisão, de 1990,</p><p>ele já previa as pessoas transmitindo suas próprias imagens em vídeo e</p><p>acessando centenas de programas.</p><p>O telecomputador de George Gilder é o que seria a smart TV de hoje,</p><p>porém superdimensionada. Diz ele em seu livro:</p><p>Os telecomputadores serão capazes de evocar ou enviar �lmes ou arquivos,</p><p>noticiários e clips, cursos e catálogos em qualquer lugar do mundo. Quer</p><p>oferecendo 500 canais ou milhares, a TV será irrelevante num mundo sem canais,</p><p>onde você poderá sempre encomendar exatamente o que quiser e quando quiser</p><p>e onde cada terminal terá o poder de comunicação de uma estação de TV atual7.</p><p>Gilder é o que se pode chamar de visionário. Para ele, o computador vai</p><p>substituir a televisão, no centro da sala.</p><p>A era da pequena notícia</p><p>Olhares mais atentos podem perceber, nos jornais e nas revistas, uma</p><p>tentativa intuitiva de pegar o leitor pela informação lateral ou pelas notícias</p><p>de bastidor, aquelas que não fazem parte da essência da informação, mas</p><p>que podem dizer muito sobre ela. É isso que vem mais interessando o leitor</p><p>– as colunas assinadas de informações “pulverizadas”, que não dão</p><p>manchete, mas aguçam a curiosidade. É muito mais interessante falar da</p><p>amante do deputado, de sua riqueza e de seus negócios, das gafes do</p><p>presidente, do que da votação de um projeto que provavelmente terá</p><p>repercussão na vida das pessoas. Os exemplos são diversos.</p><p>É uma tentativa de prender o leitor, que vem dando certo, e pode ser o</p><p>caminho para a sobrevivência. Reduzir o tamanho das matérias e das</p><p>reportagens vem sendo, durante anos, uma proposta para liberar o leitor de</p><p>textos grandes e cansativos, embora as grandes reportagens, bem escritas e</p><p>atraentes, jamais podem ser deixadas de lado. Há exceções, mas podemos</p><p>ver isso no dia a dia dos jornais: as colunas mais visitadas são as de pequenas</p><p>informações.</p><p>A televisão também busca seus caminhos. Mas certamente vivemos</p><p>tempos disruptivos, termo que virou moda, ou, para ser moderno:</p><p>“viralizou”, �cou popular nas redes. Ou seja, disrupção é algo que provoca</p><p>uma alteração profunda, capaz de modi�car uma tecnologia preestabelecida.</p><p>A comunicação roubou o termo da eletricidade, da hidráulica, da</p><p>tecnologia.</p><p>Disrupção é isso: algum invento que derruba criações consagradas. Não é</p><p>preciso muito esforço para elencar um rol signi�cativo de invenções que</p><p>barraram outras e que impulsionaram os progressos da humanidade, em</p><p>vários segmentos.</p><p>O jornalista, escritor e biógrafo Ruy Castro, em seu livro A noite do meu</p><p>bem: a história e as histórias do samba-canção, cita, por exemplo, a in�exão</p><p>que teve a música popular brasileira a partir de criações, como a gravação</p><p>elétrica, que substituiu a gravação mecânica, que pedia um esforço</p><p>descomunal dos pulmões e dos instrumentos para que a música fosse</p><p>impressa.</p><p>Isso permitiu, nos Estados Unidos, por volta de 1925, que a música</p><p>tradicional desse lugar a uma música mais intimista, o fox-canção. E deu</p><p>chance para as criações de Irving Berlin e Stephen Sondheim. Isso mudou a</p><p>história da música. O re�exo no Brasil foi semelhante, alguns anos mais</p><p>tarde: o velho samba deu espaço ao samba-canção.</p><p>Não é preciso puxar muito pela memória para coletar exemplos. Caio</p><p>Túlio Costa, em seu estudo sobre o novo modelo de negócio para o</p><p>Jornalismo, cita vários deles, e fatalmente faltarão dezenas aqui: a telefonia</p><p>móvel em relação à telefonia �xa; smartphones em relação aos computadores</p><p>de mesa; a indústria da música, que passou do velho vinil – que volta,</p><p>incentivado pela nostalgia – para o CD, que, aos poucos, sai de cena para</p><p>dar lugar a outros inventos (os arquivos MP-3, que também se vão, os</p><p>downloads, diretos da internet, e o streaming); o varejo on-line com relação</p><p>ao varejo tradicional etc. Tudo isso é disrupção, que praticamente aniquila –</p><p>ou coloca em segundo plano – o que veio antes.</p><p>Até que chegamos ao Jornalismo propriamente dito, tanto no item que</p><p>trata da empresa, como no trabalho de conteúdo no chão da fábrica. É o que</p><p>se pode chamar de disrupção industrial, mas que atinge diretamente o</p><p>jornalista, que necessita se reinventar, tantas são as ameaças que o cercam.</p><p>Só que apenas sentimos o terremoto, não conseguimos ainda descobrir os</p><p>caminhos para fugir dele. É o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman,</p><p>falecido em 2017, chama de “interregno”. O momento de hoje é quase um</p><p>vácuo. Vivemos em um vácuo que remete a transformações fundamentais</p><p>da comunicação.</p><p>Em seu livro Babel: entre a incerteza e a esperança, escrito em conjunto</p><p>com o jornalista italiano Ezio Mauro, e em uma entrevista que deu em 2016</p><p>para O Estado de S. Paulo, Bauman explica:</p><p>O ‘interregno’ signi�ca que velhas maneiras de agir não dão mais resultado;</p><p>contudo, as novas saídas ainda precisam ser encontradas ou inventadas. Ou: tudo</p><p>pode acontecer, mas nada pode ser feito e visto com certeza8.</p><p>Isso quer dizer que vivemos em um intervalo: estamos entre o que</p><p>deixou de ser e o que ainda não é. É uma forma de juntar todos no mesmo</p><p>balaio: uns com a experiência, outros com a criatividade e o manejo das</p><p>novas tecnologias.</p><p>Nesse ponto, Bauman esbarra nas ideias do �lósofo marxista italiano</p><p>Antonio Gramsci, falecido em 1937. A ligação entre os dois é que o polonês</p><p>participou do Partido Operário Uni�cado Polaco, comunista, durante a</p><p>Segunda Guerra, para lutar contra os nazistas. Diz Gramsci: “A crise consiste</p><p>precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode</p><p>nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos</p><p>aparece”9.</p><p>Momentos incertos</p><p>De qualquer forma, o pensamento dos dois vale tanto para os jornalistas,</p><p>que vivem momentos tensos nessa encruzilhada pro�ssional, quanto para os</p><p>empresários da área de comunicação, que vivem o dilema de conseguir um</p><p>meio e�ciente para manter seu negócio – e que tratarei em outro capítulo.</p><p>Diante dessas novas escolhas e de uma angústia generalizada, com</p><p>pressões vindo de todos os lados – da economia, da competição aguda, da</p><p>chegada de novas tecnologias –, resta criar novas formas de comunicação e</p><p>de linguagem, para captar o interesse do público. Assim, �cam várias</p><p>perguntas no ar:</p><p>• Como sustentar os jornais digitais?</p><p>• Qual deve ser a nova fórmula para a apresentação de notícias e</p><p>reportagens?</p><p>• E, principalmente, qual é o assunto importante e que mais interessa ao</p><p>público, o que bate mais forte no seu coração e tem a ver com sua vida?</p><p>Na verdade, tudo isso nos leva às seguintes questões fundamentais: hoje, o</p><p>que é notícia de interesse geral, e como ela deve ser apresentada?</p><p>O mundo e suas revoluções diárias têm levado a essas perguntas, que</p><p>ainda não têm respostas concretas. Tudo vem seguindo o rastro dessas novas</p><p>tecnologias. A TV não é a mesma,</p>
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